Durante o reinado da Rainha Isabel II, a monarca fez questão de se encontrar semanalmente com os vários ocupantes do número 10 de Downing Street, reunindo-se com 15 primeiros-ministros ao longo de 70 anos. Ao que tudo indica, Carlos III irá continuar essa prática, tendo concedido a primeira audiência a Liz Truss, a atual primeira-ministra do Reino Unido, no passado dia 9 de setembro.
Mas o novo Rei não parece entusiasmado com a ideia. O mais recente encontro entre as duas principais figuras institucionais do Reino Unido aconteceu esta quarta-feira e ganhou uma atenção mediática inesperada, depois da divulgação de um pequeno vídeo que mostra a forma como Carlos III cumprimentou Liz Truss.
Ao entrar na sala onde seria recebida no Palácio de Buckingham, a primeira-ministra e líder do Partido Conservador começou por dirigir-se ao Rei, com um amável: “Sua majestade, que bom vê-lo novamente”. Ao que Carlos devolveu: “De volta?”
Truss ripostou: “Bem, é um grande prazer”. Mas a resposta imediata do monarca foi murmurada entre dentes, e fez manchetes um pouco por todo o Reino Unido: “Dear, oh dear… Anyway” (qualquer coisa como ‘meu deus…enfim’)
Rapidamente os jornalistas britânicos especularam que a reação do monarca tem de ser interpretada à luz dos recentes acontecimentos na esfera política do país. A pairar sobre a audiência esteve sem dúvida o “mini-orçamento” económico apresentado por Truss no passado mês de setembro, que previa um enorme corte de impostos, na casa dos 51 mil milhões de libras, totalmente pago através de endividamento do Governo.
Esse pacote, justificado por Kwasi Kwarteng, ministro das Finanças, como necessário para potenciar o crescimento da economia britânica, causou pânico nos mercados financeiros e motivou não só uma subida significativa nos juros da dívida pública, mas também uma queda histórica no valor da libra em relação ao dólar.
A reação dos mercados precipitou o Governo a recuar em algumas das medidas propostas no mês passado, incluindo na intenção de cortar os impostos sobre o rendimento para os contribuintes mais bem pagos, mas o mal estava feito. O índice de popularidade de Truss afundou-se e há já quem se pergunte se a política natural de Oxford é a pior primeira-ministra de sempre.
Antes da reunião com Carlos III, Truss esteve no parlamento a responder às questões dos deputados da oposição, entre eles Keir Starmer, o líder do Partido Trabalhista, que aparece, agora, 26 pontos percentuais à frente do Partido Conservador nas sondagens relativas às próximas eleições legislativas, esperadas para janeiro de 2025.
A primeira-ministra defendeu as suas propostas no parlamento, dizendo que estas “asseguram a proteção da economia” do Reino Unido neste “período internacional difícil”, uma linha argumentativa que motivou audíveis gargalhas e protestos na bancada trabalhista. Starmer retomou a palavra e acusou Truss de estar “perdida na sua negação”, acrescentando que “não admira que os investidores tenham perdido confiança no governo” Conservador.
Com a crescente divisão política sentida no país, não só entre os dois maiores partidos, mas também no seio do próprio Partido Conservador, Carlos III terá de desempenhar um dos papéis habitualmente atribuídos à coroa britânica: o de ser uma figura estabilizadora das instituições de soberania. A julgar pela audiência de quarta-feira, não será uma tarefa fácil.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL