Nas últimas semanas tem sido feita notícia a adoção da proibição do uso de telemóveis por algumas escolas ao longo do país, no seguimento das recomendações do Ministério da Educação, Ciência e Inovação aos agrupamentos. Um facto é que a subida exponencial dos índices de depressão e ansiedade infanto-juvenil se devem à superproteção no mundo real e a subproteção no mundo virtual, mas será a proibição a solução?
A partir da década de 2010, as necessidades destas faixas etárias quanto a um desenvolvimento social e psicológico saudável revelaram-se insuficientes, devido à inexistência de independência, autonomia e resiliência no mundo real, bem como à excessiva liberdade e utilização virtual.
Enquanto pré-adolescentes, os jovens estão num período vulnerável relativamente ao desenvolvimento da sua identidade pessoal e da vertente social, dado que o córtex pré-frontal, responsável pelo autocontrolo, pela protelação da gratificação e pela resistência à tentação, apenas atingirá a sua capacidade máxima aos vinte e poucos anos. O colapso da saúde mental derivou do facto da Gen Z experienciar uma “forma radicalmente nova de crescimento, longe das interações da vida real”, como revelam as pesquisas e investigações do bestseller do New York Times, A Geração Ansiosa.
“Assistimos à redução da participação em atividades sociais corpóreas, desde brincar, falar, tocar e estabelecer o contacto visual com amigos e familiares, crucial para o bom desenvolvimento humano“
Assistimos à redução da participação em atividades sociais corpóreas, desde brincar, falar, tocar e estabelecer o contacto visual com amigos e familiares, crucial para o bom desenvolvimento humano. O surgimento da crença geral de que os jogos e brincadeiras no exterior, ou seja, nos parques, sem vigilância, são sinónimo de atrair sequestradores e abusadores sexuais, bloqueia a liberdade, autonomia, independência e resiliência infanto-juvenil no mundo real.
Posto isto, é fundamental compreender a necessidade, como jovens mamíferos, de exposição a diversas experiências físicas e sociais desafiadoras, de modo a “desenvolver competências básicas, superar medos inerentes à infância e preparar uma menor dependência dos pais”. Como refere Jonathan Haidt, “Os desafios e contratempos menores que acontecem durante o jogo funcionam como uma inoculação que as prepara para enfrentar desafios muito maiores mais à frente”.
Nesta sequência, o psicólogo social enfatiza a importância da preparação de uma ação coletiva para implementação, por parte dos governos, das empresas tecnológicas, das escolas e dos pais, de um plano que proporcione uma infância mais saudável e livre, apresentando propostas específicas e eficazes.
A infância a brincar transmutou-se na infância ao telemóvel. Para o combater, argumentam-se quatro reformas essenciais como a inexistência de smartphones antes do secundário, permitindo apenas telemóveis básicos com aplicações limitadas e sem browser; a ausência de redes sociais antes dos 16 anos, permitindo aos jovens “atravessar o período mais vulnerável do seu desenvolvimento cerebral antes de os ligar a uma fonte de comparação social e a influenciadores escolhidos algoritmicamente”; implementar escolas livres de telemóveis, desde a primária ao secundário; e proporcionar “mais brincadeiras sem supervisão”, estimulando o desenvolvimento de competências sociais e superação da ansiedade, formando adultos autónomos de forma natural.
Admita-se, assim, o declínio da saúde mental e o aumento acentuado nos indicadores de ansiedade, depressão e ferimentos autoinfligidos, tornando indispensável uma mudança coletiva diante uma sociedade educada pela evolução saudável do desenvolvimento mental e social das crianças e adolescentes, nutrindo potencial, preparando-os para o futuro e tornando-os adultos competentes.
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