I
Se o leitor ou leitora se ver envolvido ou envolvida numa discórdia com um qualquer vizinho seu, há de exigir, por parte de quem pretenda ajuizar sobre a dita discórdia, que não sejam ouvidos só os argumentos do seu vizinho, mas, igualmente, os seus, ou seja, que se observe aquilo que se designa por princípio do contraditório! Ora, havendo um conflito militar ocorrendo em território ucraniano (e, também, russo), querendo nós, cidadãos comuns, fazer um adequado juízo de valor sobre o mesmo, quem nele terá ou deixará de ter razão, neste ou naquele seu aspeto, necessário se tornaria que, em obediência ao referido princípio, pudéssemos ouvir as duas partes no conflito envolvidas, que não só uma delas.
Mas não, a União Europeia, tida como paladina da democracia, dos «jardins» contrastantes com «selvas», na voz dum ex-representante seu de nome Borrell, como vê em nós, cidadãos comuns, simples mentecaptos, só assim não nos considerando quando, em tempo de eleições, votamos neste ou naquele partido, em que já nos têm, então, como inteligentes, sabendo o que queremos, a primeira coisa que fez foi censurar (tal como Salazar por cá o fazia em relação à oposição) tudo aquilo que da parte russa pudesse vir, impedindo-nos de ter acesso, por exemplo, a órgãos de comunicação social como uma RT ou Sputnik, a pretexto de serem meros órgãos propagandísticos de Putin. Como se, acaso, do lado de cá, igualmente, propaganda não pudesse existir! Censura, já agora, com a conivência e o silêncio de muitos que em comemorações do 25 de Abril exibem cravo ao peito, a lembrar, contudo, certos democratas que só se descobriu que o eram no dia seguinte àquela data.
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Jurista
O chumbo do projeto não terá sido, propriamente, ditado pela existência dum terreno onde, antecipadamente, se devia saber que não se podia construir, mas sim de se pretender construir nele mais do que aquilo que era permitido!
Entretanto, em nome do princípio do contraditório ou, se se quiser, daquele que diz que do confronto de ideias nascerá a luz, tomamos a liberdade de sugerir ao leitor ou leitora, a propósito de tal conflito e na data em que ocorrem três anos sobre o seu trágico início, a recente conferência dada pelo académico americano Jeffrey Sachs, promovida por um grupo de deputados europeus e que se poderá encontrar no YouTube através do endereço https://www.youtube.com/watch?v=VjcMoDFU1xg (comporta, desde que procuradas nas respetivas definições, legendas em português).
II
Em artigo de opinião nas páginas deste jornal sob o título «Centro Oncológico do Algarve: como foi possível chegar a este ponto», escreve João Paulo Sousa, vereador oposicionista pelo PSD na autarquia de Loulé dominada pelo PS:
«O pedido de licenciamento foi chumbado pela Câmara Municipal de Loulé, com o argumento de que o terreno cedido estava classificado como área verde no Plano de Pormenor do Parque das Cidades, impossibilitando a sua utilização para a construção do CORS. Um erro de planeamento tão básico e absurdo que, por si só, gera indignação e, sobretudo, muitas interrogações».
E seguem-se a indignação, mais as interrogações, que coisas assim não poderão, sobretudo em tempo de eleições autárquicas, deixar-se passar em branco.
Todavia, o que percebemos (teremos percebido mal?) duma conferência de imprensa dada pelo presidente da autarquia de Loulé sobre a matéria e pela imprensa reproduzida, foi, resumidamente, que em área classificada como verde, como seria o caso, só ser admissível construção correspondente a 2% dessa mesma área, pelo que sendo aquela em que o CORS nasceria de 31,14 hectares, o nela a ser construído, consequentemente (é uma questão de simples matemática), só poderia ser, no máximo, de 6 228 m2 e não de 7 154, 25 m2, como terá constado do respetivo projeto, entretanto, apresentado, razão pela qual, à face da lei, teve a dita autarquia de o reprovar!
Ou seja, o chumbo do projeto não terá sido, propriamente, ditado pela existência dum terreno onde, antecipadamente, se devia saber que não se podia construir, mas sim de se pretender construir nele mais do que aquilo que era permitido!
O que não invalida que alguém – se for esse o caso -, com competência na matéria, que não parece, contudo, dever encontrar-se no seio da autarquia louletana, tivesse a obrigação de alertar para o fato do terreno a doar, dadas as características ou os serviços que um centro oncológico como o pretendido deverá possuir, se mostraria insuficiente para tal fim, por força das já referidas limitações de construção a ele associadas. Houve esse alerta? Ou só agora se descobriu? Projetou-se sem conhecimento da lei ou pensando que à lei se podia fazer vista grossa?
Em suma, talvez para memória do imbróglio nascido em volta do CORS, se devesse no terreno, inicialmente, a ele destinado, construir uma réplica do «Portugal dos Pequenitos» existente em Coimbra e um outro, devidamente, adequado para a sua construção, se possa encontrar. Mas que, efetivamente, se construa, não vindo a ter a mesma sorte dum Hospital Central do Algarve, que já tem compridíssimas barbas!
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