De acordo com os dados do Registo Oncológico Nacional (RON), em 2021 foram diagnosticados cerca de 70 mil novos casos de cancro, dos quais 8.714 de cancro da mama.
O cancro da mama é o mais frequente entre as mulheres, constituindo a principal causa de morte por cancro na população feminina em Portugal. A maioria dos casos surge de forma esporádica, em mulheres com mais de 50 anos, devido à acumulação de alterações genéticas adquiridas ao longo da vida.
Contudo, cerca de 5 a 10% dos casos têm origem em variantes genéticas herdadas de um dos progenitores, conferindo uma predisposição genética de alto risco para o desenvolvimento de cancro da mama hereditário, frequentemente em idades precoces.
O cancro hereditário em idade fértil e reprodutiva representa uma carga socioeconómica significativamente superior à do cancro esporádico. Para além dos custos diretos com os tratamentos, trata-se de uma doença familiar, com um impacto profundo na saúde mental dos familiares. Em Portugal, estima-se que sejam diagnosticadas anualmente cerca de 870 mulheres jovens com cancro da mama hereditário — mais de duas por dia — casos que poderiam ter sido prevenidos ou detetados precocemente.
Infelizmente, essa não é a nossa realidade. Muitas mulheres são surpreendidas por um diagnóstico inesperado em idade jovem, desconhecendo que são portadoras de variantes genéticas herdadas. Este desconhecimento é perigoso, pois leva à desvalorização dos primeiros sintomas, tanto pela própria mulher como pelos profissionais de saúde. Esta interpretação errada é ainda mais frequente em mulheres grávidas, nas quais qualquer alteração mamária tende a ser atribuída às mudanças corporais próprias da gestação.
Atualmente, apenas 20% a 30% dos portadores estão identificados; os restantes 70% a 80% desconhecem a sua predisposição genética, perdendo assim a oportunidade de aceder a vigilância personalizada ou a cirurgias redutoras de risco.
Além disso, mais de metade dos doentes com cancro hereditário não cumpre os critérios atuais para teste genético. Quando não se identifica a variante genética, o risco de desenvolver outros cancros primários não rastreados aumenta — tanto para o próprio doente como para os seus familiares. Cada gene alterado está associado a um grupo específico de órgãos.
A maior barreira ao aconselhamento genético — que deve preceder o teste genético — é a falta de literacia genética entre os profissionais de saúde fora das especialidades de oncologia médica e genética humana. As síndromes de cancro hereditário são complexas, dificultando a identificação de padrões por parte de não especialistas, como os médicos de família. E mesmo quando esta barreira é ultrapassada, surge outra: os longos tempos de espera para consulta e realização do teste genético, devido à escassez de recursos humanos e logísticos. Esta carência representa uma oportunidade perdida de evitar o tipo de cancro com maior potencial de prevenção e deteção precoce.
Os genes mais prevalentes no cancro da mama hereditário são o BRCA1 e o BRCA2 — acrónimo de BReast CAncer Gene. Uma variante no gene BRCA2, por exemplo, pode aumentar o risco de cancro da mama, ovário, mama masculina, próstata e pâncreas. A vigilância personalizada destes portadores deve ser orientada por uma consulta multidisciplinar, idealmente integrada num centro de referência acreditado pela Rede Europeia de Referência GENTURIS (ERN GENTURIS).
Em Portugal, existe uma “mutação fundadora” no gene BRCA2, tornando-a a variante mais prevalente. A nível europeu, temos uma das maiores incidências de mutações neste gene. Com tanto cancro hereditário no nosso país, é incompreensível que não existam dados reais disponíveis: não há um registo nacional de cancro hereditário — uma lacuna que a nossa associação EVITA identificou há vários anos.
Para colmatar estas falhas — a ausência de dados, a iliteracia genética, a subidentificação de portadores, os tempos de espera, entre outras — lançámos no ano passado a EVITA Platform (EVITA Platform). Esta plataforma digital é uma iniciativa cidadã, feita por e para cidadãos, que visa informar quem possa ter predisposição genética para cancro hereditário e prestar apoio via telemedicina. A plataforma permite também o acesso de profissionais de saúde e investigadores, com perfis separados. Quem tiver vários casos de cancro em idade precoce do mesmo lado da família deve preencher o questionário de avaliação na EVITA Platform. Receberá de imediato uma recomendação sobre como proceder.
Para mais informações sobre os critérios para teste genético, gestão de risco e acompanhamento dos portadores, visite a página Cancro Hereditário (Cancro Hereditario) — uma iniciativa do grupo de trabalho “Cancro Hereditário” da Sociedade Portuguesa de Oncologia.
“Para mais informações sobre mutações genéricas BRCA pode também consultar o site do saBeR mais ContA https://sabermaisconta.pt/”.
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