Filosofia dia-a-dia
O sonho comanda a vida.
(António Gedeão, Pedra Filosofal)
O significado dos sonhos sempre deu muito que falar… A sabedoria popular sugere algumas explicações para os mais comuns, mas serão válidas? Afinal, por que sonhamos?
Muitos pensam que o tempo gasto a dormir é desperdiçado. Quando pensamos ou falamos sobre a nossa vida, referimo-nos à vigília, às coisas que fazemos acordados. As oito horas que a maioria de nós passa dormir não contam. Só nos lembramos delas depois de um pesadelo ou de um sonho surpreendente. Há também a ideia generalizada de que os génios da humanidade não dormiam muito… Porém, Einstein, quando descobriu a teoria da relatividade, dormia 10 horas por dia.
Contrariando essas ideias dominantes a filósofa María Zambrano (1904-1991) afirma que o sono é primordial, a vigília só acontece depois. Esta é, certamente, uma viragem radical do ponto de vista! Neste aspecto a neurociência segue a filosofia. O professor Alan Hobson da Harvard Medical School afirma: “Em vez de ser o seguidor de vigília, o sonho é, de facto, o progenitor do acordar.(…) Temo-nos interessado quase exclusivamente na forma como a noite segue o dia, e temos ignorado que a noite pode antecipar o dia.”
Tratando-se do fenómeno dos sonhos que pertence à vida humana,
o primeiro aspecto que teríamos de estudar seria a forma.
(María Zambrano, O Sonho Criador)
De um modo muito distinto ao de conhecidos psicanalistas como Freud, Jung ou Adler que estudam os sonhos a partir do conteúdo, realizo, na esteira de Zambrano, uma análise fenomenológica a partir da forma do sonho. Este método provêm de um projecto de investigação que decorreu durante 4 anos envolvendo alunos da faculdade onde leccionava, o Laboratório de Estudo do Sono, Cronobiologia e Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e o Serviço de Neurologia do Hospital Distrital de Faro.
Zambrano mostra-nos que o homem possui diferentes tipos de consciência que correspondem a diversas modalidades de tempo que não ocorrem somente durante a vigília, mas também quando sonhamos. Por outro lado, quando estamos acordados podemos penetrar no universo do sono, abstraindo-nos, por exemplo. Daí a expressão “sonhar acordado”. Interessam-me, portanto, os diferentes modos de padecimento do tempo a que o homem se encontra sujeito e que o vinculam a distintas formas de acesso à realidade. Aquilo que é real no sonho não são as histórias e as imagens ou fulgurações que nele aparecem mas o movimento íntimo do sujeito sob a atemporalidade. No Consultório do Sonho presto atenção ao seguinte: à tensão que precede a liberdade e a profetiza; à tensão rumo a uma finalidade que se apresenta simbolicamente; ao descobrir-se ou mascarar-se do sujeito; ao retroceder ante a finalidade ou ao ir até ela.
Como sabemos, muitas vezes pensamos de uma forma, sentimos de outra e agimos de um modo totalmente distinto. Isto gera confusão, desarmonia e muito sofrimento. Uma pessoa eloquente e inteligente consegue produzir imagens persuasivas, que podem enganá-la ainda mais e bloquear qualquer solução saudável para seus problemas. Como distinguir a que atender? Porque os sonhos estão para além do controle da mente, eles são uma maravilhosa fonte de informação, vão directamente ao ponto!
O sonho é ao mesmo tempo a nossa vida mais espontânea e a mais alheia,
o estado em que nos encontramos mais alienados
e mais isentos de intervenção.
(María Zambrano, O Sonho Criador)
Os sonhos – por estarem fora do controlo da consciência – podem funcionar como um atalho para elucidar onde é que o problema realmente se encontra. É possível poupar assim bastante tempo, tanto para o consultor como para o consultante.
Além disso, os sonhos também podem indicar aos sonhadores o estado mental em que se encontram a respeito de seu problema, por exemplo: se e onde se está bloqueado (sonho obstáculo); se o problema está em perigo de tornar patológico (sonho obsessivo); se se está a aproximar de uma solução (sonho de orexis); ou identificar o interruptor que irá induzir mudanças positivas na vida do sonhador (sonhos monoeideticos).
A Análise Fenomenológica de Sonhos é uma ferramenta tão fascinante quanto assertiva!
* As reflexões sobre os textos da rubrica Filosofia dia-a-dia continuam nos Cafés Filosóficos que se realizam em Tavira e Faro em Português e Inglês. Para mais informações contacte [email protected]