No último artigo, intitulado “Pode a arte contribuir para a preservação de espécies ameaçadas?”, fizemos referência aos dois cavalos marinhos feitos por Bordalo II, um no Campus de Gambelas da Universidade do Algarve e outro no Parque de Campismo da Praia de Faro, numa articulação entre a instituição em que é desenvolvido o conhecimento e o habitat onde se desenvolve a espécie e em que o conhecimento pode ser aplicado.
No entanto, para além dos cavalos marinhos existentes em Faro, já anteriormente tinha sido construída uma escultura de um cavalo marinho à entrada de Olhão.
Assim, o cavalo marinho é uma espécie transversal a vários municípios que se encontram na Ria Formosa, podendo ser fator de ligação territorial entre Faro e Olhão, concelhos diferentes mas unidos na defesa da preservação desta espécie.
Felizmente começam a surgir vários projetos envolvendo vários municípios do Algarve, em que há uma perspetiva regional e de coesão territorial que ultrapassa as fronteiras de cada município.
Longe vão os tempos de quase isolamento concelhio em que cada município procurava ter o seu polidesportivo, o seu auditório, as suas piscinas, etc, não havendo uma perspetiva integradora e de articulação de esforços.
Professor catedrático da Universidade do Algarve
Pós-doutorado em Artes Visuais
[email protected]
https://saul2017.wixsite.com/artes
O Geoparque Algarvensis é outro destes projetos recentes no Algarve, resultando duma parceria entre os Municípios de Loulé, Silves e Albufeira e a Universidade do Algarve, através do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA), procurando candidatar este território à categoria de Geoparque Mundial da UNESCO. Como forma de assinalar o lançamento deste projeto foi recentemente inaugurada a Escultura Metoposaurus Algarvensis, em Salir, com 10 metros de altura, da autoria de Pedro Cabral Santo.
Temos assim mais um exemplo do papel que a arte também pode ter nas conexões entre espaços físicos, permitindo recriar trajetos na ligação entre esses espaços ou dando uma dimensão mais simbólica e global a esses espaços.
Um exemplo ainda mais recente de colaboração entre municípios, com o envolvimento da Universidade do Algarve, através do Centro de Ciências do Mar (CCMar), diz respeito ao lançamento do Parque Natural Marinho do Recife do Algarve, uma zona conhecida como a Pedra do Valado, sendo uma área marinha protegida de interesse comunitário no Algarve, no âmbito do qual estão previstos 156km2 de área protegida, entre o Farol da Alfanzina e a Marina de Albufeira, encontrando-se identificadas mais de 800 espécies marinhas. Neste projeto participam ainda a Fundação Oceano Azul, bem como a Junta de Freguesia de Armação de Pêra e os Municípios de Albufeira, Lagoa e Silves. Nesta zona situa-se o maior recife rochoso costeiro do Algarve, um ecossistema ímpar no continente português, que beneficia de condições naturais que favorecem uma biodiversidade marinha e produtividade únicas.
Esta proposta inédita foi construída através de um processo participativo, ao longo de quase três anos, envolvendo mais de 70 entidades e baseado numa sólida fundamentação científica.
No último artigo, havíamos finalizado referindo que a “articulação entre a investigação e a sua aplicação prática é fundamental e esperamos que este seja um exemplo a seguir em relação à preservação de outras espécies ameaçadas na Ria Formosa, nomeadamente o Camaleão, podendo a arte ajudar na consciencialização para a importância da preservação das espécies e do papel essencial que a investigação pode ter neste processo.”
Assim, outra espécie ameaçada de extinção no Algarve é o camaleão, tendo muito recentemente o projeto “Centro de Recuperação e Investigação do Camaleão do Algarve”sido vencedor do Orçamento Participativo Jovem Portugal, edição de 2019. Este prémio foi atribuído à Associação Vitanativa, que vai realizar iniciativas entre Loulé e Vila Real de Santo António.
Este projeto visa promover a conservação do camaleão, espécie emblemática algarvia, através da sensibilização da comunidade para a sua importância e respetivos fatores de ameaça e da melhoria do conhecimento da sua biologia e distribuição geográfica, envolvendo os cidadãos e a comunidade científica.
Será criado um “Centro de Interpretação do Camaleão”no Parque Natural da Ria Formosa, em Olhão, e a capacitação do Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens (RIAS), através da melhoria de infraestruturas, mais adequadas à receção de camaleões feridos ou debilitados.
Está também prevista uma campanha presencial em algumas praias no Verão, assim como a colocação de sinalética com informações sobre o camaleão e sobre como as pessoas podem colaborar no projeto.
Para além de Olhão, também os municípios de Faro, Loulé, Tavira, Castro Marim e Vila Real de Santo António, a Universidade do Algarve, a delegação regional do Instituto Português do Desporto e da Juventude e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas estarão envolvidos neste projeto.
Fica o desafio para que, tal como Bordalo II criou dois cavalos marinhos, expressando as pontes existentes entre a Universidade do Algarve e o município de Faro na defesa desta espécie, poderia ser interessante que algo idêntico fosse feito em relação ao camaleão, enquanto símbolo de coesão territorial de vários concelhos do Algarve.
Aliás, curiosamente Bordalo II já criou imagens de camaleão, nomeadamente em 2016, encontrando-se no Museu de Street Art de Murcia. Mas estas poderiam ser também implementadas em locais que permitam criar ligações simbólicas entre espaços e cidades da Ria Formosa, contribuindo para a coesão territorial e para uma perspetiva do Algarve como um todo, em defesa do ambiente e da biodiversidade.