Todos já ouvimos histórias dos nossos pais ou dos avós do tempo em que se namorava por carta escrita. Os casais trocavam mensagens e fotografias através do correio ou de amigos ou familiares que serviam de mensageiros entre o par amoroso. Há mesmo histórias de pessoas que se conheceram pessoalmente e se tocaram, pela primeira vez, no dia do próprio casamento. Hoje estas relações à distância também existem, mas os meios através dos quais os casais se comunicam e se relacionam são bem diferentes… Trocam-se fotografias, vídeos, mensagens escritas e de voz, fazem-se videochamadas em tempo real, através das mais variadas redes sociais e de tantas aplicações instaladas nos nossos computadores e telemóveis. Estas duas realidades são separadas por cerca de 50 anos e são já conhecidos muitos dos riscos existentes nas comunicações e nas relações à distância na era digital.
A violência nas relações amorosas é um fenómeno que se caracteriza por um ciclo intergeracional que é muito difícil de quebrar e que quanto mais cedo for interrompido, melhor
Em fevereiro comemora-se o Dia de S. Valentim e, apesar de esta ser uma data de celebração do amor e do carinho, podemos aproveitá-la para refletir sobre as novas formas de relacionamento e de violência no namoro. Mudam-se os tempos, mudam-se as relações, mudam-se os riscos a elas associados. De facto, os avanços da tecnologia e das redes sociais têm trazido ao longo dos tempos inúmeras vantagens, mas também novos desafios para os relacionamentos saudáveis.
Pode falar-se em violência no namoro quando, no contexto das relações de namoro, um dos parceiros (ou mesmo ambos) recorre à violência com o objetivo de se colocar numa posição de poder e controlo. Hoje em dia, para além das formas de violência que já conhecemos, como a violência física, verbal, psicológica, social e sexual, assistimos a um fenómeno crescente designado de violência digital. Estrangeirismos como sexting, revenge porn, cyberstalking, dick pics e outros mais são termos que estão a entrar no nosso vocabulário todos os dias. Usar a tecnologia para controlar o que o/a parceiro/a faz através das redes sociais, perseguir perfis ao entrar em contas de email, assediar ou discriminar um/a parceiro/a por meio de mensagens, divulgar informações pessoais, partilhar imagens ou vídeos íntimos de um/a parceiro/a sem o seu consentimento são exemplos de comportamentos que visam o maltrato, a intimidação, a humilhação ou a ameaça e que configuram algumas das novas formas de violência no namoro.
Estarão os nossos jovens preparados para lidar com estes novos riscos das relações amorosas mediadas pela tecnologia? É urgente pensarmos como podemos ajudar os adolescentes e os jovens a protegerem-se destes riscos, evitando a tendência para a normalização de determinados comportamentos tóxicos e, desde logo, sensibilizando-os para o facto de que nenhuma forma de violência deve ser tolerada.
Paralelamente, sabemos que por questões relacionadas com a sua privacidade, com a procura de autonomia ou até por falta de conhecimento acerca dos recursos disponíveis, a maioria dos adolescentes e jovens não procura ajuda, perante situações de violência no namoro. Quando o fazem, normalmente, recorrem à sua rede de apoio informal, nomeadamente amigos/as ou familiares, e não a profissionais.
A não procura de ajuda pode estar associada a diferentes fatores: o facto de não reconhecerem o comportamento do/a parceiro/a como abusivo ou de procurarem desculpar ou “normalizar” tais condutas, o receio de serem culpabilizados/as pela relação abusiva, o receio da perda de estatuto entre os pares, a esperança de que o comportamento do/a parceiro/a mude, o desconhecimento face aos recursos de apoio disponíveis e o sentimento de vergonha.
A violência nas relações amorosas é um fenómeno que se caracteriza por um ciclo intergeracional que é muito difícil de quebrar e que quanto mais cedo for interrompido, melhor. Prevenir a violência no namoro é também contribuir para a prevenção da violência entre casais adultos, por isso todas as iniciativas e esforços que visem reduzir o risco de ocorrência de situações de violência ou de crime, pela redução de fatores de risco e/ou pela promoção de fatores protetores, menorizando os efeitos e impactos da violência ou do crime nas pessoas e na sociedade são bem-vindos.
Mas, afinal, como explicar a um adolescente ou jovem o que é uma relação amorosa saudável? Um relacionamento saudável inclui uma comunicação aberta e respeitosa, confiança, apoio e consentimento mútuo. Este consentimento nas interações íntimas deve ser livre, informado, específico e revogável a qualquer momento.
Os adolescentes e os jovens devem ter consciência dos sinais de alerta de relacionamentos abusivos, como o controle excessivo, o ciúme doentio, a manipulação e todas as formas de violência.
É muito importante capacitar os adolescentes e jovens para expressarem os seus sentimentos, desejos e limites de uma forma clara e assertiva, e ensinar a ouvir e respeitar os sentimentos e limites dos outros. Promover competências de resolução de conflitos de forma construtiva e não violenta, incentivar o diálogo, a negociação e o compromisso como alternativas à agressão e, ao mesmo tempo, promover uma autoestima e autoimagem positivas, incentivando-os para a autonomia e independência emocional, para não dependerem de relacionamentos abusivos e se sentirem valorizados, são algumas das estratégias que pais, familiares, professores e outros adultos significativos podem tentar implementar.
Complementarmente, é importante disponibilizar informações sobre recursos de apoio, tais como linhas telefónicas de ajuda, organizações de defesa dos direitos das mulheres e serviços de apoio e aconselhamento, para que os adolescentes e jovens saibam onde procurar ajuda se estiverem perante uma situação de violência.
Para apoio ou informações úteis:
– https://encontreumasaida.pt/
– https://www.sns24.gov.pt/servico/aconselhamento-psicologico-no-sns-24/#
– Linha Internet Segura – 800 21 90 90 | chamada gratuita | dias úteis das 09h às 21h | [email protected]
– Linha de Apoio à Vítima da APAV – 116 006 | chamada gratuita | dias úteis das 09h às 21h
– Gabinete de Apoio à Vítima da APAV – 213 587 900 ou https://www.apav.pt/apav_v3/index.php/pt/
contactos
– UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta – 218 873 005
Em situações de emergência:
Deverá contactar-se o 112 – Número Nacional de Emergência (chamada gratuita, disponível 24h/dia), que desencadeará os meios de auxílio mais adequados à situação relatada.
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