Serras: riqueza ou pobreza?
As serras algarvias, assim como outras no país, são fonte de riqueza ou de pobreza e abandono? Esta questão parece ser uma provocação, mas na realidade a riqueza natural e paisagística das nossas serras é tão relevante como as lindas praias do litoral e normalmente pouco tem sido explorada. Muito pelo contrário, tem existido um estímulo constante para a desertificação destas áreas, o que faz com que haja tendencialmente um abandono.
Este estímulo ao empobrecimento traduz-se na redução de equipamentos sociais nos poucos aglomerados rurais, à sua não consagração como espaços urbanos nos PDMs, e também com uma legislação cada vez mais restritiva na ampliação de habitações em espaços rurais, com a questão dos incêndios florestais como pano de fundo.
A economia florestal e o desenvolvimento rural é fundamental para o crescimento de qualquer país, sobretudo de fracos recursos como Portugal. Quais as verdadeiras medidas tomadas, por exemplo, no Planeamento Urbanístico? Apenas uma visão um tanto cega, uniforme e contínua, como a constituição de manchas de REN, com a classificação do tipo “espaços florestais”, e pouco coerentes com a política das estruturas mais pequenas de espaços diferenciados, por exemplo, de alguns polos de desenvolvimento como parques empresariais destinados à água natural como em Monchique, ou turísticos.
O posicionamento das autarquias com serras
As autarquias focam a sua preocupação nas populações, sobretudo no que diz respeito ao apoio aos idosos, e ao transporte de forma a evitar o isolamento social. Embora estas medidas sejam positivas, este tipo de problema estrutural de sub-desenvolvimento dos nossos espaços rurais só se resolve com medidas extraordinárias, com investimentos em infraestruturas de apoio, sejam estas: rodoviárias com ligações fáceis, como com barragens, promovendo os espaços fluviais e turísticos, como com um correto ordenamento do território, proporcionando a defesa da paisagem como um bem público, mas permitindo a dinâmica económica numa escala proporcionada. Estas medidas só são possíveis, com vontade política, e com origem nas fontes financiamento de administração central.
Os trilhos pedestres, através por exemplo da Rota Algarviana, são também uma estrutura de suporte ao turismo e vão ao encontro da natureza de forma sublime.
O comércio de produtos da região, como seja, queijos, doces próprios da zona, assim como peças de artesanato do tipo vergas, cortiça ou elementos em madeira são exemplos de sustentabilidade económica própria dos espaços serranos. As autarquias procuram também promover estas pequenas economias, pelas feiras e outros espaços de encontro, que permitam a divulgação.
A esperança: a serra, a água e a floresta
A esperança baseia-se num maior conhecimento do nosso território, com um estudo mais completo relativo ao correto desenvolvimento florestal, uma correta gestão da água, nomeadamente com a construção de pequenas barragens, e ainda uma estrutura de apoio ao socorro e ao combate aos incêndios, com uma rede de acessos bem definida. Embora esta medida seja de difícil implementação, será fundamental com o agravamento das alterações climáticas. O impacto ambiental negativo das barragens será naturalmente contrariado pelo bem maior do desenvolvimento de espaços naturais e de apoio até aos espaços florestais e agrícolas, assim como às povoações.
As serras merecem ser valorizadas para que possamos manter a nossa identidade, a nossa paisagem, as nossas floresta e, com isso, também a sobrevivência das nossas economias rurais.
O turismo no Algarve desempenha para a região o pilar fundamental da nossa economia, o nosso ouro, aquele que permitiu a saída do subdesenvolvimento de grande parte da população. Este turismo que nos alimenta, nos dá a riqueza, nos dá emprego, faz movimentar o pequeno comércio, a restauração, a hotelaria, os serviços de animação turística, a grande dinâmica de golfe, entre outros.
Porém, com os mercados concorrentes do mediterrâneo, do Norte de África, estamos nós preparados para uma diminuição da receita que possa advir?
O turismo necessita de um apoio claro do Governo, em infraestruturas de saúde, de segurança e de transportes. O setor privado tem feito a sua parte na aposta de hotéis de qualidade, mas falta criar uma cultura de acolhimento digno, com infraestruturas de transporte modernas e ligações fáceis aos centros e aos aeroportos, com uma ferrovia leve e flexível, com equipamentos de saúde públicos, e espaços públicos valorizados. Esta parte só ao Estado diz respeito, e parece tardar, ano após ano.
Com a agitada discussão sobre o Brexit, será fácil prever que a redução do número de turistas ingleses está também à vista de todos, provocando um repensar sobre o que afinal temos como seguro e os nossos destinos. O ambiente de grande beleza, o clima, a gastronomia e a natureza amistosa do nosso povo são caraterísticas únicas que poderemos sempre valorizar no Algarve, mas não é suficiente para todas as crises. Será fundamental pensar antecipadamente e procurar novos mercados.
O ordenamento do território e o turismo
A sustentabilidade do território é tantas vezes questionada pela pressão turística, tendo sido o Algarve durante décadas julgado pela má utilização dos seus recursos, pela densificação excessiva. Embora haja exemplos infelizes, ainda assim, foram conseguidas melhorias significativas de infraestruturação, de contemplação da natureza, de valorização dos nossos núcleos históricos, não podendo referir que tudo seja mau.
O ordenamento do território, por orientação governamental, teve em consideração este desígnio do Algarve e procurou promover essa atividade pela exceção. Em quase todos os regulamentos urbanísticos consegue-se verificar que houve uma intenção de promover esta atividade, como exceção à proibição, permitindo a construção ou a ampliação no caso do turismo em espaço rural, nos estabelecimentos hoteleiros Isolados, ou nos núcleos de desenvolvimento turísticos.
A residência habitacional local das populações não foi tão grandemente valorizada, mas sobretudo o aspeto de desenvolvimento económico do turismo. Será certamente relevante e fará sentido, mas consideram-se também adequadas outras funções para além desta, como a habitação, o aglomerado rural, o pequeno centro urbano que muitas vezes se localiza em cruzamentos de estrada e pequenos locais históricos de vivência, como um poço, ou uma capela.
O equilíbrio entre a população residente e o turista
Hoje, temos o debate sobre a capacidade da população residente em resistir ao turismo nos centros históricos, onde parece que o espaço do cidadão comum está a ser invadido ou desalojado. Embora possam existir excessos, em muitos casos, esta situação ainda está longe de provocar danos irreversíveis, pelo menos, no caso do Algarve. Aqui, faz tempo que tínhamos as camas paralelas e a densificação no Verão, e estamos habituados.
Aprendemos a lidar com as multidões há décadas, e não existe nenhum algarvio que se incomode, porque sabe que essa é uma realidade que lhe permite viver e crescer economicamente. Crescemos nesta ambiência e os nossos locais serão sempre nossos, porque no fim da época balnear, estamos sozinhos. Esta situação é muito particular no Algarve e foge completamente à realidade de Lisboa e do Porto, por exemplo. A especificidade da nossa região devia ser ponderada em questões de restrições ao direito de instalar um alojamento local, porque já o fazíamos antes, mesmo sem ser dessa forma.
Em termos de planeamento, faltará mais o regular no pormenor, na defesa do nosso património arquitetónico e da nossa memória coletiva. Na ausência destes documentos, o turismo poderá facilmente invadir e criar algum ruído e perturbação, o que seria evitável com uma visão urbanística das nossas cidades.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de janeiro)