Não, não se trata de uma gesta exaltante das qualidades prodigiosas do militar alemão, durante o período nazi. O Heer (exército), a Luftwaffe (aviação) e a Kriegsmarine (armada) são aqui desdobrados nas suas várias unidades de elite. Para quem estuda conflitos militares e conhece o essencial da II Guerra Mundial, sabe sem sombra de dúvida que a Wehrmacht foi uma das estruturas militares mais temidas e destrutivas de sempre, a sua existência coincide com o tempo em que Hitler esteve à frente do III Reich.
O que faz do livro ‘O Livro do Soldado Alemão do III Reich’, por Óscar González e Pablo Sagarra, com sugestivas ilustrações de António Gil, Esfera dos Livros, 2017, um documento rigoroso para quem estuda ou se interesse pelos fenómenos bélicos é a qualidade das ilustrações num documento que se debruça sobre a estrutura, os uniformes, as armas e as grandes batalhas em que as forças de combate de Hitler se envolveram durante a II Guerra Mundial. É, por outro lado, um livro muito atractivo na medida em que nos faz um relato imparcial das principais etapas da II Guerra Mundial, à luz dos corpos, armas, personagens e campanhas mais significativas em que esta revolucionária máquina de guerra esteve investida.
Tudo começa com o equipamento do soldado alemão e o leitor cai de rompante sobre a guerra relâmpago na Polónia e na França. Em que constituía a revolucionária estratégia alemã de 1939? Na guerra relâmpago, empregavam-se concentrações de carros de combate, infantaria mecanizada e aviões, especialmente bombardeiros de voo picado para atacar e romper a linha inimiga no seu ponto mais vulnerável. Assim que a frente adversária fosse penetrada, avançar-se-ia de forma veloz até à retaguarda a fim de destruir o centro de comando. Na batalha da Europa Ocidental, a velocidade surpresa e logro foram as bases da Wehrmacht para derrotar os holandeses, belgas e luxemburgueses, mas sobretudo os franceses e os britânicos. O leitor é absorvido pela guerra submarina, pelo terror suscitado pelos Stukas (bombardeiro monomotor de voo picado e com uma precisão que se tornou lendária), pelos aguerridos caçadores de montanha, pela perícia e intrepidez dos paraquedistas, pelos grandes combates navais. Há um particular enfoque para a batalha da Grã-Bretanha, a alta hierarquia nazi supunha que a Luftwaffe iria pôr a Grã-Bretanha fora de combate. A batalha teve três fases e o seu resultado foi desanimador para o lado alemão, o alto comando admitiu o fracasso da ofensiva aérea. Conforme escrevem os autores, a luta aérea prolongou-se por vários meses mas perdeu a ferocidade e o propósito estratégico do terrível Verão de 1940. Durante esse período, a Luftwaffe sofreu a destruição de 2000 aviões e a morte ou desaparecimento de mais de 2500 pilotos. Os britânicos pagaram um preço igualmente alto, tendo perdido mais de 900 caças e cerca de 500 pilotos.
Leitura empolgante que permite aos leitores interessados assistir ao assalto de Creta, à entrada fulminante dos alemães em território da União Soviética, a perceber a craveira de um marechal como Rommel, as batalhas do Norte de África, quem eram os voluntários estrangeiros na Wehrmacht, como, durante a invasão da URSS, se procurou aproveitar algum do sentimento anti Estaline, casos dos cossacos e russos brancos, no fim da guerra acabaram sumariamente executados, descrevem-se as armas mais temíveis como as diferentes gerações de tanque Panzer, assiste-se á terrível derrota de Estalinegrado, à chegada de novo armamento como as armas anticarro, destacam-se a batalha de Kursk, a maior batalha de carros de combate da história; acompanharemos a evolução da Wehrmacht, os seus serviços e a sua logística, estaremos com os alemães em Itália na batalha de Montecassino; o leitor acompanhará a batalha da Normandia e a chegada do tanque tigre, um dos mais temíveis carros de combate de todos os tempos; chega-se à defesa do próprio território alemão pressionado no Leste e no Ocidente; enquanto o III Reich desaba procuram-se desesperadamente armas inovadoras, caso dos foguetes A-4 e V2. Como destacam os autores, no campo da investigação armamentista, além dos engenhos a jato com combustível líquido, os alemães conceberem foguetes de suporte portáteis, um deles era o Panzerfaust, capaz de penetrar as blindagens dos carros de combate. Por fim, a derrota da Wehrmacht, inescapável naquela batalha de Berlim onde era totalmente desproporcionado o número de efetivos e meios entre os Aliados e o que restava das tropas alemãs.
Insista-se que se trata de um documento graficamente irrepreensível que não deixa indiferentes todos aqueles que se empolgam com os estudos de guerras, batalhas, equipamentos ou armamentos. Trata-se de um livro que nos leva à Polónia, a Narvik, Creta, Tobruk, Estalinegrado e Berlim. “Setenta e dois anos após o fim da guerra, é possível debruçarmo-nos sobre estes protagonistas com serena objetividade e melhorar o conhecimento das suas idiossincrasias e das suas acções”.