Estávamos numa daquelas tardes, com algumas nuvens pesadas, típicas do verão na Baviera, no fim dos anos 80 – em meados de 1988 para ser mais preciso. Depois de um almoço, por volta do meio-dia, na cafetaria da editora DTV, na cidade alemã de Munique, um amigo apresentou-me a Luís Sepúlveda que vinha falar de um dos seus livros mais notáveis: “O VELHO QUE LIA ROMANCES DE AMOR”. “Acabado de sair do forno”, disse ele, enfatizando a gíria chilena enquanto mostrava e me dedicava o seu livro, posteriormente galardoado com o Premio Tigre Juanem Oviedo (España).
A nossa EMPATIA, desde o primeiro momento, foi recíproca. De tal maneira que quando chegámos à LA BOTICA – a livraria onde Luís Sepúlveda daria uma palestra –, o dono pensou que éramos irmãos…
Depois da apresentação, fomos a casa de Marco A., um poeta peruano que como bom anfitrião costumava organizar noites literárias, reunindo em sua casa inúmeros artistas, escritores, intelectuais, na sua maioria de origem latino-americana. Naquela ocasião, Luchoera o convidado especial. Um grande conversador, um grande provador de um bom vinho, algo que consequentemente nos identificava, mas, acima de tudo, era a paixão pela vida, a aventura da vida e a FÉ pelos ideais, o que mostrava o seu trabalho literário.
“Lucho” como era conhecido entre os amigos, Luís Sepúlveda deixou-nos um grande legado sobre a riqueza da sua personalidade, e acima de tudo, o valor sincero da AMIZADE. “Amigo leal, Amigo do seu amigo” fascinava-o a conversa, ou seja aquela CONVERSAÇÃO simples, clara, fluente. Apreciava mais os seres inteligentes do que os intelectuais.
Luís Sepúlveda, o meu amigo Lucho, era um ser admirável. Construía mil histórias da mesma maneira que sabia OUVIR atentamente todos, mas TODOS, desde o ronronar de um gato até ao desenrolhar de uma garrafa de bom vinho e claro, surpreendente a CONTAR HISTÓRIAS.
A afeição que Luís Sepúlveda sentia pelos animais era simplesmente comovente e tocante. Escreveu temas e criou personagens principais em algumas das suas obras de referência como, por exemplo, na fábula do seu livro HISTÓRIA DE UM CÃO CHAMADO LEAL, ou na HISTÓRIA DE UMA GAIVOTA E DO GATO QUE A ENSINOU A VOAR.
A personagem central, Zorbas, um gato “grande, de cor preta e gordo”, com um grande e inabalável sentido de honra faz-nos vislumbrar um princípio e um valor, ambos fundamentais na narrativa de Luís Sepúlveda, como também se reflecte no compromisso combativo em prol do meio ambiente e da natureza.
Sim, Don Lucho, como eu lhe chamava, foi um grande mestre da vida, um amante de viagens que empreendeu agora uma outra grande aventura, outra grande jornada. Será que essa provável oportunidade, inevitável, seja encontrar, mais cedo ou mais tarde, esse “Velho homem que estava lendo romances de Amor” – porque não?
Claro que nos veremos novamente, desta vez também acompanhados por um bom cálice de néctar para continuar conversando e debatendo como lendários, mas acima de tudo, desfrutando das realidades grandes e simples que nos poderão dar a alegria de uma longa e sincera CONVERSAÇÃO, de continuar contando histórias, ao sabor de um bom acompanhamento (como no seu país amado, o Chile). Continuar conversando, continuar discorrendo acerca dos mitos, fábulas, … até ao dia de nunca terminar … Saúde Don Lucho!!! Deste teu amigo, Julio.
* Julio Lorenzo Soriano Díaz emigra do Peru, seu país de origem, para a Europa, em 1986, data em que inicia o trabalho artístico-jornalístico e foto-jornalístico. Especialista em Comunicação Visual, tem projectos culturais, turísticos e de informação. Colaborou com várias editoras, como o DTV em Munique, o Spotlight Verlag da Ecos Magazine, em Espanha e na América Latina. Em 1987, fez a primeira exposição individual na Livraria e Centro latino-americano “La Botica” em Munique, Alemanha. Tem a empresa Art Visual Produções. Actualmente vive em Sevilha.
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