Era uma vez um menino de Olhão, nascido e criado em terras de Al-Hain, desde tenra idade viveu a Ria Formosa e a cidade de Olhão. Quando era pequeno, ouvia a sirene matinal da doca, acompanhava a avó à praça e passeava pela avenida, sempre num passo alegre, como se naquela terra não houvesse uma única preocupação.
Gostava tanto de Olhão que dizia, com convicção e inocência infantil: “Quando for grande, vou viver aqui para sempre, criar família e trabalhar. Esta é a minha terra, onde tudo será possível!”
O menino cresceu. Agora é adulto. Conforme profetizou há tantos anos, vive e trabalha em Olhão. Mas o andar alegre que marcava os gloriosos dias com a sua avó desapareceu, transformando-se numa caminhada pesarosa, carregada de incertezas. A cidade que conheceu está a mudar e, com ela, esmorecem as oportunidades para quem sempre aqui viveu.
Vamos chamar-lhe Carlos. Com 40 anos, sempre pertenceu a uma família de classe média-baixa, residindo na Rua das Lavadeiras, no centro de Olhão. Ao concluir o secundário, iniciou a sua vida profissional na antiga fábrica Bela Olhão, onde trabalhou como segurança até ao encerramento da unidade. Posteriormente, encontrou trabalho no porto de pesca, a poucos metros do seu antigo emprego.
Recentemente, Carlos recebeu uma notícia que o deixou perplexo. O edifício da Bela Olhão, adquirido pela autarquia num processo pouco transparente, foi vendido à empresa “Carvoeiro Branco” para dar lugar a um empreendimento de luxo com cerca de 500 apartamentos e uma unidade hoteleira.
Carlos questiona-se: de que forma esta venda beneficia a sua vida e a dos seus conterrâneos? Quem irá habitar estes apartamentos? Quem poderá pagar para viver ali?
A realidade é que Carlos representa muitos olhanenses que viram a sua cidade transformar-se num destino voltado para turistas e investidores, deixando de lado aqueles que ali cresceram e construíram as suas vidas. O desenvolvimento urbano de Olhão tem sido fortemente orientado para o turismo, enquanto as necessidades dos residentes são frequentemente deixadas para segundo plano.
A crise habitacional que atravessamos é uma das mais graves dos últimos anos. Perante isso, faz sentido que a autarquia celebre a venda de um património público para a construção de um empreendimento de luxo? Será este o melhor caminho para garantir um futuro equilibrado para a cidade?
Além disso, a localização do novo empreendimento levanta outra preocupação: o impacto no porto de pesca de Olhão. É previsível que os futuros residentes destes apartamentos de luxo e a gestão da unidade hoteleira exijam transformações que comprometam o funcionamento do porto. Assim, a venda deste espaço pode ser um primeiro passo para a desativação progressiva da pesca, atividade que esteve na base do crescimento e identidade de Olhão.
Ao colocarmo-nos na pele de Carlos, sentimos a desilusão de quem vê a sua cidade tornar-se um local onde é cada vez mais difícil viver. A necessidade de procurar outros destinos, onde seja possível encontrar habitação acessível e oportunidades de trabalho está a tornar-se uma realidade para muitos.
Quando nos pomos na pele do Carlos, só queremos que Olhão seja um lar para os olhanenses, e não apenas um destino para quem pode pagar pelo luxo.
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