O autor, publicado pela Gradiva, faz neste romance publicado pouco depois de ter sido laureado com o Nobel da Literatura em 2017 uma reflexão subtil do papel da arte ao mesmo tempo que nos leva àquela que é a sua herança cultural, pois apesar de Kazuo Ishiguro viver em Londres desde os 5 anos de idade, nasceu em Nagasáqui, no Japão.
A mestria literária deste autor revela-se na sua grande versatilidade, na forma como as suas histórias são sempre tão díspares e surpreendentes.
A intriga decorre entre Outubro de 1948 e Junho de 1950, época em que o Japão recupera da Segunda Grande Guerra e está em franca reconstrução e reorganização, inclusive em termos culturais. Pela voz do mestre pintor Masuji Ono, ficamos assim a conhecer um país em busca de uma nova identidade e fôlego, ao mesmo tempo que apesar de o pintor já estar a gozar a sua reforma acompanhamos a memória desse período conturbado que coincide com a formação do então jovem pintor. Contudo, e num lento descerrar da intriga, apesar do prestígio e mérito entretanto alcançado, perceberemos como o passado parece ensombrar o presente do pintor, ao mesmo tempo que a sombra desse passado ameaça a tranquilidade do futuro do casamento da sua filha.
Tudo porque Masuji Ono decidiu em tempos, correndo o risco de ver as suas obras “confiscadas” e ser expulso da alçada do sensei que o acolhia e orientava, deixar de contemplar na sua pintura o «mundo flutuante» e focar-se na realidade social de um país onde se começava a pressentir pobreza e indigência. O mundo flutuante é afinal a arte de captar sem culpa o prazer nocturno de casas de gueixas em ambiente de festa.
É um belíssimo romance em que se respira toda a calma e delicadeza oriental, onde os diálogos são magistralmente bem-conseguidos pela sua subtileza e elegância, cujo objectivo é sempre lisonjear e elogiar e nunca atacar ou criticar, onde a crítica é sempre velada e nunca se aborda um assunto directamente, especialmente se estão em curso negociações de casamento…