John Williams, tendo vivido entre 1922 e 1994, foi professor de língua inglesa e de escrita criativa durante 30 anos na Universidade de Denver. Escreveu 4 romances, dois deles já publicados pela Dom Quixote e apresentados aqui (Stoner e Butcher’s Crossing), e Nothing But the Night (1948), o seu romance de estreia, ainda por traduzir. Augustus foi o seu último romance (sem contar com o seu quinto trabalho que ficou inacabado) e o único que lhe trouxe notoriedade em vida: vencedor do National Book Award; considerado a sua obra-prima; possivelmente o melhor romance histórico escrito por um autor norte-americano. Enquanto que em Stoner e Butcher’s Crossing, John Williams escreve sobre realidades mais próximas – não será por acaso que ambos os protagonistas destes romances têm William no nome –, o autor muda aqui completamente a trajectória da sua temática e debruça-se sobre o primeiro imperador de Roma e que deu origem a uma era augusta e à Pax Romana.
Ano de 44 a.C., nos idos de Março. Uma tarde de sol brilhante, quente. Um emissário de Roma traz a notícia do assassinato de Júlio César. Este dia fatídico, em que Octávio, o sobrinho frágil e enfermiço de César, abandona em definitivo a sua juventude e inocência aos 19 anos, é narrado no diário de um seu amigo.
A história do império de Augustus é contada em fragmentos, de modo polifónico, como quem junta dezenas de tesselas, as pequenas peças cúbicas que formam um mosaico. Entretecendo cartas, biografias, memórias, apontamentos de diários, ou até éditos de personagens como Marco António, Cleópatra, Cícero ou Estrabão, e onde se evocam ainda outros como Virgílio, Ovídio e Horácio, o herdeiro contestado de César é sempre perspectivado pelos outros, os seus poucos amigos e os muitos inimigos: «Peço-vos que fiqueis ciente de que compreendo a dificuldade da vossa tarefa no governo desta extraordinária nação que amo e odeio, e deste extraordinário Império que me horroriza e me enche de orgulho. Sei, melhor do que a maioria, até que ponto trocastes a vossa felicidade pela sobrevivência do nosso país; e sei do desprezo que tendes pelo poder que vos foi imposto – só alguém com desprezo pelo poder poderia tê-lo usado tão bem.» (p. 242)
O romance dá conta da ascensão de Octávio a Primeiro Homem de Roma e da sua transformação em Augustus, o mais formidável imperador de Roma, com a sua fria eficácia e que tentou mesmo legislar contra as paixões do coração humano por serem perturbadoras da ordem (p. 243). Com a mesma surpresa crescente com que os seus inimigos o conheceram (e dão por eles a admirá-lo e a respeitá-lo), o leitor assiste à criação do mito, conforme constata igualmente que até um imperador pode ser um mero peão face aos caprichos do devir histórico. E ao mito segue-se, a caminho do fim, o retirar da máscara, conforme o imperador se torna novamente homem, quando nas últimas (quase) 40 páginas ganha a sua própria voz.
Um dos aspectos mais curiosos do romance, onde predominarão gradualmente excertos do seu diário, escrito em 4 d.C., consiste no destaque conferido a Júlia, filha do Imperador Octávio César que, ao contrário do pai, parece inebriar-se com o poder que Roma lhe atribui, quando aos 27 anos, grávida do quinto filho, duas vezes viúva, se auto-intitula de deusa e segunda mulher de Roma.