A Europa ao Espelho de Portugal – Ideia(s) de Europa na cultura portuguesa, publicado no início deste ano pela Temas e Debates, é uma pertinente análise do historiador José Eduardo Franco, especialista em mitos na cultura portuguesa, em que se percorre a história de Portugal, em particular após a expansão do território português além-mar, de modo a perceber como se sentiu Portugal face à Europa ao longo dos séculos.
Num conjunto de 9 textos (o décimo texto, «Fecho aberto», constitui a conclusão), que podem ser lidos autonomamente, o historiador e mitólogo começa por considerar como é que Portugal se percepciona face ao continente que nele desemboca, ou seja, até que ponto, numa nação que se começa a perceber como território singular, ser-se português se distinguia de ser-se europeu, isto é, um cidadão do Velho Mundo ou da Cristandade. A palavra «Europa» parece aliás substituir, no crepúsculo da Idade Média e no alvorecer da Idade Moderna com o Humanismo e o Renascimento, a de Cristandade. O termo Europa ganha assim diversas conotações, como conceito geográfico, cultural ou civilizacional, político, religioso e até mesmo económico. Com os Descobrimentos, sendo Portugal o grande timoneiro deste processo, a Europa afirma-se progressivamente como «uma unidade de um bloco significativo» (p. 44) em contraste com o Outro civilizacional. O olhar sobre o Outro, cristalizado pela pena de portugueses como Fernão Mendes Pinto, neste «período de universalização da presença portuguesa no mundo» em que Portugal «dá à Europa uma nova perspectiva de reunificação e reidentificação pela via antropológica do confronto com o Outro» (p. 62-63), ao mesmo tempo que emerge o eurocentrismo.
Os vários textos sucedem-se numa perspectiva cronológica, em que se analisa o pensamento de diversos portugueses que se abriram ao mundo e se debruçaram para fora de Portugal, o que lhes permitia uma leitura contrastiva da portugalidade face à Europa ou mesmo para além dela. Percorrendo a obra e o pensamento de figuras históricas, como Padre António Vieira, Marquês de Pombal, padre Manuel Antunes e Eduardo Lourenço, que contribuíram para que se entendesse a Europa menos como mito e mais como facto, esta leitura urge justamente num momento de crise e, portanto, de debate aceso, em que os nacionalismos parecem sobrepor-se à noção da Europa como terra prometida, até porque a consciência de pertença a uma Europa una deverá ser um trabalho de transformação e formação de mentalidade, um trabalho da ordem do mito e, como tudo o que implica transformar mentalidades, demora séculos» (p. 266).