Consideremos o caso de Frederico (nome fictício), professor da disciplina X, a qual tem uma carga letiva de três tempos semanais de 45 minutos (total semanal: 135 minutos). No presente ano letivo, período compreendido entre o dia 1 de setembro de 2020 e o dia 31 de agosto do ano 2022, trabalha com 200 alunos, distribuídos por oito turmas, com as quais desenvolve atividades escolares, no mínimo durante 180 dias úteis, ou seja, durante 36 semanas. Considerando esse número (36), no máximo terá 108 aulas (4860 minutos ou 81 horas), com cada turma. Dificilmente esse número será atingido, pois a existência de dias feriados durante o ano letivo impede tal registo. Durante essas 108 aulas, Frederico terá como principal função garantir que a totalidade dos alunos adquiram conhecimentos, desenvolvam capacidades e atitudes, as quais contribuirão para alcançar as competências previstas no Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória.
Para desempenhar a sua função, Frederico terá de saber o que se espera que os alunos aprendam na disciplina X. Para facilitar, uniformizar e orientar essa tarefa, o Ministério da Educação definiu, para cada disciplina, as aprendizagens essenciais. Essas aprendizagens não são mais do que um grupo comum de conhecimentos a adquirir, identificados como os conteúdos de conhecimento disciplinar, indispensáveis, articulados conceptualmente, relevantes e significativos, bem como de capacidades e atitudes a desenvolver obrigatoriamente por todos os alunos.
Com um pouco de paciência, se contarmos o número de aprendizagens essenciais, por exemplo da disciplina X, para o ano Y de escolaridade, verificamos que o mesmo é superior a duzentos (200!). Embora seja ligeiramente superior, para facilitar raciocínios, tomemos como número para reflexão o 200 – duzentas aprendizagens essenciais. Poderíamos acrescentar que as aprendizagens essenciais são um denominador curricular comum. Porém, não esgotam o que um aluno deverá fazer ao longo do ano letivo.
Para promover tal propósito, Frederico, tendo em consideração a heterogeneidade típica de alunos da escola pública, irá, numa abordagem multinível, adotar diferentes níveis de intervenção, nomeadamente através de medidas universais, seletivas e adicionais, as quais se deverão revelar ajustadas à aprendizagem e inclusão de todos os alunos. Relembre-se que Frederico terá apenas 81 horas para o fazer, em cada turma. Mas a sua tarefa não passa unicamente por ensinar. Complementarmente, Frederico terá de avaliar a intencionalidade e o impacto das medidas adotadas, por forma a regular ou redirecionar o processo de ensino e aprendizagem e a fornecer ao aluno, e respetivo encarregado de educação, informação sobre o desenvolvimento das aprendizagens realizadas.
Posto isto, facilmente percebemos que Frederico terá pela frente, enquanto professor, entre muitas outras, duas grandes tarefas para desenvolver durante as 81 horas que vai passar com cada turma: ensinar e avaliar.
É consensual que a promoção de um ensino de qualidade implica fomentar aprendizagens efetivas e significativas, com conhecimentos consolidados, que são mobilizados em situações concretas, favorecendo o desenvolvimento de competências de nível elevado. Para isso é necessário tempo… Confrontado com esta premissa, Frederico, como seria de esperar, irá dedicar a maior parte do tempo à vertente ensinar. Como esta reflexão está ancorada em números, aceitamos como razoável que Frederico destine pelo menos 2/3 das 81 horas para ensinar e o restante 1/3 para avaliar. Esta divisão dependerá sempre de inúmeros fatores, pelo que deve apenas servir como uma referência. Aceitando essa divisão – a qual, reforçamos, nunca deve ser vista como uma operação exata – temos pelo menos 54 horas para ensinar e 27 horas para avaliar, em média, 25 alunos por turma. Ah! Isto num quadro perfeito, no qual os alunos não têm comportamentos de indisciplina (alguns estudos referem que 20% do tempo de aula é perdido devido a esse problema).
Chegando até aqui e fazendo algumas contas com os números que fomos referindo atrás, percebe-se que, em números redondos, Frederico irá destinar pouco mais de uma hora para avaliar cada aluno em contexto de espaço de aula, durante o ano letivo. Sim! O número está certo: pouco mais de uma hora, num ano letivo, por aluno.
Como se processa essa avaliação? A utilização de rubricas no processo de ensino-aprendizagem como instrumento de avaliação está a ser o tema forte, na atualidade educativa. Porém, de atual nada tem. Já no século passado era de uso habitual noutros países. Estaremos, uma vez mais, a “importar” fora de validade? De um modo muito simplista, as rubricas podem ser encaradas como um instrumento para quantificar/classificar respostas de qualidade. As rubricas de avaliação ganham espaço no processo educativo, pelo facto de tornarem possível padronizar a avaliação, levando a que esse processo seja mais preciso e confiável e permitirem que os alunos entendam melhor o seu nível de sucesso, isto é, percebam o que lhes falta (no caso de faltar algo) para realizar determinada aprendizagem. O busílis do problema surge quando o Frederico tem de materializar as rubricas. Para cada aprendizagem a avaliar será construída uma rúbrica. Essa rubrica, geralmente, terá quatro indicadores ou descritores de níveis de desempenho.
Quando está a avaliar por rubricas, Frederico vai ter de identificar com precisão em que nível de desempenho se situa cada aluno, naquela aprendizagem. Ora, se temos 200 aprendizagens, Frederico irá ter 800 possibilidades de nível de desempenho (200×4) para as avaliar e não nos esqueçamos que avaliar implica partilhar informação com o aluno… Parece-lhe possível que Frederico consiga fazer isso em pouco mais de uma hora? Estamos convencidos de que não precisará ser professor para responder a esta questão.
Ah! Mas o mais difícil ainda está para vir… Aquilo que referimos foi para um aluno. Como vimos inicialmente, Frederico tem 200 alunos. Só por curiosidade, multiplique 800 possibilidades de nível de desempenho por 200 alunos. Qual o número que obteve? Um surpreendente 160 000 (cento e sessenta mil). Acha possível que, no desempenho da sua função, Frederico consiga manipular com rigor 160 000 entradas/registos de desempenho? Sabemos que Frederico, como muitos, é um excelente professor, mas estamos em crer que essa excelência não será suficiente para superar com rigor tal hercúlea tarefa.
Não temos dúvidas de que as rubricas de avaliação são um excelente instrumento. Todavia, talvez não seja este o momento mais oportuno para considerar as mesmas como a “purificação da avaliação dos alunos”. Continua-se a intoxicar o ensino, muitas vezes, com soluções que não foram testadas previamente, na nossa realidade. Não se sabe bem porquê… Ou talvez se saiba?