Muito recentemente (dezembro de 2019) foi notícia que uma banana, colada à parede com fita-cola, com o título “Comedian” (“Comediante”), do artista italiano Maurizio Cattelan, foi vendida na 18ª edição da Feira de Arte de Miami (“Art Basel Miami Beach”) por 120 mil dólares (cerca de 108,5 mil euros), a um colecionador privado de Paris.
Esta notícia foi ainda mais impulsionada pelo facto de o artista performativo nova-iorquino David Datuna a ter comido quando ela se encontrava em exposição no espaço da Galeria Emmanuel Perrotin nessa Feira de Miami. Datuna removeu a fita adesiva que colava a banana à parede da galeria e comeu-a em frente de dezenas de visitantes. Tratou-se duma performance deste artista, filmada e colocada na sua conta no Instagram, tendo sido intitulada pelo próprio como “Artista com fome”. A “fome” de Datuna parece ter sido sobretudo de protagonismo com esta situação, o que realmente conseguiu.
Era suposto ter sido preso, mas tal não aconteceu. Isto porque, segundo o diretor da Galeria Perrotin, “ele não destruiu a obra de arte”, pois aquilo que vale 120 mil dólares não é a banana e a fita adesiva, que é apenas a execução da ideia, mas sim a ideia, atestada pelo Certificado de Autenticidade, em que é indicado que os donos da obra são informados que podem substituir a banana, caso seja necessário.
Ainda de acordo com a galeria, há três exemplares da obra. Assim, a mesma peça de arte, com bananas diferentes, foi comprada por três colecionadores diferentes e uma das bananas, que não acabou ingerida por visitantes, até custou mais: 150 mil dólares (cerca de 135 mil euros).
Segundo um comunicado anterior da galeria, antes do anúncio da primeira venda, o artista teve a ideia de fazer uma escultura com uma banana, pois esta é um símbolo do comércio global. Embora tenha começado por fazer vários modelos, incluindo um de bronze, acabou por optar por uma banana “original”, comprada num supermercado local, cuja duração é limitada no tempo, o que acentuaria a ideia de consumismo.
Consumismo e extravagância é também o que parece estar na origem da compra desta obra de arte.
Mas o valor atingido por esta obra de arte tem também muito a ver com o histórico, o percurso do artista, a persistência e a consistência do seu trabalho, a sua identidade, que pode permitir inferir a dimensão artística do mesmo.
A obra “A fonte”, de Duchamp, em 1917, feita a partir dum urinol, é um exemplo da importância da dimensão histórica, pois foi um trabalho inserido numa originalidade e identidade que, de forma persistente, Duchamp desenvolveu, entrando para a história das artes visuais como o percursor da arte concetual, fazendo com que a ideia possa ser mais importante do que o produto final, ou melhor, o valor da obra de arte dependa da ideia subjacente.
No caso de Maurizio Cattelan, embora não tendo frequentado qualquer escola de arte, tem já um histórico de irreverência criativa que lhe permitiu alcançar notoriedade no mundo das artes visuais.
Desde logo, em 1999, com a obra “A nona hora”, uma instalação que integrava uma estátua hiper-realista em cera do papa João Paulo II atingido por um meteorito vindo do céu que teria partido os vidros do teto, encontrando-se espalhados no chão. Assim, o representante de Cristo na Terra era vítima da principal lei que rege o universo, a Lei da Gravidade.
Também em 2016, uma outra obra de Maurizio Cattelan, uma estátua de Hitler, intitulada “Ele”, criada em 2001, foi arrematada por 17,2 milhões de dólares (cerca de 15 milhões de euros) num leilão da Christie’s, em Nova Iorque. Nesta obra, Hitler surge representado do tamanho de uma criança, de joelhos, com as mãos entrelaçadas, dando a ideia de que se encontra a rezar.
No mesmo ano, em 2016, Catellan substituiu uma sanita do Museu Guggenheim, em Nova Iorque, com uma réplica feita com 18 quilates de ouro, avaliada em 1 milhão de euros, intitulada “América”.
Esta obra ganhou fama em 2018, quando o presidente Donald Trump solicitou ao Museu a pintura “Paisagem com Neve”, de VanGogh, para decorrar a Casa Branca, mas em resposta Nancy Spector, a diretora do Museu, lhe negou o pedido, tendo oferecido, em sua substituição, a sanita produzida por Maurizio Cattelan.
Esta obra foi depois colocada na casa onde o antigo primeiro-ministro britânico Winston Churchill nasceu, o palácio de Blenheim em Oxfordshire, tendo sido entretanto roubada, não tendo sido ainda recuperada.
Assim, não há arte certa ou errada e não há uma maneira certa ou errada de comprar ou colecionar arte. Qualquer um pode colecionar tudo o que quiser, pela quantia que estiver disposto a gastar, desde que a tenha.
Paradoxalmente, a posse de obras de arte não se alinha na tendência duma sociedade cada vez mais desprendida da posse de bens e mais focada no consumo imediatista e funcional dos objetos.
Talvez por isso mesmo, os próprios objetos adquiridos também tenham por vezes uma duração muito limitada no tempo.
As obras de arte expressam a época em que são produzidas e, atualmente, a sociedade imediatista e consumista em que vivemos permite enquadrar o valor que estes produtos e performances artísticas conseguem atingir.
O mundo das artes visuais é complexo e leva-nos muitas vezes a perguntar “como é que isto é possível?”. E a possível resposta pode ser a seguinte: “É arte e em arte tudo parece ser possível!”
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de janeiro)