As eleições autárquicas são, oficialmente, uma celebração da democracia. Mas, oficiosamente — e com muito mais entusiasmo — são uma ode à juventude eterna. Não à juventude estatística, que o INE teima em contrariar, mas à juventude estética, digital, milagrosa. Em tempo de campanha, Portugal não envelhece: rejuvenesce. E fá-lo com tal convicção que os outdoors se tornam vitrines de um país que descobriu o Photoshop antes da reforma.
Percorrer as ruas em época autárquica é como visitar uma exposição de arte contemporânea, onde cada candidato surge com pele de porcelana, sorriso de influencer e olhar de quem nunca conheceu uma noite mal dormida. Rugas? Abolidas por decreto. Olheiras? Substituídas por promessas. Cravos? Só os de Abril, quando ainda possam surgir.

Jurista
As autárquicas são, pois, uma festa muito especial. Não só pelas promessas feitas, ainda que depois não concretizadas, mas, também, pela cosmética, pela iconografia. E, acima de tudo, pela capacidade de nos fazer acreditar que, num país onde a reforma se adia e a juventude se eterniza, o futuro está garantido — pelo menos até ao próximo retoque
Há candidatos que, entre mandatos, parecem ter feito um estágio em clínicas de estética. Outros, mais audazes, desafiam as leis da genética: surgem tão jovens que se torna difícil distinguir entre avós e netos. A democracia, afinal, não discrimina pela idade — desde que esta seja convenientemente retocada. E se o eleitor não reconhece o candidato, não faz mal: o candidato reconhecerá o eleitor. Com um sorriso largo, paternal, quase natalício, prometendo mundos, fundos e passadiços.
Sim, passadiços, porque estes são o novo símbolo do progresso. As rotundas, outrora em voga, caíram em desuso — talvez por excesso de circularidade ideológica.
As autárquicas são, pois, uma festa muito especial. Não só pelas promessas feitas, ainda que depois não concretizadas, mas, também, pela cosmética, pela iconografia. E, acima de tudo, pela capacidade de nos fazer acreditar que, num país onde a reforma se adia e a juventude se eterniza, o futuro está garantido — pelo menos até ao próximo retoque.
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