Que «admirável» mundo novo este em que hoje vivemos ou, se, assim, se entender, que não levaremos a mal, um simples exercício de pessimismo exagerado:
Depois da queda dum muro de Berlim, em que um Fukuyama nele viu o fim da História e profetizou «liberais jardins» florescendo por todo o planeta, eis que se assiste, isso sim, ao florescimento de muros por todo o lado, seja numa fronteira dos EUA com o México, numa de Ceuta com Marrocos, passando pelos que separam israelitas de palestinianos até àqueles, inclusive, que separam ricos de pobres em condomínios privados de luxo.
Passámos todos a ser potenciais terroristas ou marginais de diversos calibres, vigiados através de câmaras espalhadas por tudo quanto é sítio, desnudados em aeroportos, sujeitos a extensos questionários para podermos, simplesmente, alugar um carro ou montarmos tenda num parque de campismo, como já começou a acontecer aqui na vizinha Espanha.
O contrato celebrado com base no simples apertar de não, na palavra dada, exige agora assinaturas com reconhecimento notarial
Deixámos de ser reconhecidos pelo nome, para passarmos a sê-lo por um simples número (liga-se para o call center de um serviço de que se é cliente a pedir um esclarecimento ou apresentando uma queixa e logo quem nos atende pede para nos identificarmos, não pelo nome, mas pelo número de contribuinte). Ou seja, fomos desumanizados.
Vive-se, como já aqui o escrevemos, solitariamente em «frações» de «regimes de propriedade horizontal», sem que que os respetivos condóminos, sequer, se conheçam uns aos outros, quanto mais estabelecendo qualquer laço de solidariedade entre si permitindo, no caso de um adoecer, haver outro que lhe leve uma simples canja de galinha à cabeceira. Procura-se mitigar a solidão, desta forma vivida, com recurso à companhia de um gato ou de um cão.
As relações, no domínio social e, até, familiar, deixaram de assentar em laços afetivos, de sã amizade, camaradagem e companheirismo, parar se traduzirem em interesseiros dividendos que delas se possam extrair.
Os outrora respeitados anciãos, símbolos de saber extraído das experiências de vida tidas, elos unificadores de famílias, passaram a velhos descartáveis, «ativos tóxicos» que se chutam para, não raro, eufemisticamente designados «Lares de 3ª. Idade» (crê-se que no nosso país, os ditos serão às centenas, senão milhares, operando à margem da lei).
O contrato celebrado com base no simples apertar de não, na palavra dada, exige agora assinaturas com reconhecimento notarial.
Sociedades conjugais constituídas num dia com promessas de amor eterno, logo se desfazem no dia seguinte ao mais pequeno contratempo surgido, com filhos, entretanto, gerados, a saltarem entre casa de mãe e padrasto e de pai e madrasta.
Os julgamentos deixaram de ser feitos nos tribunais, para passarem a ser feitos na praça pública.
O salutar divertimento deu lugar à estupidificação e alienação nos mais diversos programa televisivos
Ainda nas televisões, em particular, não se entrevista, promove-se ou ataca-se o entrevistado, consoante se simpatiza com ele ou não.
A grande imprensa, em vez de informação independente e espaço de confrontação de ideias, revela-se panfletária, propagandística de agendas diversas, cultivadora do pensamento único.
As regras que se pretendem reguladoras do mundo, são regras elásticas, que encolhem e estendem, consoante os interesses que estiverem em jogo.
Eleições de políticos «amigos» são legítimas, as dos que não são de fraudulentas não passam.
Condenáveis «terroristas» num dia passam no dia seguinte a respeitáveis «rebeldes».
No domínio da política, em especial a partidária, em vez de ética no confronto de ideias, da transparência de processos e honradez de princípios, assiste-se nela a um crescendo de «espetáculos mediáticos» protagonizados por «ilusionistas», «contorcionistas» e «palhaços» vários, prometendo, na conquista do poder pelo poder, aquilo que, depois, nunca cumprirão, defendendo hoje uma coisa e amanhã o seu contrário e nela se assistindo a sucessivos fenómenos de corrupção, como se o cidadão comum, o eleitor não passasse de um simples mentecapto que tudo aceita.
Em jogos geoestratégicos e geoeconómicos, promovem-se golpes de estado e guerras com limpezas étnicas e genocídios pelo meio, vivendo-se já uma verdadeira guerra mundial, híbrida, só faltando um qualquer psicopata com poder nas mãos carregar num botão nuclear e fazer com que todos sejamos varridos para sempre da superfície da Terra ou, no mínimo, levando a que uma quarta guerra, quando voltar ser travada, o seja, apenas, com paus e pedras, como já alertava Einstein
Bem-vindos, pois, a este «admirável» mundo novo!
NOTAS MARGINAIS
1 – O motor económico da Europa, a Alemanha, vem dando sinais de gripado? A França tem uma dívida pública que não deixa de crescer e um governo seu que, apenas, com cerca de 90 dias de vida, acaba de cair? Regista-se toda uma crise no setor automóvel no espaço europeu, com milhares de trabalhadores despedidos e outros em vias disso, como é o caso, por cá, no respeitante a mais de 400 numa fábrica Vampro, que produz componentes para a Autoeuropa?
Solução que nos permitimos sugerir: mais uma quantas sanções à Rússia e compra de mais armamento para alimentar a guerra na Ucrânia, como meio, até, de se travar os bárbaros russos, que, se forem deixados, não hesitarão em procurar aumentar o seu já vasto império de onze furos horários e expandi-lo até Lisboa, papando-nos os pastéis de Belém em saboreio deles com vodca. Se houver, de resto, algumas dúvidas sobre isso, é só perguntar-se, por exemplo, ao nosso génio militar, entre outras coisas mais, Major-General Isidro!
Solução, de resto, que os amigos EUA não deixarão de agradecer, em especial os seus empresários ligados ao comércio de gás liquefeito e ao complexo militar-industrial, sendo que governante europeu que por tal solução não opte será, naturalmente, um traidor «putinista», que a História condenará!
2 – Que nos desculpem os admiradores de Mário Soares, mas não será que terão exagerado um bocadinho na «divinização» do mesmo, a propósito do centenário do seu nascimento? É que até parecia que se estava na Coreia do Norte, com tanto culto da personalidade!
3 – «Quase metade dos professores colocados no concurso extraordinário nas escolas carenciadas do sul do país não tem habilitação para dar aulas. A situação afeta disciplinas como Matemática, Português, História ou Geografia» – SIC Notícias
Qualidade de ensino, pois, garantida, nem que seja à «martelada»!
4 – «É condição necessária e imprescindível (à melhoria da jurisdição) que o regime de recrutamento e formação de juízes e a configuração da carreira permitam selecionar profissionais com perfil adequado e elevadas qualificações em vez de potenciar que este processo se transforme num regime de ‘novas oportunidades’ para quem não singra em outras carreiras jurídicas”. – Conselheiro Jorge Aragão Seia, Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, no discurso de encerramento da cerimónia comemorativa dos 20 anos do Tribunal Central Administrativo do Sul.
Basta olhar para a «riqueza» de certas decisões judiciais, para perceber quanta razão tem o juiz conselheiro!
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