O crescente número de portugueses sem médico de família atribuído é uma realidade alarmante que afeta diretamente o acesso aos cuidados de saúde. Nos últimos cinco anos, mais de um milhão de pessoas ficaram sem o seu médico de família, sendo que, em agosto de 2024, o número de utentes sem este acesso ultrapassava 1,6 milhões. No Algarve, onde o turismo massivo e o envelhecimento da população já pressionam o sistema de saúde, a falta de médicos de família torna-se ainda mais crítica, com efeitos severos na qualidade de vida dos residentes.
O papel do médico de família é vital. Este profissional garante o acompanhamento continuado de saúde, a prevenção de doenças e a gestão eficaz de condições crónicas, sendo o primeiro ponto de contacto para a maioria dos utentes. No Algarve, uma região onde muitas localidades sofrem de isolamento geográfico, a ausência de médicos de família agrava ainda mais as dificuldades no acesso a cuidados primários, levando ao aumento da procura nos serviços de urgência, que já se encontram sobrecarregados.
O futuro da saúde no Algarve depende das decisões que forem tomadas hoje – e o tempo está a esgotar-se
O Governo tem tentado implementar soluções para este problema, com medidas como a criação de Unidades de Saúde Familiar modelo C, em que o setor privado e social assumem a gestão de algumas unidades de saúde. No entanto, a realidade é que o Algarve, a par de Lisboa e Leiria, continua a ser uma das regiões mais afetadas pela carência de médicos de família, e as respostas do Governo têm sido demasiado lentas para combater uma crise que cresce a cada dia.
Uma das principais razões para esta escassez é a aposentação de muitos médicos e a falta de reposição adequada de novos profissionais. O Algarve, em particular, sofre com o facto de muitos médicos recém-formados preferirem locais com melhores condições de trabalho e vida, afastando-se das regiões periféricas. Além disso, o aumento das saídas de médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para o setor privado ou para o estrangeiro contribui para uma situação que está longe de ser resolvida a curto prazo.
Apesar das vagas abertas recentemente pelo Governo para atrair novos profissionais, o processo de contratação tem sido moroso e os concursos continuam a ser alvo de atrasos inexplicáveis. A Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar alertou para o facto de que o número de médicos necessários para suprir a carência atual pode variar entre 700 e 1.200 profissionais, um número difícil de alcançar, dadas as limitações atuais. E enquanto o Governo faz planos para o futuro, os cidadãos do Algarve continuam a enfrentar longas esperas por consultas e serviços básicos de saúde.
A situação no Algarve exige uma resposta imediata e eficaz. A região, que acolhe anualmente milhões de turistas, precisa de um sistema de saúde robusto e bem preparado, não apenas para servir os visitantes, mas principalmente para garantir cuidados contínuos e de qualidade à sua população residente. As consequências de uma região sem médicos de família são graves: o aumento de doenças não diagnosticadas, a falta de acompanhamento de condições crónicas e uma sobrecarga insustentável dos hospitais.
Neste momento, é crucial que o Algarve esteja no centro das prioridades nacionais de saúde. A atração de novos médicos para a região deve ser acompanhada por incentivos reais, como melhores condições de trabalho, habitação e estabilidade contratual. A transição para um modelo de cuidados de saúde que inclua mais comunidades locais e privadas é bem-vinda, mas não pode ser a única solução. O SNS deve ser reforçado e modernizado, garantindo que todos os cidadãos, independentemente da sua localização, tenham o direito a cuidados de saúde contínuos e de qualidade.
A falta de médicos de família no Algarve é mais do que um problema de números; é uma questão de justiça social e de dignidade humana. Não podemos continuar a assistir à degradação dos cuidados de saúde na região sem exigir uma ação urgente e concreta. O futuro da saúde no Algarve depende das decisões que forem tomadas hoje – e o tempo está a esgotar-se.
Leia também: Casa mais cara à venda do país fica em Lagos e só dá para aceder através de icónica ponte romana [vídeo]