Aqui se observou recentemente que vivemos num mundo cada vez mais seguro e tendencialmente mais arriscado, não se trata de uma atoarda, se lançamos cada vez mais no mercado bens de consumo e serviços, se estes, antes de chegarem ao mercado, requerem investigação, controlo, análise dos riscos, é inevitável que suscitem uma disseminação de situações que nos levem a falar numa sociedade de risco. Pense-se na maquinaria da segurança e conclua-se facilmente que ela possuiu um preço avassalador, incomensurável, não se possui um estudo que identifique o que se despende desde a prevenção dos riscos naturais, a segurança paramilitarizada, a infinidade de laboratórios, o controlo pelo policial que procura escrutinar um oceano de crimes. Agora o nosso olhar vai para o papel das empresas e como se procura assegurar o direito do consumidor à saúde e à segurança (são questões gémeas).
A nossa sociedade de consumo desde muito cedo teve que aprender a gerir os riscos decorrentes de ritmos de vida e da proliferação de bens e serviços (é um universo onde cabem sinais orientadores e modificadores, a sincronização das atividades laborais, a cadência das máquinas, recorrendo-se a dispositivos como mecanismos de prevenção de sinistros, auditorias, tratamento de resíduos, fiscalização da circulação nas estradas e autoestradas, não esquecendo que as próprias empresas passaram a adquirir modelos de segurança integrada). Isto para já não falar de problemas novos que passa pela vigilância de populações vulneráveis que vivem em interioridade, uma atração para a burla ou roubo.
Os departamentos de segurança são fundamentais nas empresas, tem a ver com as condições de higiene, saúde e segurança no local de trabalho, condições térmicas e de iluminação, condições médico-sanitárias, parâmetros ergonómicos, esquemas de seguros e resseguros, entre outros. E há as instituições de controlo da qualidade, os projetistas, os instaladores, todos aqueles profissionais que procuram detetar e corrigir vulnerabilidades, sendo obrigados a proceder à análise de múltiplos fatores que vão desde as matérias-primas, passando pela logística até à natureza da informação que se presta no rótulo da embalagem. A empresa interage com o ambiente, com a saúde e segurança social, é uma rede de contactos em permanente alargamento.
O direito à segurança, na perspetiva do consumidor, tem a ver com a proteção eficaz contra produtos, processos de produção e serviços que, quando utlizados em situações normais e previsíveis, não representam qualquer perigo para a sua saúde e segurança. Daí ser indispensável organizar uma literacia que sensibilize o consumidor para saber detetar um bem de consumo deteriorado, avaliar um equipamento que dê sinais de avaria ou um serviço defeituoso. Uma vasta panóplia de instrumentos jurídicos procura assegurar tal direito. Só alguns exemplos. A Comissão Para a Segurança de Serviços e Bens de Consumo (analisa especialmente aqueles que, à falta de regulamentação específica, possam implicar perigo), o sistema português de qualidade, a responsabilidade civil do produtor por danos causados por produtos defeituosos, a legislação de segurança sobre brinquedos, o equipamento elétrico de baixa tensão, a segurança alimentar, a autorização de introdução no mercado de qualquer medicamento. E assim nos vemos todos envolvidos: o legislador, as autoridades competentes, os operadores económicos, a comunidade científica, os consumidores, todos têm um papel na identificação dos requisitos de segurança e no conhecimento da informação que permite aos consumidores um uso adequado de bens e serviços.
A política dos consumidores, é bom não esquecer, ganhou notoriedade devido a casos relevantes de insegurança e até ameaça à saúde pública: basta recordar o caso da Talidomida, de um pó de talco assassino, do óleo de colza tóxico espanhol, mas podemos incluir a questão das vacas loucas, os acidentes nos parques aquáticos, desastres com ascensores e, muitos casos espúrios onde podemos invocar as bombas de carnaval, os ftalatos em brinquedos, certas imitações consideradas como perigosas.
A União Europeia criou há décadas um sistema de alerta rápido incidido sobre produtos não alimentares perigosos (Safety Gate 2021), instituiu um quadro de segurança geral sobre produtos, promoveu um sistema de recenseamento com o objetivo de recolher informações acerca dos acidentes domésticos e de lazer envolvendo produtos de consumo.
Faz falta não se dispor de um quadro mais abrangente de educação do consumidor. Há quem pense que este processo educativo deve valorizar acima de tudo o conhecimento dos direitos, o que é irrealista, não é conhecendo os direitos que se mudam de um pé para a mão as atitudes e comportamentos. Notei sempre que o Ministério da Educação é absolutamente refratário a inserir estas questões temáticas do Pré-Escolar ao Básico e do Básico ao Secundário, não há dificuldade nenhuma em identificar as diferentes áreas curriculares que permitem estas difusões temáticas, incluindo visitas de estudo, atividades de grupo, comemorações de eventos, e até as aspirações do indivíduo no seu quadro de socialização, o que vai desde os hábitos de higiene a saber atuar com precaução em situações de risco, desenvolver hábitos de utilização segura e responsável, como é o caso dos cuidados a ter nas compras online; e agora, mais do que nunca, a informar-se dos riscos que corre o planeta Terra com os modos de produção e consumo insustentáveis.
Lamenta-se esta indiferença do Ministério da Educação, se acaso os governantes mudassem de atitude a cidadania no consumo ganharia outro rosto, desde a segurança alimentar em ambiente escolar, no que é o bom uso da internet, jogos de vídeo, tatuagens e muito mais.
O Ministério da Educação poderia contar com bons parceiros da segurança: a Direção-Geral do Consumidor, as organizações de consumidores, os Centros de Informação Autárquicos ao Consumidor, os Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo, os centros de arbitragem de índole profissional/setorial e, claro está, as entidades reguladoras que prezam a auscultação e a representação dos consumidores. Negligenciar esta cooperação é contribuir para a descaracterização da cidadania no consumo.