Recordar a guerra é uma forma de revive-la no seu contexto com uma percepção diferente dos anos idos da nossa juventude.
Por muito que se diga hoje, às gerações mais novas que não sofreram as agruras daquela realidade, poucos acreditarão na realidade descrita oralmente. Por isso junto quatro fotografias que ilustram a realidade então vivida, que na minha opinião estava ao nível da primeira guerra mundial.
Prestei serviço em vários ‘quartéis’, este foi o último em que estive em agosto/setembro de 1972, Grampará.
As duas primeiras fotos mostram as instalações onde dormíamos, um colchão e rede mosquiteira, na rua a “sala de jantar” e as proteções contra balas e rockets, nas duas seguintes um abrigo e a “sala” onde tomávamos banho com a água do pântano. Claro que não havia roupa de cama nem cortinados, nem mesas, nem portas ou janelas de madeira.
Não foi por acaso que muitos regressaram com muita necessidade de ajuda psiquiátrica. Só se fala dos mortos, esses deixaram saudades, mas os doentes ficaram a sofrer e a dar trabalhos às famílias as quais não tiveram qualquer ajuda oficial.
Hoje, fico triste e revoltado com o abandono a que os ex-combatentes estão votados, bem como atitudes e afirmações de quem sempre viveu à sombra do ar condicionado. Daqui a alguns anos, quando todos os ex-combatentes tiverem morrido, instituem um “dia do combatente em África” e com discursos hipócritas darão louvores em cerimónias públicas para manterem os seus ordenados chorudos.
Há quem entenda que a compensação entre os 75€ e os 150€ anuais é perfeitamente ajustada para quem viveu naquelas condições durante dois anos, para não falar nos combates, nas doenças tropicais e nos elementos da natureza. Segundo relatos de outros camaradas de armas, havia quartéis em que passavam dias sem comer por falta de reabastecimento, lembro-me que em Janeiro de 1971, em Boruntuma, um dia o nosso almoço foi arroz cozido sem sal nem azeite e com as aparas do bacalhau que tinha sido comido na semana anterior, estava uma “maravilha”, não havia mais nada!
Não vou falar aqui das condições em que eu e todos os da minha especialidade, desempenhámos as nossas tarefas. Nem óculos de proteção tínhamos quanto mais os outros meios que deveríamos ter para evitar mortes, o incrível é que eu soube que anos antes, esses meios já existiam na guerra em Angola!
As guerras de hoje, por exemplo Ucrânia, são feitas com alta tecnologia embora a sua essência seja a mesma, matar pessoas para ficar com os seus bens.
Não reivindico benesses, apenas reivindico respeito institucional por todos aqueles que foram obrigados a ir para aquele atoleiro e que deram o melhor que tinham na sua juventude. Saliento que naquele tempo podia-se ser voluntário para o serviço militar com apenas dezasseis anos, estive com muitos seminaristas em Tancos que foram voluntários para conseguirem sair dos seminários, sabe-se lá porquê.
Exorto todos aqueles que por lá passaram a deixarem relatos escritos de tudo aquilo por que passaram para o tempo não apagar a realidade.