O Serviço Nacional de Saúde (SNS) celebra 45 anos este domingo, um marco importante para a saúde pública em Portugal. Criado em 1979, o SNS nasceu com a missão de garantir o acesso universal e gratuito a cuidados de saúde de qualidade, um objetivo nobre que, apesar dos avanços, continua a enfrentar grandes desafios, especialmente em regiões como o Algarve. Neste aniversário, é crucial refletir sobre o que o SNS era, o que se tornou, e, mais importante, o que deve ser no futuro, com um enfoque particular na nossa região.
Após 45 anos, o SNS de hoje é uma das maiores instituições públicas do país, com mais de 150 mil trabalhadores e um orçamento que ultrapassa os 14 mil milhões de euros. No entanto, este crescimento não foi acompanhado por melhorias significativas no acesso e na qualidade dos cuidados, algo que os algarvios conhecem bem. As longas filas de espera, a falta de médicos de família e a carência de especialistas em áreas como obstetrícia e pediatria são problemas recorrentes no Algarve. É frustrante pensar que, em pleno 2024, mais de 1,6 milhões de portugueses continuam sem médico de família, e o Algarve é uma das regiões mais afetadas.
Os próximos 45 anos do SNS precisam de ser marcados por uma verdadeira transformação – e o Algarve deve estar no centro dessa mudança
Recentemente, o governo aprovou novas medidas, como a criação das Unidades de Saúde Familiar modelo C, que visam reduzir as lacunas no atendimento, especialmente em áreas com maior escassez de médicos, como o Algarve. Contudo, estas soluções temporárias não resolvem os problemas estruturais de um sistema que, embora com mais médicos e enfermeiros do que em 2019, ainda não consegue responder à crescente procura por cuidados de saúde.
No Algarve, onde a população se multiplica durante o verão devido ao turismo, os serviços de saúde são frequentemente levados ao limite. De acordo com um recente estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o número de profissionais de saúde aumentou, mas o rácio de enfermeiros por habitante permanece 13% abaixo da média da União Europeia, com 7,4 enfermeiros por 1.000 habitantes. Os mesmos dados indicam que Portugal tinha 5,6 médicos por 1.000 habitantes, superior à maioria dos outros países da UE, mas a OCDE alerta para uma falácia: esses números incluem todos os médicos habilitados, enquanto outros países consideram apenas os médicos em exercício. A situação é ainda mais grave nos centros de saúde e nos hospitais públicos, onde as listas de espera para consultas e cirurgias continuam a crescer. Apenas no ano passado, mais de 265 mil pessoas esperavam por uma cirurgia no SNS, um número que revela o peso de uma procura desmedida que as estruturas públicas não conseguem acompanhar.
Olhando para o Algarve, os desafios são ainda mais profundos. Os hospitais da região, sobrecarregados e com recursos limitados, lutam para prestar cuidados de qualidade aos residentes e aos turistas. Em muitas ocasiões, os doentes são obrigados a recorrer ao setor privado, uma solução que está longe de ser ideal para quem depende do SNS.
A promessa de um novo Hospital Central para o Algarve, tantas vezes repetida, continua a ser um sonho adiado, enquanto as condições nos hospitais existentes pioram. O acesso à saúde mental, uma questão crítica em todo o país, é praticamente inexistente nos centros de saúde da região. Como apontou o neurologista Alexandre Castro Caldas, a falta de resposta adequada para questões como a demência e a saúde mental é uma das falhas mais gritantes do sistema.
Chegou o momento de repensar o SNS. A região algarvia, com sua importância estratégica para o turismo e sua crescente população, não pode continuar a ser negligenciada. O sistema de saúde precisa de uma reestruturação profunda, que passe por investimentos sérios em infraestruturas, aumento real do número de profissionais e, acima de tudo, um planeamento que responda às necessidades da população local.
Se o SNS quer cumprir a promessa de saúde para todos, é necessário agir agora. O Algarve merece um SNS que esteja à altura dos desafios de uma região em crescimento, onde os residentes possam ter acesso a cuidados de saúde de qualidade, sem depender de soluções temporárias ou recorrer ao setor privado. Os próximos 45 anos do SNS precisam de ser marcados por uma verdadeira transformação – e o Algarve deve estar no centro dessa mudança.
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