O governo de missão e a governança multinível europeia
Não vamos discutir agora a ideia de Federação de Estados, vamos, antes, utilizar a disposição do tratado de Lisboa (artigo 42º) que nos fala de cooperações estruturadas permanentes (CEP) e usar este conceito aplicado na área da política comum de segurança e defesa para dele fazer uma interpretação extensiva e, assim, justificar a criação de estruturas de missão de um governo de missão. Eis alguns exemplos a partir das orientações e propostas da Comissão Europeia:
Em primeiro lugar, um governo de missão para o pacto ecológico, a neutralidade carbónica, a nova matriz energética e o sistema operativo de interoperabilidade elétrica europeia, mas, também, no âmbito do pacto ecológico, os sistemas agroalimentares, os solos, a biodiversidade e as florestas.
Em segundo lugar, um governo de missão para a transição digital e a inteligência artificial (DIA) onde se inclui a discussão sobre a viabilidade da construção de uma Sillicon Valley europeia, quais os campeões europeus nesta área das TIC e, ainda, a estratégia para a rede 5G que inclui uma abordagem europeia para as matérias raras e as matérias-primas críticas.
Em terceiro lugar, um governo de missão para as indústrias de defesa e segurança e, no quadro de uma política de reindustrialização europeia, buscar a melhor associação com as missões anteriores ou, se quisermos, a melhor ESG europeia para esta missão.
Em quarto lugar, um governo de missão para os oceanos, as ciências do mar e a economia azul. Trata-se de uma missão urgente e decisiva para prevenir uma grande tragédia dos comuns. Os oceanos são um bem comum global, uma fronteira da nossa civilização e humanidade e a base para uma nova economia global.
Em quinto lugar, um governo de missão para o pacto das migrações e a gestão da fronteira exterior da União Europeia, mas, também, uma via aberta para a nova política de cooperação e vizinhança, não apenas para a margem sul do mediterrâneo, mas, também, para o Grande Médio Oriente.
Em sexto lugar, um governo de missão para a Europa das cidades e regiões, onde existe um grande potencial de cooperação e colaboração inter-regional e transnacional que pode abrir novas vias para aplicar, de forma mais efetiva,o princípio da coesão económica, social e territorial.
Uma última palavra, nesta sequência de estruturas de missão, para a governança europeia neste novo contexto. O conservadorismo político-institucional da administração europeia – normativismo excessivo, abuso de atividade regulatória, lobbying intensivo – converte a imensa constelação europeia de interesses num jogo de representação algo furtivo que, com maior ou menor dificuldade, vai acomodando os afloramentos comunitários mais críticos sem, todavia, apontar uma linha de rumo que os encaminhe na boa direção. Ora, uma vez acordados os pactos e as missões fundamentais relativos aos comuns europeus no horizonte 2030, a União Europeia deverá estar em condições de separar o que são estruturas ou governos de missão de uma Agenda dos Comuns (como aqueles que foram apontados) de uma administração europeia mais procedimental, reativa e contingencial, mais associada às rotinas e ao processo da política europeia mais convencional e geralmente prisioneira do labirinto comunitário, da casuística nacional e do lobbying institucionalizado.
Feita esta distinção inicial, que é essencial, a governança dos comuns 2030 deverá incidir em lógicas de ação coletiva colaborativa tendo em vista obter resultados até 2030, por exemplo: em todos os casos, e como regra de princípio geral, uma governança dos comuns que seja capaz de equilibrar a subsidiariedade ascendente e a subsidiariedade descendente (1), para cada missão uma rede própria de informação e comunicação e a plataforma respetiva de colaboração (2), uma governança digital e cibernética do ciberespaço europeu que proteja os valores e os interesses europeus fundamentais (3), uma governança europeia de cobertura multirrisco e a sua mutualização em casos extremos (4), a recriação das cadeias de valor da reindustrialização europeia através de plataformas colaborativas de parcerias, consórcios, clusters e distritos industriais (5), a reinvenção dos agrupamentos europeus de cooperação territorial, em especial os transfronteiriços e transnacionais (6), uma governança que promova a interoperabilidade entre setores e territórios, usando os conceitos operacionais das agendas mobilizadoras, os consórcios empresariais e as parcerias público-privadas (7).
Nota Final
Na atual conjuntura internacional, da mesma forma que a política europeia tem primado sobre a política doméstica, para efeitos de regulação interna, também a política externa do mundo multipolar prevalecerá, cada vez mais, sobre a política europeia. Esta é a razão pela qual a política externa, em todas as suas dimensões, se deverá constituir como um dos principais núcleos de política pública da futura União Europeia. Esta missão complexa e fundamental tem, obviamente, um forte impacto na estrutura e nas opções orçamentais e pode pôr em causa a política europeia no seu conjunto. Seja como for, a União Europeia deve, a todo o custo, evitar pôr em causa a sua reputação cosmopolita por causa de um processo interno sensível, mas mal conduzido, em redor do projeto político de uma futura união política europeia.
O Conselho Europeu esteve reunido em Bruxelas (dia 20 e 21 de março) para debater esta agenda europeia. Este é o meu pequeno contributo.
Leia também: União Europeia, agenda e governança para 2030 – 1.ª parte | Por António Covas