“Os meus valores são franceses, as minhas emoções portuguesas, a minha vida quebequense e o tudo é meu país”.
Em 1996 , fui convidada a escrever um pequeno texto para um jornal luso-francês chamado “Encontro das Comunidades portuguesas” para dar o meu testemunho de (na altura) jovem francesa luso-descente a estudar no Canadá. Esse texto começava e acabava da seguinte forma:
Certains disent que “notre pays” represente nos origines, notre lien avec la vie. D’autres s’exclameront que “notre pays” est celui des tendres années, des souvenirs dorés, des temps de l’insouciance. Quand à Fernando Pessoa , “son pays” était Lisbonne la Blanche: paradis de son enfance. Et moi quel est “mon pays”? Lorsque je voyage et que l’on me demande d’où je viens, que dois-je répondre? … Et lorsque l’on me demande d’où je viens je continue à dire: “Mes valeurs sont françaises, mes émotions portugaises, ma vie québécoise et le tout est mon pays”.
Tradução: Alguns dizem que “nosso país” representa as nossas origens, a nossa conexão com a vida. Outros exclamarão que o “nosso país” é o dos anos tenros, das memórias douradas, dos tempos despreocupados. Quanto a Fernando Pessoa, “o seu país” era Lisboa a Branca: paraíso da sua infância. E para mim qual é “meu país”? Quando viajo e as pessoas me perguntam de onde venho, o que devo responder?” … E quando me perguntam de onde venho, continuo a dizer: “Os meus valores são franceses, as minhas emoções portuguesas, a minha vida quebequense e o tudo é meu país”.
25 anos depois, Ana Lopes Burnay, da EuropeDirect Algarve, convida-me a dar o meu testemunho de professora-investigadora franco-portuguesa a viver no Algarve. E aqui estou eu confrontada novamente, com esta pergunta existencial de quem sou e o que faço!
A verdade é que, tanto na minha vida profissional como pessoal, continuo a sentir-me cosmopolita!
Sou uma luso-descendente, nascida em França onde vivi e me formei em Geologia na Universidade Paris-XI Orsay. Sempre gostei de línguas e de viajar, e por isso todas as desculpas foram boas para conhecer outros países: estadias linguísticas na Itália ou na Inglaterra, torneios desportivos na Holanda ou na Alemanha, e intercâmbios da francofonia. Foi assim que conheci o Quebeque, pois ainda não existiam os programas Erasmus que permitem hoje aos estudantes e professores de viajar e, estudar ou investigar pela Europa fora!
Cheguei ao Algarve para lecionar na Universidade do Algarve em 1998, ano em que finalizei a minha tese de Doutoramento em Ciências do Ambiente na Universidade do Québec em Montreal (Canadá). Nunca tinha vivido em Portugal e toda a minha formação tinha sido feita em francês ou inglês. Tenho a certeza de que alguns dos que foram meus alunos nessa altura ainda se devem lembrar (e rir) das dificuldades que tive em lecionar em português nos primeiros anos. Tinha treinado as palavras técnicas, mas o meu português, embora (quase sempre) correto, era muito arcaico. Ainda hoje sinto dificuldades com certas palavras ou expressões portuguesas; o que tento desculpar pelo facto de continuar a pular do português ao francês, ou inglês, no meu dia-a-dia profissional e pessoal. Em casa, falo francês e no trabalho português e inglês. Ser poliglota é uma mais-valia em muitas áreas profissionais, incluindo na investigação e no ensino superior.
Hoje continuo a lecionar na Universidade do Algarve embora muita mais frequentemente em inglês do que em português, porque, como a maioria das instituições europeias de ensino superior, a Universidade do Algarve apostou, em muito bem, na internacionalização dos seus cursos e da sua investigação. Não se pode negar que a língua internacional para a investigação é o inglês. Publicam-se os resultados da investigação maioritariamente em revistas de língua inglesa por uma razão de maior visibilidade e partilha de informação. Contudo, os investigadores são de todas as origens e ao passar pelos corredores do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA-UALG) ao qual pertenço, intersectam-se variadíssimos idiomas: francês, espanhol, italiano, indiano ou mesmo chinês!
Como precisava de espairecer, organizei e dinamizei, durante quase uma década, cafés científicos sob o nome de “Café Oceano”. Aprendi muito com os colegas que iam falar da sua investigação de uma forma informal e apaixonada. Também conheci muitas pessoas da comunidade farense fora do meio académico que me permitiram apreender a importância da comunicação de ciência. Foi sem dúvida uma das experiências que me levou, em 2014, a aceitar o cargo desafiante de Diretora do Centro Ciência Viva do Algarve. Desafiante porque se tratava de um cargo de gestão e eu não era gestora, mas geóloga! Uma geóloga que descobriu no Centro Ciência Viva, que a comunicação de ciência reveste ainda outras dimensões ligadas à arte, criatividade, inclusão, diversidade e equidade, alavancando a justiça social e a inovação junto da comunidade escolar e do público em geral. Descobri igualmente novas oportunidades vindas da União Europeia através por exemplo, dos programas Erasmus e do Corpo de Solidariedade Europeu, que permitem não só colaborar com outras instituições, mas igualmente dar oportunidades de formação à equipa ou a jovens voluntários vindos dos mais diversos países europeus.
Finalmente, em 2019, abracei um novo projeto estruturante de longo prazo enquanto diretora científica de um território Aspirante a Geoparque Mundial da UNESCO: o Aspirante a Geoparque Algarvensis. Com este projeto colaborativo das Câmaras Municipais de Loulé, Silves e Albufeira e da Universidade do Algarve, consigo escapar-me do trabalho de gabinete, ir para o terreno, descobrir as maravilhosas paisagens do interior algarvio e voltar às minhas origens: a Geologia!
Em suma, sou portuguesa de sangue, francesa de coração, algarvia de adoção, canadiana de formação e europeia de convicção!
Cristina Veiga-Pires
(Geóloga, Diretora Executiva do CCVAlg)
O Europe Direct Algarve faz parte da Rede de Centros Europe Direct da Comissão Europeia. No Algarve está hospedado na CCDR Algarve – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve. CONSULTE! INFORME-SE! PARTICIPE! Somos a A Europa na sua região!
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