No mês em que se comemoram os 50 anos do 25 de abril de 1974, o tema da liberdade assume uma relevância ainda maior.
Tendo em conta que a arte está associada à liberdade e à criatividade, quase parece paradoxal colocar esta questão, pois a arte não deveria ser proibida.
No entanto, a arte deve ser analisada tendo em conta o contexto histórico-social em que é produzida, podendo haver alguns limites numa determinada época e contexto cultural que não fazem sentido noutra época e noutro contexto.
Ao longo da história da arte, tem-se verificado crítica e censura a algumas obras que posteriormente, numa outra época e contexto sociocultural, são valorizadas.
Há vários exemplos clássicos, como seja a pintura impressionista, de uma forma geral, que não foi reconhecida quando surgiu, tendo a primeira exposição de pintura impressionista, com obras de Cézanne, Pissaro, Monet, Degas e Renoir, sido realizada no estúdio do fotógrafo Nadar, em 1874, por ter sido recusada no Grande Salão de Paris. No entanto, desde há várias décadas, a pintura impressionista talvez seja a mais popular e aquela que permite um maior sucesso comercial aos artistas que a utilizam.
Também a obra “A fonte”, um urinol branco de porcelana, assinado com o pseudónimo R. Mutt, que Duchamp apresentou, em 1917, para uma Exposição da Sociedade para Artistas Independentes de Nova Iorque, foi recusada, por não ser considerada uma obra de arte pelo júri. No entanto, Duchamp é um dos principais percursores do movimento da arte concetual que se desenvolveu após os anos 60.
Com o objetivo de abordar a censura na arte a partir de diversas perspetivas (comercial, religiosa, política e a própria autocensura) foi criado, no final de 2023, o Museu de Arte Proibida, em Barcelona. A iniciativa deste museu é do empresário catalão Josep Maria Benet (conhecido como Tatxo Benet) que, em 2018, iniciou esta coleção. A coleção integra mais de 200 obras que foram censuradas, proibidas ou denunciadas por motivos políticos, sociais, comerciais ou religiosos, e conta com pinturas, esculturas, fotografias, instalações, gravuras e peças audiovisuais. Boa parte das obras foram criadas na segunda metade do século XX e no século XXI, mas há também na coleção artistas anteriores, desde o século XVII. De entre os artistas com obras neste Museu contam-se Goya, Picasso, Klimt, Andy Warhol, Ai WeiWei, e Banksy.
Em março tivemos oportunidade de visitar este Museu e de apreciar as obras expostas.
Gostaríamos de destacar algumas, por representarem diferentes tipos de censura, em diferentes países.
Uma das obras expostas intitula-se “Filippo Strozzi in LEGO”, de 2016, do chinês Ai WeiWei, pois a empresa Lego recusou-se a vender as peças ao artista para a elaboração da obra, temendo a utilização para fins políticos, num momento em que tinha um plano de expansão que passava pela China.
Também nos impressionou a instalação “Silêncio vermelho e azul”, de Zoulikha Bouabdellah (2014), que tinha sido exposta em Clichy (França), em 2015, numa mostra de artistas femininista. No entanto, a Federação de Muçulmanos de Clichy temia possíveis reações violentas e, como pouco tempo antes tinha ocorrido o atentado conta Charlie Hebdo, a artista preferiu retirá-la.
A foto “Raquel Welch na cruz”, de Terry O’Neill (1966), não foi publicada nesse ano porque era demasiado provocatória para a época. No entanto, 30 anos depois, foi capa no “The Sunday Times Magazine”.
Numa exposição itinerante de Andy Warhol, em 2013, as autoridades chinesas proibiram a exposição dos retratos de Mao (1972), por os considerarem desrespeitosos para com Mao Zedong.
Assim, verificamos que a censura comercial, religiosa e política tem levado à privação da liberdade de expressão artística nalguns contextos socioculturais.
Mas será que não deve haver limites na arte? Por exemplo, pode ser considerada arte a instalação realizada por Guillermo Habacuc, em 2007, em que apanhou um cão abandonado, tendo-o colocado atado a uma parede de uma galeria de arte e ali o deixou a morrer lentamente de fome e de sede, perante os visitantes desta exposição?
Desenvolvemos esta reflexão em 2011, no segundo artigo que publicámos nesta colaboração com o Cultura.Sul, intitulado “Mas isto é arte?”, mas parece-nos que esta questão dos limites da arte permanece bastante atual, pelo que voltamos a colocá-la agora, pela importância que as questões éticas e deontológicas também devem ter nas artes visuais.
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