Saúl Neves de Jesus é cronista residente no Cultura.Sul desde 2011 e prepara-se para editar um livro, em versão eBook, intitulado “+ de 100 reflexões em torno das Artes Visuais”, que reúne as mais de cem crónicas publicadas no caderno de artes do Postal do Algarve.
Natural de Olhão, alcançou o topo da carreira académica muito jovem, sendo professor catedrático de Psicologia na Universidade do Algarve, desde 2003. O seu currículo diversificado inclui a presidência de órgãos académicos e a coordenação de centros de pesquisa. Ao longo dos anos, Saúl Jesus recebeu vários prémios e distinções, incluindo o “Prémio APP Carreira de Investigação em Psicologia-2019”, o “Prémio Carreira Sul-2023” e o “STAR Lifetime Career Award 2023”.
P – Quais foram os principais destaques e temas recorrentes abordados nas mais de cem crónicas sobre Artes Visuais que escreveu no caderno cultural Cultura.Sul?
R – Iniciei a minha colaboração com o Cultura.Sul em 2011, estando a realizar um pós-doutoramento em Artes Visuais na altura. Assim, os primeiros artigos foram sobretudo orientados para tentar ajudar a esclarecer algumas dúvidas e questões que por vezes as pessoas colocam em relação às artes visuais. Daí termos decidido escrever os artigos a partir de uma questão que colocávamos como título. As perguntas “mas, afinal, o que é a arte?” e “mas isto é arte?” foram precisamente os nossos primeiros artigos.
As questões mais técnicas, como a importância da formação do artista, da autoria, do título, do pensamento, do texto escrito, da criatividade, da dimensão ou da cor numa obra, bem como as relações entre a ciência e as artes visuais, a integração de estilos artísticos e as relações entre a fotografia, a pintura e a arte digital, também marcaram os primeiros números desta colaboração. O elevado valor de algumas obras de arte, incluindo os NFT, e o colecionismo também foram temas abordados.
Ao longo destes 13 anos de colaboração os temas/perguntas foram variando, até tendo em conta que na maioria das vezes procurávamos ir ao encontro daquilo que estava a acontecer na altura em que escrevíamos os artigos, em termos de exposições ou de temas da atualidade. Foi o caso dos artigos escritos durante a pandemia do coronavírus em que escrevemos artigos relacionados com as visitas virtuais a museus ou a própria valorização do trabalho dos profissionais de saúde.
As questões ambientais, como a proteção dos oceanos, a descarbonização ou a preservação das espécies ameaçadas, têm sido daquelas sobre as quais mais temos refletido nos últimos anos, aproveitando para destacar trabalhos de arte urbana, nomeadamente feitos a partir do “lixo” ou da própria poluição.
Outro tema recorrente nos últimos anos tem sido a importância da paz e o papel que as artes visuais podem ter no processo de bem-estar das pessoas e da paz consigo mesmas e com os outros. Este aspeto é tanto mais importante tendo em conta as guerras que ocorrem no planeta, em particular na Ucrânia e na Faixa de Gaza, podendo as artes visuais ter também uma dimensão política no combate à pobreza e às desigualdades, bem como na ajuda a migrantes e refugiados. Temos de procurar os trabalhos de alguns artistas neste processo, como sejam Banksy e Weiwei.
O artigo nº 100 intitulava-se “Pode a arte ajudar-nos a melhorar o mundo em que vivemos?” e desta forma procurámos sintetizar um dos grandes objetivos desta nossa colaboração, em que muitos dos artigos foram sobre o belo, a fruição, os comportamentos mais saudáveis, a saúde mental, a motivação e a própria felicidade.
P – Como a formação académica e a vasta experiência em psicologia influenciam a sua abordagem nas análises de obras de arte e na compreensão da expressão artística?
R – Após um percurso académico rápido no âmbito da Psicologia e das Ciências da Educação, tendo obtido a licenciatura em 1989, o doutoramento em 1996, a agregação em 2001 e sendo professor catedrático desde 2003, houve a necessidade intrínseca de um retorno a uma vocação (talvez) e a uma “paixão” (decerto) de sempre, a Arte, em particular as Artes Visuais.
Este interesse genuíno pelas artes é inclusivamente anterior ao início do percurso académico que efetuámos, tendo a primeira exposição de fotografia sido realizada em 1987.
No entanto, é óbvio que a formação em Psicologia me sensibilizou e preparou para uma abordagem mais específica na análise das obras de artes e da expressão artística.
Mesmo durante a formação académica procurámos logo no início estabelecer conexões entre a Psicologia e as Artes Visuais. Por exemplo, enquanto estudante na Universidade de Coimbra, em 1988 realizámos um trabalho em fotografia com base na Teoria Hierárquica das Necessidades de Maslow, em que procurámos, através de fotografias, ilustrar como é que as pessoas, e também os animais, expressam cada uma das necessidades.
Nos artigos escritos para o Cultura.Sul, acredito que está sempre implícita a minha formação na área da Psicologia e, alguns deles, focam-se explicitamente em temas da Psicologia da Arte. Por exemplo, o nono artigo que publicámos procurou responder à questão “Qual o ‘lugar’ da Psicologia da Arte?”.
P – Dada a sua posição como professor catedrático na Universidade do Algarve, de que forma integra o conhecimento académico na apreciação das Artes Visuais e na escrita das crónicas?
R – Tendo chegado ao topo da carreira académica, professor catedrático, com 37 anos senti a “necessidade” e a “liberdade” para aprofundar a minha preparação técnica e académica no âmbito das Artes Visuais. Por exemplo, no plano técnico, em 2009 tirei um curso de escultura em bronze, e, no plano académico, em 2014 finalizei um pós-doutoramento em Artes Visuais, na Universidade de Évora, sobre o tema “Entre a ciência e as artes visuais: pontes para uma aproximação”.
Vários dos artigos publicados centraram-se em aspetos das relações entre a ciência e as artes visuais.
Por exemplo, no artigo “Pode a imagem visual ajudar a compreender conceitos da ciência?” fazemos referência à exposição intitulada “Stress approach by visual arts”, realizada em julho de 2023, no âmbito da organização do 44º Congresso Mundial da Sociedade de Stresse, Trauma, Ansiedade e Resiliência (STAR Society), na Universidade do Algarve, em que foram apresentadas obras realizadas segundo diversas técnicas de artes visuais, nomeadamente fotografia, pintura, desenho e escultura, que procuravam ilustrar o conceito de stresse, os seus sintomas e fatores.
Muitos dos artigos que publiquei foram sobre o belo, a fruição, os comportamentos mais saudáveis, a saúde mental, a motivação e a própria felicidade
P – Como o seu currículo diversificado, que inclui a presidência de órgãos académicos e a coordenação de centros de pesquisa, enriquece e informa a perspetiva das suas crónicas sobre arte?
R – Não sei se haverá uma relação direta entre algumas funções desempenhadas e as minhas crónicas sobre arte. No entanto, foi quando era diretor da FCHS que o curso de Artes Visuais passou a ser lecionado no âmbito desta Faculdade, tendo procurado criar as condições possíveis para a qualidade do mesmo.
Por seu turno, desempenhei as funções de vice-reitor para a Educação e Cultura da Universidade do Algarve, tendo sempre procurado apoiar as iniciativas realizadas no âmbito das artes visuais.
E alguns dos artigos que escrevi para o Cultura.Sul foram dedicados a exposições e a obras realizadas pelos estudantes e docentes de Artes Visuais. Veja-se, por exemplo, os títulos “Qual a importância da formação para se ser artista” ou “Regresso ao futuro” nas artes visuais após o estado de emergência?”.
P – Pode partilhar algumas experiências específicas na orientação de teses de doutoramento relacionadas com as Artes Visuais e como isso pode ter influenciado a sua abordagem crítica?
R – Embora tenha um pós-doutoramento em Artes Visuais, o meu trabalho docente e de investigação tem sido fundamentalmente na área da Psicologia. Já orientei 49 teses de doutoramento concluídas com sucesso, mas nenhuma foi na área científica das Artes Visuais. Mas talvez isso ainda venha a acontecer no futuro, pela proximidade que tenho mantido com os colegas das Artes Visuais na Universidade do Algarve.
P – Considerando os prémios e distinções que Saúl de Jesus recebeu ao longo dos anos, incluindo o “Prémio APP Carreira de Investigação em Psicologia-2019”, o “Prémio Carreira Sul-2023” e o “STAR Lifetime Career Award 2023”, de que forma essas conquistas se refletem no seu olhar crítico sobre as Artes Visuais na região do Algarve?
R – Alguns dos artigos foram dedicados às Artes Visuais no Algarve. Por exemplo, Em “O Algarve apenas serve para fruir das Artes Visuais?” procurámos salientar que o Algarve tem sido não apenas local de fricção, mas também espaço e tempo de produção artística no âmbito das artes visuais, tendo a Universidade do Algarve tido um papel essencial nesse sentido, desde a abertura da licenciatura em Artes Visuais, permitindo a existência no Algarve dum ambiente formal para a aprendizagem e o desenvolvimento do conhecimento no âmbito das artes visuais.
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