No início deste ano a Galeria Belvedere anunciou que iria leiloar, até 14 de fevereiro, a obra mais famosa da sua coleção, “The Kiss” (“O Beijo”) de Gustav Klimt, em formato NFT. Assim, foram colocadas à venda 10.000 NFT por um preço de 1.850 euros por unidade, permitindo ao museu de arte vienense angariar cerca de 18,5 milhões de euros e permanecer com o quadro físico “O Beijo” em exposição.
Por seu turno, cada um dos 10.000 compradores ficou com uma versão digital e um certificado de autenticidade, sendo cada NFT vinculado a um segmento específico da obra, atribuído aleatoriamente.
Esta forma de vender a reprodução digital certificada de uma pintura tem vindo a ser cada vez mais utilizada por artistas, galerias e museus, convertendo obras físicas em NFT.
Ainda no final do ano passado, foi muito divulgado a venda, em NFT, da fotografia, tirada pelo fotógrafo John Shearer, do beijo na boca dado entre Madonna e Britney Spears, num espetáculo realizado em 2003.
Também em dezembro passado, foi anunciada a atomização digital da pintura de Banksy “O amor está no ar” (“Love Is in the Air”) em 10.000 NFT, a serem colocados à venda por 1.500€ cada.
Assim, os NFT permitem a muito mais pessoas colecionar obras de arte e permitem que um público mais jovem, ligado ao mundo digital, entre neste mercado.
Mas convém esclarecer o que são NFT. Estas são as siglas de “non-fungible token” (“token não fungível”), sendo uma tecnologia que permite a criação de uma assinatura única, um certificado digital que assegura a autenticidade de qualquer tipo de arquivo digital (fotos, vídeos, mensagens, arquivos de áudio etc). Trata-se de tokens ou códigos numéricos com registro de transferência digital que garantem autenticidade aos seus donos. Na prática, eles funcionam como itens únicos colecionáveis, que não podem ser substituídos ou reproduzidos, mas sim transferidos. Pretende-se dar autenticidade a itens digitais, criando uma peça “original” a partir de um arquivo digital. É um tipo especial de token criptográfico mas, ao contrário das criptomoedas, não são mutuamente intercambiáveis. Um NFT serve para garantir que determinado item é original, pelo que ao comprar-se algo com NFT há a garantia de que a chave digital é única, garantindo a autenticidade do produto. É o equivalente a uma escritura que a pessoa recebe quando compra um imóvel. A escritura contém todas as informações sobre o imóvel, permitindo garantir a posse, mas não tem o imóvel em si.
O principal valor dos NFT é baseado na confiança da autenticidade. As pessoas que compram NFT fazem isso porque atribuem grande valor a itens originais e exclusivos. Tal como determinadas obras de arte e objetos ganham valor e estatuto por serem exclusivos e únicos, também os NFT dizem respeito a algo único que existe no mundo digital e cujo acesso é apenas permitido por uma chave digital da posse do comprador.
Tendo surgido há poucos anos, a adesão aos NFT tem aumentado de forma exponencial. O primeiro NFT foi criado em 2014, pelo artista Kevin McCoy e pelo empreendedor Anil Dash, durante um evento no Museu de Arte Contemporânea em Nova York que era palco de novas ideias que conectavam tecnologias inovadoras com a arte. Como demonstração, criaram o primeiro NFT chamado “Namecoin”, para registar um vídeo caseiro.
Em 2021 ocorreu um aumento de 55% das vendas em relação a 2020, atingindo mais de 400 milhões de dólares. A 11 de março de 2021, um único arquivo jpeg, intitulado “’Everydays: The First 5000 Days” (“Todos os dias: Os primeiros 5.000 dias”), da autoria do artista digital Mike Winkelmann, mais conhecido como Beeple, foi vendido por 69 milhões de dólares, tornando-se a terceira obra de arte mais cara vendida por um artista vivo. A obra mais cara de um artista ainda vivo havia sido a escultura “Rabbit” (Coelho), do artista norte-americano Jeff Koons, vendida em 2019 por 91 milhões de dólares (cerca de 81 milhões de euros) num leilão da Christie’s, em Nova Iorque. Também vendida pela Christie’s, em 2017, foi a obra que atingiu o valor mais elevado até hoje, a pintura “Salvator Mundi”, de Leonardo da Vinci, leiloada por 450,3 milhões de dólares (cerca de 364,7 milhões de euros).
Embora possa não parecer fazer sentido que a venda de obras de arte em NFT possa atingir os valores de obras físicas, o que é certo é que a adesão ao mundo digital é cada vez maior e o valor financeiro da arte é muito subjetivo, dependendo daquilo que quem compra está disposto a despender.
As obras de arte expressam a época em que são produzidas e a sua valorização no mercado também. Qualquer um pode colecionar tudo o que quiser, pela quantia que estiver disposto a gastar, desde que a tenha.
No que diz respeito a obras de arte, cada vez parece mais difícil estipular os limites dos valores possíveis de serem atingidos, quer pelos obras físicas, quer pelos NFT relativos a obras de arte.
* Professor Catedrático da Universidade do Algarve;
Pós-doutorado em Artes Visuais; http://saul2017.wixsite.com/artes