Em outubro do ano passado, o anterior Governo, numa tentativa de atacar o problema da falta de habitação que assola o país, lançou um conjunto de medidas a que deu o nome de Pacote Mais Habitação.
Mas, cedo se percebeu que grande parte das medidas dificilmente teria sucesso, para além de serem polémicas, como foi o caso do arrendamento coercivo, ou do ataque ao alojamento local, com a implementação da CEAL – Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local, a caducidade das licenças de alojamento local, o impedimento de criação de novos alojamentos ou a limitação administrativa aos valores das rendas.
Continuando aquelas medidas em vigor até agora, certo é que delas não se vislumbra qualquer efeito positivo, antes pelo contrário.
O novo governo lançou recentemente um pacote com 30 medidas para resolver a crise da habitação que, pelas suas caraterísticas, aparenta ter maior probabilidade de sucesso
Veja-se o caso das rendas que continuam a aumentar de forma significativa, tendo subido 7,2% em abril, face ao mês homologo do ano anterior, segundo dados recentemente publicados pelo Instituto Nacional de Estatística.
Do mesmo modo, são poucas as habitações entretanto construídas ou com construção iniciada, ou mesmo disponibilizadas para arrendamento, no âmbito daquele pacote.
Conforme já escrevi anteriormente, considero que não é através de medidas radicais, tomadas à pressa, em cima de um problema social grave e que não tem solução fácil nem rápida, que se resolve esse problema.
Já o novo governo lançou recentemente um pacote com 30 medidas para resolver a crise da habitação que, pelas suas caraterísticas, aparenta ter maior probabilidade de sucesso.
Desse pacote de medidas, destaco algumas:
– A possibilidade de utilizar solos atualmente classificados como rústicos, para construção de soluções sustentáveis de habitação (habitação a custos controlados, arrendamento acessível, alojamento temporário, casas de função). Trata-se, porventura, da medida com maior potencial de todo o pacote, e que já há muito venho defendendo. O Governo e os Municípios não têm condições, hoje, para adquirir terrenos a preço de mercado, para implementar novas construções. Por outro lado, são muitos os terrenos classificados como rústicos, nos quais não é praticada qualquer agricultura. Utilizam-se assim terrenos desaproveitados, que poderão ser adquiridos a preços adequados, permitindo a edificações de novas habitações;
– Desbloqueio de 25.000 fogos, a construir com financiamento do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência. O PRR só financiará fogos que estejam construídos até março de 2026. Caso as candidaturas submetidas ao IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, pelos Municípios de todo o país não venham a ser desbloqueadas rapidamente, aquele prazo para construção dos fogos estará comprometido, levando o país a desperdiçar uma oportunidade única de ter financiamento a 100% para construção de habitações, e deixando o PRR por executar. O rápido desbloqueio das candidaturas (que terá que ocorrer nas próximas semanas) permitirá colocar habitações no mercado e executar o PRR;
– Envolvimento de todos os setores da economia no processo de construção de novas habitações, em diferentes regimes, dirigidas a vários segmentos da população. O Estado, as cooperativas e os privados serão chamados a intervir de forma conjunta para, rapidamente, colocarem mais fogos no mercado. São exemplos a promoção do “build to rent” (construir para arrendar) ou a cedência de terrenos públicos a cooperativas, para construção;
– Eliminação das medidas do pacote Mais Habitação que foram altamente penalizadoras para o setor do alojamento local. Como já tive oportunidade de referir noutras ocasiões, o alojamento local tem contribuído, ao longo dos últimos anos, para requalificar edifícios degradados, criar emprego e riqueza. Estimo que o alojamento local traga à economia algarvia 4 mil milhões de euros por ano;
– Acabar com medidas polémicas e de eficácia duvidosa do pacote Mais Habitação, como era o caso do arrendamento coercivo. É fundamental trazer confiança aos agentes económicos, pois só assim mais habitações, atualmente devolutas, serão colocadas no mercado, e muitas mais serão construídas;
– A agilização dos programas de apoio à renda, programas esses que se têm revelado fundamentais para muitas famílias conseguirem pagar e manter os seus contratos de arrendamento. Antes mesmo do governo anterior ter lançado a medida, um pouco por todo o país, muitos municípios já tinham lançado programas idênticos. O novo governo vem agora afinar o apoio, permitindo às famílias continuarem a beneficiar do mesmo, incluindo em situações de celebração de novos contratos de arrendamento, o que antes não acontecia;
– Por último, mas não menos importante, o sinal que é dado aos jovens através da atribuição de benefícios fiscais e garantia aos empréstimos para aquisição de casa.
Será este pacote de 30 medidas do novo governo, o verdadeiro pacote mais habitação, que permitirá colocar mais casas no mercado, nos próximos anos? Pelo equilíbrio das medidas, pelo envolvimento, sem reservas ideológicas, dos diferentes paceiros do setor, pela confiança que traz aqueles parceiros, e pela sua aderência à realidade reconhecendo onde estão os maiores problemas e definindo prazos e estratégias para a sua resolução, acredito verdadeiramente que sim.
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