CULTURA DE VIOLÊNCIA
É tempo de fazer soar os alarmes, sem ser alarmista, nem social, nem económico, nem ambiental. Apenas, prestar atenção aos sinais de degradação das características estruturantes que fizeram do Algarve um paraíso apetecido desde civilizações antigas que nos visitaram, por aqui passaram e aqui se estabeleceram, consolidando o caldo cultural em que temos vivido até anos recentes. Que factores eram esses? Clima aprazível, gastronomia de salivar, praias belas numa paisagem costeira ímpar, uma serra guardiã da identidade regional, um povo hospitaleiro e uma segurança das portas abertas.
A instabilidade climática tornou-se a regra, difícil já é distinguir o verão do inverno. O “fast food” e a estrangeirização do paladar ganharam terreno à verdadeira tradição culinária da região. A betonização do litoral continua o seu curso de destruição paisagística. O chamado “povo algarvio” é hoje uma minoria na sua própria terra. A serra desertificou-se, ficando à mercê da lei do fogo. E a insegurança assentou arraiais como acontece em todos os pontos cardinais do País e do Mundo. Fiquemo-nos por aqui. De acordo com o Relatório de Segurança Interna do ano de 2022, o número de participações em Portugal, quer da criminalidade em geral, quer da criminalidade violenta e grave, aumentou cerca de 14% por comparação com o ano anterior.
O que esperar desta cultura de violência e morte que se instalou na sociedade actual, e onde a televisão e outros meios de comunicação social assumem um papel relevante na difusão de valores errados
No Algarve, a criminalidade geral aumentou 15%, e a criminalidade violenta e grave aumentou 24%(!…), com Loulé, Albufeira e Faro à cabeça, o que não surpreende atento o seu peso populacional. Já o relatório da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) de 2022, coloca os municípios de Faro e de Loulé nuns desonrosos 3º e 4º lugares a nível nacional em número de vítimas sinalizadas. Três em cada quatro destes crimes relatados têm a ver com o flagelo da violência doméstica. Crianças e jovens ocupam lugar de destaque no número de vítimas de crimes.
O fenómeno é global, mas custa ver o Algarve ocupar com demasiada frequência as “breaking news” do relato diário da criminalidade. De resto, o que esperar desta cultura de violência e morte que se instalou na sociedade actual, e onde a televisão e outros meios de comunicação social assumem um papel relevante na difusão de valores errados, que colidem com a dignidade humana. Basta ver o alinhamento de desgraças pessoais e relatos de guerra dos telejornais, o sufoco de filmes de violência gratuita que passam na NOS, na MEO, e noutras operadoras de telecomunicações.
Como é possível que o boxe ainda continue a ser considerado uma modalidade desportiva e olímpica, a “nobre arte” de amassar à punhada a cara e o corpo dos contendores, para gáudio de um público ávido de sangue. Há quem utilize as artes marciais como instrumento para matar ao invés de técnica de defesa. A noite está perigosa. Como é que se consente que jogos como o “Squid Game” (O Jogo da Lula) estejam à disposição de crianças, adolescentes, ou até de supostos adultos que sejam? É triste ver como o Algarve incorporou recentemente a rede de autoestradas marítimas do tráfico de droga, com todas as sequelas da praxe. Com tudo isto, e muito mais, o que seria de esperar?
HÁBITOS PERDIDOS NO AR
Num tempo que já parece perdido na eternidade, nas viagens de avião fumava-se à farta. Parecia uma nuvem compacta dentro da cabina, de cortar à faca, que atravessava a fronteira dos lugares para não fumadores, mal de quem sofria de asma. Assim que soava o sinal de que o avião se encontrava totalmente em rota, muita gente levantava-se de imediato, mexia nas malas, corria para o WC, circulava pelo corredor de trás para a frente e da frente para trás, tagarelava com quem estava sentado. Custava-se a passar.
Os vizinhos de lugar metiam conversa uns com os outros, apresentavam-se, falavam de tudo, de todos e de nada, ocupavam o tempo de voo com conversa de chacha sem utilidade futura (com honrosas excepções). Havia uns bem chatos, fala-baratos, nunca mais se calavam, tipo picaretas falantes. Hoje tudo isso é raro, cada qual fecha-se nos seus head-phones, no ipad, na revista, no livro, no filme, no sono, na máscara.
A comunicação entre passageiros reduziu-se em 95%, numa estimativa grosseira. Servia-se comida e bebida, gourmet para o business, sandocha para o povo. Agora, o reino das low-costs instalou-se no mercado, paga-se tudo. O prato principal parece baratucho, mas a soma dos acompanhamentos pesa na factura final.
Eram frequentes os roubos nas bagagens, o extravio. Hoje é tudo mais controlado, valha-nos Deus. Até porque o Bin Laden e o seu bando de terroristas mudaram para sempre a facilidade e o prazer de viajar.
A parte securitária complicou-se até à náusea. Será recordado para sempre também por causa disso, de cada vez que se tenha de entrar num avião. Maldito, que Deus perdoe pela invocação do seu nome em vão, mas este pecado de ódio será eterno. Tanta coisa mudou em duas décadas…
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia