O presidente da Câmara de Vila Real de Santo António disse esta terça-feira que encontrou um município “completamente abandonado” quando há um ano chegou à liderança da autarquia, uma das mais endividadas do país e sob assistência financeira desde 2016.
O autarca do PS, que com a sua eleição pôs fim a 16 anos de governação do PSD na câmara do distrito de Faro, afirmou ter encontrado uma “situação muito mais difícil do que aquilo” que estava à espera, referindo que seria “pacífico” se houvesse dívidas associadas à realização de obra, quando o que aconteceu foi encontrar “um município completamente abandonado”.
Álvaro Araújo falava numa conferência de imprensa em que apresentou resultados de um levantamento às contas do município, numa altura em que a dívida da autarquia é de 160 milhões de euros e o passivo de 182 milhões, que aumenta de “dia para dia” devido aos juros de mora e que pode subir se os tribunais forem favoráveis a ações judiciais intentadas contra o município.
“Como é que nenhuma autoridade deste país pôs um travão nisto”, interrogou, sublinhando que mesmo depois do Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), o primeiro instrumento de apoio financeiro a ser implementado – na altura em que Luís Gomes (PSD) era presidente -, a autarquia continuou a “ultrapassar o limite de endividamento” que era imposto, criando mais dívida.
Segundo o autarca, são precisos “mais de 50 milhões de euros para acrescentar” à dívida já existente, de forma a fazer investimentos fundamentais no concelho, nomeadamente na criação de habitação social, na reparação de algumas estradas e em obras que são necessárias no parque de campismo, no Centro Cultural António Aleixo e no complexo desportivo da cidade.
“Não se trata de uma tentativa de caça às bruxas”
Frisando que “não se trata de uma tentativa de caça às bruxas” e que nada move o atual executivo “contra absolutamente ninguém”, o presidente da Câmara de Vila Real de Santo António disse querer apenas mostrar à população “onde o dinheiro é gasto e foi gasto”, frisando que é preciso “responsabilizar quem tem responsabilidade” na situação financeira da autarquia.
Segundo Álvaro Araújo, quando o novo executivo chegou ao município encontrou cerca de dois milhões de euros de dívida prescrita, nomeadamente, relativa a consumos de água, ocupação de espaço público e rendas que nunca foram cobradas, tendo ainda sido descobertos “contadores instalados em propriedades privadas e pagos pelo município”.
Por outro lado, no mês anterior a ter sido eleito, em setembro de 2021, o município gastou cerca de 20 mil euros em água no complexo desportivo, que possuía um contador doméstico para a rega dos relvados, algo que não “podia ser”, insistiu, sendo que, depois de corrigida a situação, a fatura da água passou a ser de cerca de 800 euros mensais.
De acordo com o autarca, no levanta-mento apurou-se que foram pagos mais de 800 mil euros a uma agência por viagens a Cuba, a maioria realizadas entre 2007 e 2011, país com o qual a autarquia de estabeleceu um acordo para a realização de cirurgias oftalmológicas e tratamentos médicos, tendo ainda sido detetados gastos de 205 mil euros relacionados com a geminação com a cidade cubana de Playa.
A Câmara de Vila Real de Santo António está sob assistência financeira desde 2016 e aguarda, neste momento, uma aprovação do Tribunal de Contas para receber mais verbas ao abrigo do Plano de Apoio Municipal (PAM).
AS DEZ MEDIDAS ESTRATÉGICAS APRESENTADAS POR ÁLVARO ARAÚJO
Na sessão, que teve lugar nos Paços do Concelho, o autarca – acompanhado por todo o executivo – enumerou as dez medidas estratégicas que “estão a contribuir para o desenvolvimento económico e social do município e a permitir ganhos de eficiência e contenção de recursos”, destacando a aprovação da Estratégia Local de Habitação (ELH) de VRSA.
1 Aprovação da Estratégia Local de Habitação
A medida prevê um investimento de 101 milhões de euros e vai apoiar mais de 800 agregados e perto de 2200 pessoas com carências habitacionais. A estratégia é desenvolvida ao abrigo do programa “Primeiro Direito”, homologado na presença da secretária de Estado da Habitação, Marina Gonçalves, e tem financiamento a 100% por parte do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), permitindo colocar um ponto final nas carências habitacionais do município.
A verba atribuída à Câmara Municipal de VRSA é das maiores do país e a mais elevada do Algarve, apenas comparável aos rácios dos municípios das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, facto que comprova a proatividade da autarquia na apresentação de candidaturas e projetos.
A ELH prevê a construção de novas habitações, a reabilitação de 400 frações de habitação social, a recuperação do parque habitacional e a promoção do arrendamento acessível.
2 Revogação do contrato de concessão do estacionamento tarifado no concelho
O município está a avançar com o processo de revogação do contrato de concessão do estacionamento tarifado nas freguesias de VRSA e Monte Gordo, atualmente detido pela empresa ESSE – Estacionamento à Superfície e Subterrâneo, SA, considerando a medida como a única solução justa e viável para defender os interesses da autarquia e dos munícipes.
Tal decisão é justificada pela sucessiva falta de resposta da ESSE às solicitações da Câmara Municipal para que a empresa disponibilizasse informação detalhada e credível sobre os valores (receitas) recebidos pela concessão em 2021 e nos meses de junho e julho de 2022.
Para o presidente da Câmara Municipal de VRSA, Álvaro Araújo, “o padrão reiterado de oposição da empresa constitui uma violação grave das obrigações contratuais, facto que tem impedido a autarquia de exercer o poder de fiscalização e validação dos valores cobrados e a verificação do cumprimento do contrato de concessão”.
3 Renegociação do contrato de recolha de RSU
O município renegociou o contrato de prestação de serviços com a empresa Ecoambiente, de forma a reforçar e melhorar a limpeza e recolha de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) no concelho. O contrato foi objeto de alterações, prevendo agora um aumento dos níveis de cobertura, eficácia e dotação de recursos humanos em todas as freguesias, corrigindo situações que têm motivado queixas da população.
“Herdámos um serviço de recolha de RSU cujo caderno de encargos não estava a ser cumprido, a que acrescia uma dívida acumulada de mais de 700 mil euros e uma ameaça de cessação de serviço iminente”, afirma Álvaro Araújo.
4 Processo de Descentralização de Competências
Ao longo de 2022, o município assumiu a descentralização de competências nas áreas da educação e da saúde, tendo os serviços autárquicos assumido um vasto conjunto de novas obrigações, aumentando a proximidade com as populações e garantindo maiores níveis e qualidade nos serviços prestados.
5 Lançamento de um programa de animação diversificado
Ao longo do ano de 2022, foi relançado um programa de animação cultural diversificado e abrangente que trouxe a palco artistas consagrados, sem esquecer os jovens talentos locais. Optou-se, de igual forma, pela manutenção dos eventos desportivos âncora e das festas tradicionais em todas as freguesias.
Através da análise dos últimos 12 exercícios, de 2010 a 2021, verificou-se que a média da despesa realizada em eventos foi de 1.663.641 euros, enquanto em 2022 encontram-se cabimentados, até ao final do ano, cerca de 600 mil euros, mantendo-se, ainda assim, dinamismo ao nível da programação cultural, desportiva e associativa.
6 Manutenção do preço da água
O município de VRSA desenvolveu as diligências necessárias para não ser aplicado, em 2022, o aumento de 15% que a empresa Águas de VRSA alegava que teria contratualmente direito de ter efetuado em 2021.
7 Reorganização dos serviços municipais
A Câmara Municipal procedeu à reestruturação da sua estrutura organizacional, de forma a otimizar os recursos, valências e qualidade dos serviços prestados à população.
As alterações tiveram em consideração a nova organização, atribuições e funcionamento da autarquia, otimizando os recursos humanos em função das necessidades dos serviços e procedendo à reafectação dos seus trabalhadores para as divisões que registavam carência de pessoal.
8 Captação de investimento
Fruto do trabalho do núcleo de candidaturas, foram avançados projetos de investimento na ordem 3 milhões de euros, tendo já sido conseguidas aprovações de projetos a fundo perdido no montante aproximado de 2 milhões de euros.
Neste contexto, destaca-se o projeto “Bairros Digitais”, que permitirá efetuar uma alteração profunda no Centro Histórico de VRSA e no seu centro comercial a céu aberto, cuja implementação se iniciará no decurso de 2023.
Em carteira está ainda aprovação do projeto que permitirá a abertura de uma Loja do Cida-dão no concelho. A medida está orçamentada em mais de 900 mil euros.
9 Diagnóstico à situação financeira do município
Durante a sessão de apresentação dos resulta-dos do primeiro ano de gestão, o presidente da Câmara Municipal de VRSA fez também um diagnóstico da situação financeira do município e apresentou algumas das medidas que já estão a ser aplicadas para equilibrar as contas municipais.
De acordo com os resultados apurados, a autarquia de Vila Real de Santo António tem, à data de 31 de dezembro de 2021, um passivo consolidado de 182 milhões, num município cujo limite legal de endividamento é de 32 milhões. Para o edil, tem de ser acrescido a este valor o montante das necessidades urgentes de investimento na recuperação do património e na reposição da dignidade de funcionamento dos serviços, superior a 50 milhões de euros.
“Caso este investimento fosse efetuado de imediato e tivesse de ser integralmente suportado pela Câmara Municipal, faria subir o passivo para valores superiores a 230 milhões de euros”, elucidou.
Por estas razões, apontou como “urgente e indispensável” a auditoria interna que está a ser levada a cabo e que tem como objetivo central a identificação de situações anómalas, implementando as medidas corretivas que se considerem necessárias.
“A propósito desta auditoria, foram apresen-tadas perto de uma dezena de situações que poderão configurar exemplos de irregularida-des, as quais serão comunicadas às entidades competentes para que possam ser escrutinadas e averiguadas”, frisou.
RESULTADOS APURADOS
Na vertente da transparência, foram desenvolvidas ações para que o encerramento das contas de 2021 do município e, consequentemente, as contas consolidadas, refletissem a realidade económica e financeira.
Na sequência destes trabalhos, foram tomadas medidas no sentido de declarar prescrita a dí-vida de água na já extinta empresa municipal VRSA SGU, no valor de 1,7 milhões de euros, e a anulação de mais de um milhão de euros de bens registados no ativo que não foi possível de localizar.
Foram igualmente detetados mais de 40 mil euros de rendas de habitação social prescritas, de um total de cerca 290 mil euros de dívida que inclui acordos de pagamento em prestações, sendo que um desses acordos termina apenas em 2150.
Apuraram-se ainda cerca de 90 mil euros de dívida em execução fiscal não cobrada e perto de 700 mil euros de dívida de ocupação de espaço público não regularizada.
A identificação destes problemas deu recentemente origem a alterações na forma de processamento da cobrança, bem como a abertura de um período especial de regularização aprovado em reunião de câmara, findo o qual o Município irá proceder à cobrança coerciva através da AT e à remoção dos equipamentos ilegalmente colocados na via pública.
“No somatório, fomos encontrar dois milhões de euros de dívida prescrita referente a consumos de água, ocupação do espaço público e rendas”, elucidou.
DIAGNÓSTICO AOS EQUIPAMENTOS MUNICIPAIS
Paralelamente, foi efetuado um diagnóstico ao estado dos equipamentos e serviços munici-pais, tendo sido observadas carências graves ao nível do parque automóvel, equipamentos in-formáticos e maquinaria para serviços básicos. Foram ainda observados níveis de degradação elevados nos edifícios e mercados municipais, infraestruturas desportivas – em particular no Complexo Desportivo e Parque de Campismo -, vias de comunicação e equipamentos do es-paço público.
AÇÕES EM CURSO
Uma das primeiras preocupações do executivo foi a avaliação do controlo interno de gastos, tendo sido identificado um conjunto de inconformidades que foram objeto de intervenção e correção imediata, nomeadamente o controlo da despesa com água e saneamento. Tais medidas travaram as faturações excessivas de consumos de água, por exemplo, na ordem dos 20 mil euros mensais, no estádio municipal (que passaram para 814 euros), e cessaram a aplicação da tarifa de saneamento em conta-dores de rega.
Foram ainda implementadas medidas de con-tenção ao nível dos consumos elétricos e de gás. No caso das piscinas municipais, verificou-se que o consumo era excessivamente elevado de-vido à inoperacionalidade, há mais de 12 anos, dos painéis solares existentes no local, os quais já foram reparados.
10 Medidas corretivas de futuro
Face a todas estas constatações, o executivo, após reuniões mantidas com a tutela e o Fundo de Apoio Municipal (FAM), decidiu instruir um novo processo de revisão do Programa de Ajus-tamento Municipal (PAM) que irá apresentar no decurso do corrente ano e que terá ainda de incluir, dentro ou fora do processo de revisão, a resolução da situação de incumprimento no empréstimo do Programa de Apoio à Econo-mia Local (PAEL), que se verifica desde 2019, cujo montante de capital, juros e moras já é superior a 25 milhões de euros.
Para o presidente da Câmara Municipal de VRSA, Álvaro Araújo, “impõe-se perceber como, num município endividado em mais de 182 milhões de euros, mas com apenas 20 mil habitantes, ainda subsistem carências em qua-se todos níveis, desde as vias de comunicação, aos equipamentos coletivos, espaço público e habitação social”.
“Por estas razões, a auditoria em curso pro-curará dar respostas concretas sobre a forma como foram aplicados os fundos municipais, nos últimos mandatos, e irá propor medidas corretivas que irão contribuir para o reequilíbrio da economia do concelho e que representam um forte compromisso deste executivo para com os vila-realenses”, conclui.