É o regresso do antigo deputado aos palcos da política. Vai à Festa do Pontal e vai falar. Mas avisa que estará atento ao discurso do novo líder do partido. Confia em Luís Montenegro mas prefere jogar na expetativa de saber se o PSD mudou e se está pronto para se afirmar como uma oposição presente. Quanto à política de alianças diz que ainda é cedo para colocar o assunto em cima da mesa mas afasta desde logo qualquer entendimento com o CHEGA.
No que respeita às questões regionais, considera que há um desinvestimento em áreas críticas como a falta de água para a agricultura e que o adiamento da central de dessalinização se fica a dever à falta de vontade política. O mesmo que justifica também o adiamento sucessivo do Hospital Central do Algarve. Afirma-se um defensor da regionalização e entende que um referendo sobre o tema seria o seu toque de finados.
ENTREVISTA – Após uns anos sem se realizar, a Festa do Pontal regressa no próximo dia 14 ao Calçadão de Quarteira. Que expetativas para este ano no que respeita à mensagem política do novo líder Luís Montenegro?
Nas últimas eleições legislativas, a escolha dos portugueses foi categórica: confiar a responsabilidade de governo ao PS, com maioria absoluta, e atribuir ao PSD o papel de líder da oposição. Do meu ponto de vista, esse desenlace foi, em larga medida, explicado pelo facto do PSD não ter sido capaz de apresentar uma oposição presente, firme e consistente, muito menos uma alternativa de governo que fosse compreendida como substancialmente distinta do PS. Ora, em resposta à sua questão, a expetativa que tenho, e que creio que muitos portugueses têm, é a de saber se o PSD mudou, se cumprirá o papel de oposição que tem e se se mostra renovado nas políticas, nos protagonistas; se abre, no fim de contas, um novo capítulo da sua vida que seja capaz de atrair os cidadãos, para no futuro ser útil na mudança que o país cada vez mais precisa. E, nesse sentido, a Festa do Pontal, a rentrée política por excelência, é uma oportunidade a não esbanjar para que os portugueses fiquem a conhecer este novo PSD. É isso que desejo para o Pontal.
Por norma, estas iniciativas de verão são aproveitadas pelas lideranças partidárias para marcar a agenda política. Nos anos noventa Cavaco Silva subiu ao palco na doca de Faro para se afirmar como o homem do leme, um sound bite que ficou para o resto do seu mandato. Acha que Luís Montenegro é o homem do leme que o PSD precisa neste momento?
Não aprecio a ideia de figuras providenciais, são mais as vezes que são mitos do que a realidade. Não desejo homens do leme, nesse sentido. Ninguém por si só é capaz de renovar um partido. O que julgo é que Luís Montenegro é uma pessoa capaz e preparada, com experiência em processos políticos complexos e que está na política pelas boas razões. Além disso, beneficia de ter sido sufragado por uma esmagadora maioria de militantes, o que lhe assegura uma base de partida extraordinariamente importante para que venha a ser bem sucedido. Espero que assim seja, não por ele, por quem tenho muita estima, mas pelo país, o qual precisa do PSD e de que o PSD se faça útil ao país.
Das intervenções públicas conhecidas desde a sua eleição é possível perceber qual a estratégia a prosseguir pelo PSD para se afirmar como alternativa de poder ao PS? Subscreve?
Por agora, é preciso reafirmar o PSD como esteio de uma oposição responsável, mas atuante; depois, sim, encetar o esboço das linhas de força duma alternativa de governação. É isso que se está a fazer. Tudo a seu tempo. Mas o facto de Luís Montenegro ter vindo a dar realce à delapidação da igualdade de oportunidades, por exemplo, tratando prioritariamente temas como o acesso à saúde ou à educação, em que se correm riscos, cada vez mais agudos, de se criar um país mais desigual e em que os cidadãos só dispõem de direitos sociais na Constituição, é revelador de entrosamento com o que as pessoas sentem no dia-a-dia a respeito de grandes questões a que o Estado tem que responder.
Relativamente à política de alianças o partido deve caminhar sozinho ou procurar apoios entre as formações mais próximas?
Não há qualquer eleição pela frente, por isso não se coloca a questão de qualquer coligação.
Qualquer entendimento com o Chega é uma solução perniciosa e irrealizável, ou a liderança de Luís Montenegro deve estar aberta a um acordo com o partido de André Ventura que viabilize um governo do PSD se tal situação se apresentar como necessária?
O Chega é demasiado diferente do PSD para que essa questão se venha a colocar. Respeito os eleitores que votaram CHEGA, mas as traves mestras do PSD são irreconciliáveis com aspetos centrais da intervenção política do CHEGA.
Enquanto líder do PSD/Algarve, tem estado muito ativo nas redes sociais. Há dias apresentou-se com a frase bombástica Há gente que não quer trabalhar, para denunciar as políticas de apoio social como incentivo à inação de quem vive à custa de quem trabalha. Não receia de que o acusem de se apresentar como um populista de frase feita e bombástica para criar simpatias fáceis?
Dizer as coisas como elas são não costuma trazer grandes simpatias. É um facto que há muita gente que não quer trabalhar. Basta verificar que muitos daqueles que são chamados para entrevistas de emprego no âmbito do IEFP, ou não comparecem ou insinuam indisponibilidades para não serem contratados. Também é um facto que no Algarve questões como a mobilidade, a habitação e, nalguns casos, a discrepância entre qualificações e ofertas de emprego constituem poderosos desincentivos que explicam esta realidade. Ao longo dos anos, tenho-me empenhado a favor de políticas públicas específicas para o tecido económico e social da região, mas os governos, em geral, são centralistas e hostis a moldar as decisões em função de problemas específicos de uma dada região.
De uma coisas temos todos que nos convencer: para que a região deixe de ser de baixos salários, precisamos de uma economia mais diversificada, com expressão em setores de ponta, com maior produtividade e qualificação, menos ancorada no turismo e com melhor turismo. E, para isso, temos que mudar muita coisa.
Quanto ao novo aeroporto de Lisboa, ao estatuto público ou privado da TAP, o que é que defende, e como vê o serviço da transportadora aérea para o Algarve?
Todas as opções que já foram estudadas têm virtudes e defeitos. O mais importante é decidir e, infelizmente, ao longo dos últimos sete anos, o Governo foi incapaz de adotar qualquer solução. Recordo que, em 2015, no final da governação PSD/CDS tinha ficado encaminhada a decisão Portela + Montijo. Este dossier está a ser liderado pelo Presidente do PSD diretamente com o Primeiro-Ministro e tudo o que for ruído público sobre o tema é indesejável.
A TAP não deve ser pública, tal como está à vista de todos. O que é necessário, e isso foi previsto aquando da privatização de 2015 que veio a ser revertida no ano seguinte, é definir quais as rotas que o Estado entende imprescindíveis para que uma missão de serviço público esteja assegurada e exigi-lo de quem prestar a operação. Exemplos: Madeira, Açores, países lusófonos. As outras rotas o mercado encarrega-se de as assegurar, sem qualquer interferência e risco por parte do Estado.
Quanto ao Algarve, numa das minhas últimas intervenções parlamentares, confrontei o Ministro Pedro Nuno Santos com a exiguidade da presença da TAP em Faro e a resposta que obtive foi a de que nesta nova encarnação da TAP pública pós-pandemia tudo iria mudar. Nada mudou, até agora.
Na temática regional há um conjunto de assuntos que vão marcando a atualidade: incêndios e política florestal, seca e recursos hídricos e Hospital Central. Sabendo que uma solução estrutural de recursos hídricos demora tempo, que soluções preconiza a curto e médio prazo para mitigar os efeitos de seca prolongada?
Governar tem que ter mais de prevenção do que de reação. As soluções de longo prazo são sempre preferíveis a remendos de curto prazo. A seca no Algarve já há muito que não é uma questão conjuntural, mas sim de ordem estrutural, embora ainda não tenha sido elevada a prioridade política, o que sucede apenas quando se verificam fenómenos de seca extrema, tal e qual aquele que estamos a atravessar. Depois, esquecemos novamente.
Esta inação conduz a que se crie um clima de conflitualidade entre atividades económicas, o qual se poderia prevenir em larga medida se houvesse um plano de desenvolvimento económico da região que fosse estribado nas possibilidades hídricas de futuro e, por outro lado, a definição de todas as atividades com essas possibilidades.
Portanto: 1) É preciso responder às necessidades da Agricultura, que viu cortado o acesso à barragem da Bravura, regista graves problemas nas culturas de regadio e sequeiro, e necessita de apoios para preservar os postos de trabalho e assegurar a sobrevivência de muitas pequenas explorações agrícolas; 2) É preciso avançar rapidamente para a reutilização de águas residuais para outros fins e avançar com a generalização da rega gota-a-gota, onde possível; 3) É preciso campanhas de poupança de água e incentivo imediato a que se avance para as obras estruturais que diminuam as perdas do sistema, as quais atingem perto de 30%; 4) É preciso que se avance com a dessalinização, encontrando formas de mitigar passivos ambientais e custos exorbitantes.
O que tem travado a concretização de projetos como a central de dessalinização e o Hospital Central?
A resposta é simples: não são prioridades políticas. O novo hospital central foi definido como a segunda prioridade hospitalar a nível nacional. Estão em curso 5 hospitais e o Algarve não. Isto diz tudo. A dessalinização é reveladora de falta de liderança política: na articulação que está a ser feita com os municípios ninguém se entende sobre a sua localização e o processo arrasta-se sem solução à vista.
Considera que o Algarve continua a ser um parente pobre do poder central apesar de contribuir com cerca de 5% para a riqueza do país?
Considero. Mas todos nós somos também responsáveis por isso. Ainda não encontrámos uma plataforma comum, política, económica e social, para reforçar a nossa magistratura de influência. É um aspeto em que a região tem que evoluir muito.
O governo acusa o PSD de não estar com o processo de descentralização para as autarquias, enquanto este afirma que o PS faz que anda, mas não anda. Os autarcas sociais-democratas deviam recusar o acordo?
Creio que não. É um facto que o processo foi mal preparado, revela pouca ambição, apenas abrange as áreas da saúde e educação, mas é um passo útil que, mais tarde ou mais cedo, terá que ser aprofundado e alargado a outras áreas, como a ação social, os imóveis do Estado, a orla costeira ou as zonas portuárias. Há muito por fazer e é melhor um pequeno acordo do que acordo nenhum.
Luís Montenegro já se mostrou contra a realização de novo referendo sobre a regionalização. Há quem veja nisso o posicionamento do PSD contra a regionalização. Qual é a sua opinião sobre o assunto, a favor ou contra?
Sou conceptualmente defensor da regionalização. Agora, em concreto, é preciso saber que competências, que envelope financeiro, a sua articulação com o poder central e com os municípios, etc. Nada disso é conhecido, nem sequer estudado e preparado. Creio que fazer um referendo nas presentes circunstâncias seria o toque de finados da regionalização em Portugal.
Não foi incluído nas listas de deputados, alegadamente por ter sido um opositor à liderança de Rui Rio. Reconhece hoje que esteve menos bem nesse processo, sabendo-se ainda que não terá sido um entusiasta da candidatura de Luís Montenegro?
Não tenho arrependimentos. As posições que tomei foram por convicção. Numa eleição, entre Rui Rio e Paulo Rangel, escolhi quem entendia que era melhor candidato, nada mais. Não mudaria nada, nem estou disponível para sacrificar as minhas convicções por lugares.
A Festa do Pontal será a festa da reconciliação?
O passado está lá atrás. O partido está pacificado e com vontade de abrir um ciclo novo.
Vai procurar “marcar” esta Festa do Pontal ao usar da palavra?
Claro que sim. Vou transmitir o que acredito essencial para a minha região e para o meu país.