Muitas das pessoas que escrevem têm numa ou noutra biblioteca “uma segunda casa”.
É o caso de Maria Teresa Horta, escritora de 85 anos, cuja biografia foi publicada recentemente, com o título A Desobediente, escrita por Patrícia Reis.
Maria Teresa Horta frequentou durante muitos anos a Biblioteca Palácio Galveias e para ela este espaço foi uma segunda casa. Reside perto da Biblioteca e lá passava os dias, indo a casa para as refeições e para dormir e de manhã voltava para pesquisar e escrever. Estudou a vida do Séc. XVIII e redigiu As Luzes de Leonor, grande parte do tempo, na Biblioteca Palácio Galveias. A obra demorou treze anos a ser escrita e foi publicada em 2011 e nesse mesmo ano foi distinguida com o Prémio D. Dinis.
A Biblioteca Palácio Galveias foi das que mais frequentei durante a vida académica a par da Biblioteca Nacional, também em Lisboa. Por isso, é bom voltar a esta casa para assistir e acompanhar a sua vasta oferta cultural, que chega a ter 450 iniciativas num ano.
Recentemente estive numa visita guiada com a coordenadora da Biblioteca, Drª Fernanda Bandeira, a quem agradeço a forma dedicada e entusiasta como conta a história e salienta detalhes e curiosidades sobre este tão nobre espaço de Lisboa, que juntamente com os seus magníficos jardins perfaz um total de 4200m2.
O edifício foi, em tempos, a casa da família Távora. Primeiro como casa de campo, designada também como quinta de recreio, pois a família vivia no Chiado. Mais tarde, depois do terramoto de 1755, passou a residência permanente. Foi deste edifício que saíram para não mais voltar. O Processo dos Távoras terminou com a execução pública, em Belém, de quase todos os elementos desta família.
Os acontecimentos foram desencadeados pela alegada tentativa de assassinato do rei D. José I em 1758. Foi considerado o maior escândalo político português do século XVIII.
Só em 1929 é que o edifício foi adquirido pela Câmara de Lisboa e mais tarde transformado em Arquivo, Biblioteca e Museu Municipal. A inauguração da Biblioteca realizou-se a 5 de Julho de 1931.
Hoje, este espaço, para além de ser procurado para consulta de obras literárias, local de estudo ou acesso à Internet, é um espaço com uma imensa e diversificada programação cultural enquadrada pelo Plano Estratégico Municipal “Bibliotecas XXI”, que privilegia a participação cívica e o envolvimento com a comunidade.
Neste mês, Lisboa é a cidade convidada da Feira do Livro de Buenos Aires e a apresentação oficial desta participação foi feita na Sala Saramago da Biblioteca Palácio Galveias. Pode dizer-se que esta foi uma excelente sala de visitas que permitiu dar a conhecer internacionalmente este espaço cultural da capital portuguesa.
Creio que ninguém fica indiferente à beleza desta Biblioteca. Logo no átrio encontram-se painéis de azulejos que se prolongam por toda a extensão curva das paredes, tal como em outros locais do edifício, incluindo jardins. No piso térreo, na sala que fica a sudoeste é possível ver azulejos policromos do século XVII vindos do Convento do Quelhas.
Esta Biblioteca deveria fazer parte de um roteiro turístico de Lisboa e, porque não, também de um roteiro literário!
São muitos os escritores de renome que têm passado horas de escrita nas salas desta Biblioteca com capacidade para 300 leitores sentados e que recebe entre 700 a 800 visitantes por dia.
O Nobel da Literatura, José Saramago, dizia que foi nesta biblioteca que “aprendeu realmente a ler”. Como homenagem ao escritor, a maior sala do piso térreo tem o seu nome.
Em 2021 o Salão Nobre da Biblioteca Palácio Galveias passou a chamar-se Sala Agustina Bessa-Luís.
Em 2022, nasceu a Sala Herberto Helder, onde todos os títulos da sua colecção pessoal, adquiridos pela Câmara Municipal de Lisboa, estão expostos de acordo com a disposição da biblioteca original do poeta.
Maria Teresa Horta, como referido, passou anos da sua vida nesta Biblioteca. É descendente de Leonor de Almeida Portugal, 4ª Marquesa de Alorna, neta dos marqueses de Távora e escrever um romance biográfico, que tem mais de 1000 páginas, sobre esta figura histórica, num lugar histórico foi um dos pontos altos da sua vida literária.
Na conversa que tivemos pessoalmente, Maria Teresa Horta referiu a forma simpática como os responsáveis desta Biblioteca sempre colaboraram disponibilizando livros vindos de outras bibliotecas e facilitando que os tivesse em casa quando precisasse.
Foi maravilhoso passar uma tarde com a escritora e ver o entusiasmo com que fala da sua pentavó e o quanto tudo o que foi conhecendo sobre ela a inspirou. Falámos sobre outras mulheres importantes na sua vida como Marguerite Duras, Simone de Beauvoir, Natália Correia e Sophia de Mello Breyner.
O fascínio pela Marquesa de Alorna e por mulheres que escreveram poesia e que lutaram por uma sociedade mais justa e igualitária esteve presente nesta conversa com a escritora, jornalista e poeta. Como é do conhecimento público, foi processada e julgada em 1972 e é uma das autoras do livro Novas Cartas Portuguesas, juntamente com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, que já partiram. Ficaram conhecidas como As Três Marias e protagonizaram o último caso de perseguição a escritores em Portugal.
Para conhecer mais sobre a escritora vale a pena ler A Desobediente – Biografia de Maria Teresa Horta da autoria de Patrícia Reis e publicada em Março deste ano pela Contraponto Editores, uma chancela da Bertrand Editora.
Para conhecer mais sobre a Biblioteca Palácio Galveias vale a pena visitá-la, porque é um “lugar mágico, carregado de histórias, onde se sente a vibração da cidade e do seu passado, nesta Biblioteca contam-se histórias da nossa História”.
E claro, participar nas inúmeras actividades, como por exemplo os ciclos de conferências sobre os 500 anos de Camões ou no concerto de Joana Alegre, integrado nas comemorações municipais dos 50 anos do 25 de Abril, no próximo dia 26 nos Jardins do Palácio Galveias. A programação pode ser consultada em blx.cm-lisboa.pt
Para ver mais fotos e os vídeos da conversa com Maria Teresa Horta siga @bibliotecofilia no Instagram.
*A autora escreve de acordo com a antiga ortografia
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