A opção de dedicar o artigo deste mês à Biblioteca Natália Correia deve-se ao facto de 13 de Setembro ser o dia em que se comemora o seu 100º aniversário do nascimento.
A Biblioteca Natália Correia está integrada na Rede de Bibliotecas de Lisboa (BLX).
Trata-se de uma Rede que engloba várias bibliotecas do concelho de Lisboa. Gostei imenso de visitar esta Biblioteca que está muito bem organizada e onde é possível ver, logo ao chegar, um mural dedicado à sua patrona. É da autoria do artista Diogo Favita Camilo e ocupa a totalidade de uma das paredes exteriores do edifício.
Esta Biblioteca localiza-se no Bairro Padre Cruz, em Carnide, e é considerada uma biblioteca de bairro com grande proximidade com a população, sendo a maior parte dos utilizadores residente do próprio bairro.
Este Bairro é o maior bairro social de génese municipal existente na Península Ibérica.
A inauguração do espaço da Biblioteca realizou-se em Outubro de 1996, mas a denominação de Biblioteca Natália Correia foi aprovada em reunião da Câmara Municipal de Lisboa, sob presidência de João Soares, em 8 de Março de 1998.
No livro História e Memórias do Bairro Padre Cruz – Construir a cidade à escala humana, de Fátima Freitas, há essa referência: “1998/03/08 – A CML atribuiu o nome de Natália Correia (1923-1993), referência de vulto na literatura portuguesa, à antiga Biblioteca Municipal de Carnide.”
A Biblioteca foi gerida até 2013 pela Câmara Municipal de Lisboa e perto do final desse ano passou a ser gerida pela Junta de Freguesia de Carnide, depois de obras de reestruturação.
Tem 2298 leitores e a maioria é residente no bairro ou imediações. De destacar o seu importante papel social junto de uma população com baixo índice de escolaridade e poucos hábitos de leitura. A Biblioteca tem dado um grande contributo para a literacia funcional e digital.
É frequentada por todas as gerações: os idosos vão ler o jornal ou pedir ajuda para ler cartas ou preencher documentação.
Sempre que a Biblioteca organiza uma formação na área das TIC’s há imensa adesão, pois para muitos é a oportunidade de aprender e de contactar com equipamentos informáticos.
Uma outra actividade da Biblioteca é a “Oficina para Adultos” que consiste na leitura de textos previamente escolhidos e a partir desses textos os participantes realizam trabalhos manuais inspirados em palavras ou situações referidas nos textos. Estas “manualidades” resultam em trabalhos criativos e desenvolvem hábitos de frequência da Biblioteca.
Entre 2016 e 2020 existia a iniciativa “Às Sextas com Chá” que era um género de Clube de Leitura e que também deu frutos levando mais público para a Biblioteca.
No âmbito do centenário de Natália Correia pode encontrar-se no balcão de entrada da Biblioteca a iniciativa “Leve as palavras de Natália consigo”. São rifas poéticas em que sai sempre um poema!
“E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.”
Natália Correia
(excerto do poema intitulado Auto-Retrato publicado em 1955)
A forte personalidade de Natália Correia e a sua pluralidade são fascinantes e ela expressa-o bem em toda a sua obra, como se percebe no trecho acima referido.
Natália Correia nasceu em 1923 nos Açores (Fajã de Baixo em S. Miguel) e com 11 anos veio com a mãe e a irmã para Lisboa, onde viveu até falecer aos 69 anos.
Notabilizou-se através de diversas vertentes da escrita, já que foi poeta, dramaturga, romancista, ensaísta, tradutora, jornalista, guionista e editora.
Natália Correia para além de uma vida dedicada à escrita teve também uma vida dedicada a causas e ter sido deputada à Assembleia da República permitiu-lhe expressar e defender, de forma bastante aguerrida, aquilo em que acreditava. Aliás, “a Natália teve muitas vidas”, como refere a sua biógrafa Filipa Martins.
Desde o dia 16 de Março deste ano, em que foi lançado O dever de deslumbrar – Biografia de Natália Correia, comecei a ler este livro de 695 páginas que tem informação muito detalhada e uma escrita cativante.
A data para o lançamento não foi aleatória, foi escolhido o dia em que passaram 30 anos sobre a morte de Natália.
Era uma mulher culta, embora sem formação académica, mas certamente frequentou bibliotecas. Aliás, criou uma pequena biblioteca dentro do hotel onde tinha um quarto.
Foi casada com o dono do Hotel Império que passou a chamar-se, desde os anos 70, Hotel Britânia. Fica situado na Rua Rodrigues Sampaio, perto da Avenida da Liberdade, e foi projectado pelo arquitecto modernista Cassiano Branco nos anos 40.
Estive recentemente a conhecer o espaço, cuja arquitectura Art Déco contribuiu para ser classificado como edifício histórico de Lisboa. Todo o hotel é dedicado a Natália Correia, a começar pela decoração do bar com uma frase de Camões de que Natália gostava. O seu quarto mantém alguns objectos pessoais e a cama onde dormia e escrevia (na biografia é referido que Natália Correia gostava de escrever semi-deitada na cama).
A sala tem uma pequena biblioteca, tem fotografias de Natália e um frapé com o seu champanhe preferido. É um espaço muito acolhedor, até tem lareira!
Que a poesia, a coragem e as palavras proferidas por Natália Correia perdurem e inspirem uma vez que foi uma das vozes que simbolizou, como poucas, as inquietações do século XX português.
*A autora escreve de acordo com a antiga ortografia
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