A revolução de 25 de Abril de 1974 completa dentro de dias meio século. Sophia de Melo Breyner descreveu-a na dimensão simbólico-afectiva “…a madrugada que eu esperava, o dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio e livres habitamos a substância do tempo”.
Para quem da vida dos povos e culturas reconhece evidentes continuidades encontramos sempre esperança nas revoluções.
A revolução de 1974 foi o culminar de um longo processo sonhado e lutado, que se inscreve nas aspirações multisseculares do povo português e dos povos colonizados.
Ao estudarmos a história da cultura portuguesa vemos inscritas vivências de gerações e ideários revolucionários, o humanismo do século XVI, o iluminismo e liberalismo dos séculos XVIII-XIX, a representação democrática e laica do republicanismo do século XX, em todas o desejo de dignidade e igualdade.
Nesta última Revolução reconhecemos elementos da cultura multisecular, o providencialismo romântico e algo sebastiânico da madrugada libertadora, o universalismo descolonizador que originou sete países soberanos na África e Ásia, uma das línguas mais faladas do mundo, relações igualitárias com outros povos.
Porque surgem revoluções?
Por causas profundas, bloqueamentos sociais e injustiças, acontecimentos singulares que as despoletam, por vezes inicialmente meramente corporativos.
Como nas revoluções, de 1385, 1640 ou 1910 houve grandes transformações.
A partir de 1974 vivemos mutações político-constitucionais, socioeconómicas e demográficas, o regresso de um milhão de portugueses das ex-colónias, aumento da população residente e de origem estrangeira (hoje 10%) do total), da esperança de vida e envelhecimento, baixa da fecundidade e natalidade, a integração na UE,…
Mudanças culturais e comportamentais resultaram do reconhecimento dos direitos femininos, de família e individuais, da democratização do ensino e às universidades, escolaridade obrigatória até ao 12º ano (analfabetismo era de cerca de 25% em 1974), Serviço Nacional de Saúde, Segurança Social para todos…
Sobre as últimas cinco décadas (1974-2024) urge realizar um balanço objectivo e fundamentado, sobre o modelo de democracia e elites políticas, a soberania, as causas das assimetrias, (des)ordenamento do território, planeamento de recursos, segurança alimentar, sustentabilidade ambiental, emprego e salários,…
Sendo inviável o “Portugal ultramarino, pluricontinental e multirracial” do Estado Novo, passou-se numa década a “europeus”, opção facilitadora de recursos compensadores da descolonização, da instalação de uma economia liberal aberta.
A cultura são os valores, identidades artificializadas promovem políticas apátridas ditas “globais”, estas não reconhecem a história nem patrimónios, mas mercados.
Revoluções humanistas como o 25 de Abril são o reencontro com a história dos povos e culturas, valorizá-las estimula potencialidades e previne retrocessos.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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