A cultura popular, essencialmente camponesa, caracteriza-se pela relação com a natureza, as festas cíclicas com consumo de produtos da terra, celebrações comunitárias muitas de origem pagã posteriormente cristianizadas.
Com a industrialização, a urbanização, a maioria das populações residindo em cidades, a cultura popular perdeu relevância, os valores alteraram-se, surgiu a cultura de massas que o mundo anglo-saxónico chamou “pop”, dinamizada pelas indústrias culturais de entretenimento e consumo.
No final do século XIX cresceu o interesse pela cultura popular, fenómeno ligado à formação do Estado-Nação, impulsionado pelo nacionalismo romântico, pelos movimentos filosófico-literários e sociais saídos da Revolução Francesa, pela revolução industrial, o positivismo e o evolucionismo que estruturaram as novas ciências sociais.
A construção dos Estados Nação necessitou de fundamentação popular, resultou da decomposição de três impérios dominantes, o otomano, o russo e o austro-húngaro.
Um Império englobava diferentes nações vivendo nos territórios conquistados e tutelados pela potência imperial-colonial, as classes populares foram mobilizadas para funções militares e outras tarefas de colonização.
No século XIX ocorreram em Portugal reformulações de valores, foi o século da descoberta tardia da cultura popular. Surgiram os pioneiros das ciências sociais, foi também necessário explicar as origens e existência de uma nação antiga com um extenso Império Colonial resultante das navegações dos séculos XV e XVI, atingido no século XIX pela primeira perda, a independência do Brasil em 1822.
Na Conferência de Berlim de 1884 que tratou da divisão da África pelas potências europeias, o Império português foi posto à prova com a oposição de Inglaterra ao “mapa cor-de-rosa”. Portugal propunha unir territorialmente Angola a Moçambique, promovendo expedições e colocou alguns destacamentos militares para confirmar a posse efectiva dos territórios.
Os ingleses tinham um projecto de ligação ferroviária entre o sul e o Cairo, estavam interessados na África do Sul e Rodésia, entregaram em 1890 um “ultimatum” exigindo a retirada dos portugueses que foi aceite pelo rei D. Carlos. A hostilidade inflamou a nação, houve manifestações populares contra as monarquias britânica e portuguesa.
A cultura nacional passou a estar no centro das atenções, sobretudo através da arqueologia, antropologia, filologia e linguística que deram corpo ao estudo das origens da nação, analisando família, costumes, tradições, mitologia, espólios arqueológicos, …
Consiglieri Pedroso (1851-1910) centrou-se na etnologia e estudos de família, Adolfo Coelho (1847-1919) na educação e Leite de Vasconcelos (1858-1941) na arqueologia, foram as figuras marcantes deste período. Na etnografia promoveram-se estudos regionais, o Algarve foi analisado com detalhe por Ataíde de Oliveira nos contos e lendas das mouras, Estácio da Veiga na arqueologia com incursão no romanceiro medieval.
Os pensadores novecentistas acreditavam que a cultura popular era a “essência” da nação, Portugal era um caso de antiguidade, sobrevivência e expansão. A intelectualidade mantinha-se voltada para o estrangeiro, o movimento liberal e republicano não aceitava o bloqueio das ideias progressivas e o atraso na modernização.
As conferências do Casino de 1871 procuraram fazer o balanço dos séculos anteriores, Antero de Quental produziu com grande impacto a célebre conferência “Causas da decadência dos povos peninsulares”, a sexta conferência foi proibida pelas autoridades…
A cultura popular sempre existiu, produzida pelas vivências das comunidades, multifacetada e rica, desvalorizada ou excluída, foi frequentemente usada como instrumento ideológico de afirmação e representatividade política.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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