Em artigos anteriores procurámos salientar que a arte pode ajudar a que as pessoas tomem consciência da importância do seu comportamento para a preservação do ambiente, em particular para a necessidade de não desperdiçarmos e para a separação do lixo, permitindo a reciclagem e a reutilização dos materiais.
Sendo a produção artística expressão da época em que ocorre, na atualidade o “lixo” é cada vez mais utilizado numa perspetiva de chamar a atenção para as questões ambientais.
A utilização do lixo nas artes visuais está muito ligada à arte urbana, dizendo respeito a manifestações artísticas realizadas no espaço público, coletivo ou urbano, e traduzindo uma aproximação da arte às pessoas.
Inclusivamente, há cidades ou zonas em cidades que têm melhorado a qualidade de vida dos seus habitantes devido às intervenções realizadas em arte urbana. É o caso de Loures, por alguns considerada uma “galeria a céu aberto”, desde que realiza os eventos “Loures Arte Pública”.
Ao criarem imagens com aquilo que destrói a natureza, que a vai degradando, os artistas pretendem chamar a atenção para a sustentabilidade do planeta e a gestão dos recursos naturais.
Nomeadamente, tem sido usado plástico por muito artistas, procurando chamar a atenção para a quantidade de plástico existente nos oceanos, constitui cerca de 85 % do lixo encontrado zonas costeiras de todo o mundo, formando já “ilhas” no oceano e destruindo o ecossistema. Em Portugal, a bióloga marinha Ana Pêgo criou o projeto “Plasticus Maritimus”, sendo muito do lixo encontrado nas praias convertido em obras de arte.
A importância da descarbonização e a poluição existente é também um tema que preocupa muitos artistas. Por exemplo, o artista chinês Nut Brother, em 2015, passou 100 dias a aspirar o ar das ruas de Pequim, durante cerca de 4 horas diárias, tendo no final fabricado um tijolo a partir da poluição aspirada, procurando consciencializar para o problema da poluição do ar em Pequim. Este mesmo artista realizou posteriormente uma outra iniciativa em que procurava consciencializar para a poluição considerada potável da água na China.
Por seu turno, no sentido de alertar para a importância da floresta e para consciencializar a população sobre o desmatamento e as mudanças climáticas, o artista suíço Klaus Littmann concretizou o projeto “For Forest” (“Pela Floresta”), tendo sido plantadas 300 árvores, de 16 espécies, vindas de vários países, num estádio de futebol na Áustria. No seu site, Klaus refere que “este projeto é um aviso de que a natureza, que agora não é valorizada, algum dia só poderá ser encontrada em espaços especialmente designados, como já é o caso dos animais no zoológico”.
Como tem referido a jovem Greta Thumberg, “ouçam os cientistas”; e, já agora, apreciem as produções artísticas e adotem comportamentos que contribuam para a preservação do ambiente!
As novas gerações vão viver no mundo que ajudarmos a criar e, por muitas diferenças que haja entre as pessoas, as culturas e os países, o planeta terra é a Casa de todos nós, sendo fundamental ajudar a preservá-lo!
De entre os artistas portugueses que produzem obras a partir do aproveitamento daquilo que os outros desperdiçam destaca-se Bordalo II. Este é um dos principais nomes portugueses em arte urbana, utilizando “lixo” para construir obras/instalações/composições de grande dimensão com uma consciência ambiental.
No processo de produção das suas obras, o autor recolhe materiais, corta, adapta o material recolhido, monta a peça, fixa-a no sítio onde vai ficar e, se for o caso, pinta-a. Estas peças são desenvolvidas maioritariamente com a utilização de plásticos de alta densidade, que já não servem para aquilo a que se destinavam.
Recentemente foram criadas em Faro duas peças escultóricas com cerca de 10 metros de altura pelo artista Bordalo II, ambas representando um Cavalo Marinho, encontrando-se uma no Campus de Gambelas da Universidade do Algarve e outra no Parque de Campismo da Praia de Faro, pretendendo contribuir para a necessidade de consciencializar para a importância de preservar esta espécie.
Há também artistas algarvios que têm procurado realizar trabalhos a partir do lixo, numa perspetiva de reutilização de materiais. É o caso de João Jesus, autodidata que aproveita engrenagens, cambotas de motor, molas de suspensão, correntes de transmissão, entre outras componentes da sucata de motos, bicicletas e automóveis para criar as suas obras. Uma deles foi precisamente um cavalo-marinho feito com componentes de mota, como discos e pastilhas de travão, rebites e parafusos.
Um outro algarvio é algarvio David Mota, conhecido por Cortiço, o qual produz peças de arte feitas em cortiça. Tendo-se licenciado em Artes Visuais pela Universidade do Algarve, escolheu a cortiça como matéria prima preferencial das suas obras pois permitia-lhe trabalhar com a natureza na sua textura de uma forma direta e contrastá-la com o cimento da cidade. Além disso, considera que as obras produzidas transportam consigo uma identidade regional, bem como uma mensagem ecológica.
Desta forma, a arte pode ser produzida de forma mais ecológica, reaproveitando ou reutilizando materiais, numa perspetiva de economia circular.