A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) apresentou esta sexta-feira a sua proposta tarifária para 2022. O documento, crucial para sabermos como irá variar a fatura da eletricidade em janeiro, é aguardado com expectativa redobrada num momento em que os preços grossistas da eletricidade apresentam níveis historicamente elevados, deixando os comercializadores do mercado liberalizado sem saber até quando conseguirão manter os seus tarifários.
Eis sete perguntas e respostas sobre como funciona o cálculo das tarifas reguladas.
QUE TARIFAS DETERMINA A ERSE?
A ERSE determina as tarifas transitórias de venda a clientes finais, isto é, os preços finais a pagar em 2022 pelas famílias que são abastecidas pelo comercializador de último recurso (CUR). A figura do CUR é desempenhada pela SU Eletricidade (antiga EDP Serviço Universal) em 99% de Portugal Continental (há uma parcela residual do território coberta por outros CUR de pequena dimensão, como cooperativas) e pela Eletricidade dos Açores e Eletricidade da Madeira. Estas tarifas reguladas abrangem atualmente mais de 900 mil famílias, mas a maior parte dos consumidores (mais de 5 milhões) são abastecidos no mercado liberalizado.
Mas as tarifas que a ERSE propõe anualmente também incluem as tarifas de acesso à rede, e essas também se aplicam, por igual, a todos os comercializadores que fornecem energia no mercado liberalizado, e que abrange mais de 5 milhões de consumidores.
SÓ HÁ UMA ATUALIZAÇÃO ANUAL?
Não necessariamente. Todos os anos a ERSE faz uma atualização para os preços regulados a vigorar de 1 de janeiro a 31 de dezembro, mas o regulador tem a possibilidade de proceder a revisões trimestrais extraordinárias dos preços finais para clientes regulados sempre que haja desvios significativos entre as previsões de preços grossistas do regulador e os preços efetivamente verificados no mercado no decurso do ano. Este ano, com o disparo dos preços grossistas, a ERSE já foi obrigada a atualizar as tarifas reguladas duas vezes, em julho e em outubro, com aumentos médios de cerca de 3% em cada uma das atualizações.
O QUE DISTINGUE O MERCADO REGULADO DO LIBERALIZADO?
O mercado da comercialização regulada tem os preços finais integralmente determinados pela ERSE. No mercado liberalizado os preços finais (para famílias e empresas) têm uma parcela determinada pelas tarifas de acesso aprovadas pela ERSE mas também variam em resultado da estratégia comercial de cada fornecedor e da capacidade que ele tenha para adquirir eletricidade no mercado grossista a preços mais altos ou mais baixos, bem como das margens que queira praticar.
A figura do CUR (no mercado regulado) existe para garantir que, quaisquer que sejam as estratégias dos comercializadores no mercado liberalizado, nenhum consumidor de eletricidade deixa de poder ter acesso à energia: o CUR tem a obrigação de aceitar todo e qualquer cliente.
COMO É QUE O REGULADOR DETERMINA AS TARIFAS?
Todos os anos, a 15 de outubro, a ERSE apresenta uma proposta tarifária para o ano seguinte, que é apreciada pelo seu Conselho Tarifário, o qual emite um parecer no prazo de um mês, e em função disso a ERSE pode ou não alterar a sua proposta, até apresentar a versão definitiva das tarifas a vigorar no ano seguinte, versão essa que é publicada a 15 de dezembro.
O cálculo das tarifas reguladas é complexo. Parte de um conjunto de custos fixos do sistema elétrico (como a remuneração dos concessionários de transporte e distribuição de eletricidade, as rendas pagas aos municípios, a remuneração garantida a alguns produtores, como os de energia eólica, solar e cogerações, e ainda outras rubricas). Mas contempla também uma série de custos variáveis (assentes, em grande parte, em previsões de consumo e de preços grossistas para o ano seguinte), bem como a recuperação de desvios ocorridos nos anos anteriores face às previsões do regulador e ainda a amortização de dívida tarifária gerada no passado.
Em cada ano, antes de 15 de outubro, a ERSE faz o exercício de somar todos esses custos esperados para o ano seguinte e reparti-los pelos diferentes níveis de tensão do sistema elétrico (alocando-os de diferentes formas aos clientes domésticos, servidos na baixa tensão normal, e aos empresariais, servidos na baixa, média e alta tensão), calculando as tarifas de acesso à rede (aplicáveis a todos os consumidores, mesmo os que estão no mercado liberalizado). Desse exercício pode resultar uma necessidade de aumento das tarifas, redução ou estabilização face ao ano anterior.
OS PREÇOS RECORDE INFLUENCIAM AS TARIFAS?
Sim. A presente conjuntura de preços grossistas de eletricidade muito elevados na Europa também afeta o cálculo das tarifas, de várias formas. Por um lado, aumentou o custo real da eletricidade em 2021, para níveis superiores aos estimados pela ERSE nas tarifas para 2021, gerando um desvio (défice) que tem de ser recuperado no ano que vem. Por outro lado, o facto de o preço grossista ser em 2021 mais alto que o previsto pela ERSE também significa que o sobrecusto da produção em regime especial (renováveis, cogerações e outros produtores com remuneração garantida) será menor que o previsto (o que gera um desvio favorável aos consumidores, a devolver em 2022).
E há ainda um outro efeito: os contratos futuros para 2022 estão substancialmente mais caros do que os preços estimados nas tarifas de 2021, o que significa que o custo de referência de aprovisionamento do CUR (para as mais de 900 mil famílias com tarifas reguladas) deverá ser mais alto; ao mesmo tempo se a ERSE considerar para 2022 um preço de referência ao nível dos contratos futuros, isso significará que a produção do regime especial em 2022 não terá sobrecusto, mas sim um ganho líquido para o sistema elétrico, baixando de forma substancial as tarifas de acesso à rede aplicáveis a clientes domésticos.
O QUE SÃO “PROVEITOS PERMITIDOS”?
Aquilo que pagamos na fatura de eletricidade não é só a eletricidade propriamente dita. Tem também custos com as redes de distribuição e transporte e com a gestão do sistema elétrico, entre muitas outras rubricas. Uma parte importante da estrutura tarifária são os “proveitos permitidos”, isto é, receitas permitidas a um conjunto de operadores do sistema elétrico com atividades reguladas, que são uma componente de custos mais previsíveis.
Entre as entidades que têm proveitos permitidos estão a REN (concessionária da rede de transporte de eletricidade), E-Redes (a antiga EDP Distribuição tem a concessão da rede de distribuição), SU Eletricidade (comercializador de último recurso), Eletricidade dos Açores e Empresa de Eletricidade da Madeira.
Estes proveitos permitidos remuneram estas empresas pelas suas atividades, em termos pré-definidos nos regulamentos do sector, conferindo a essas empresas receitas previsíveis, mas que podem variar, para cima ou para baixo, em função da maior ou menor eficiência que apresentem na gestão das suas operações, e em função dos ajustamentos que a cada ano são feitos para compensar desvios face às previsões de anos anteriores.
O QUE É A DÍVIDA TARIFÁRIA?
Sempre que os custos anuais do sistema elétrico ultrapassam as receitas geradas com as tarifas determinadas pela ERSE gera-se um défice tarifário. A soma de défices ao longo dos anos foi produzindo uma dívida tarifária no sector elétrico, que constitui um crédito das entidades reguladas (principalmente a SU Eletricidade), mas que estas podem titularizar (vender a terceiros).
A dívida tarifária projetada pela ERSE para 2021 foi de 2,76 mil milhões de euros (estável face a 2020), e já bastante abaixo do pico de 5,08 mil milhões de euros registado em 2015. Nos últimos cinco anos o sistema elétrico tem conseguido gerar excedentes tarifários anuais, que permitiram amortizar boa parte dessa dívida tarifária.
A dívida tarifária pode ser gerada por decisões políticas, que permitem ao regulador fracionar ao longo de vários anos determinados encargos excecionalmente altos registados num certo período de tempo, de forma a evitar que os consumidores sejam sujeitos a um agravamento de preços acentuado de um ano para o outro.
Mas também há desvios tarifários que podem ser gerados por via de uma diferença grande entre as previsões de preços de mercado consideradas pelo regulador para o ano seguinte e os preços realmente registados nesse ano, sendo ainda possível haver desvios tarifários quando há diferenças significativas entre o consumo real e o consumo previsto pela ERSE no cálculo das tarifas de um dado ano.
Notícia exclusiva do parceiro do jornal Postal do Algarve: Expresso