O salário mínimo nacional (SMN) em Portugal está atualmente fixado nos 870 euros, mas o que muitos desconhecem é que a forma como este valor é pago não tem de ser totalmente por transferência bancária. A legislação portuguesa permite que apenas uma parte seja entregue em numerário, sendo o restante valor pago através de outros meios, como transferência bancária ou prestações em espécie.
A legislação laboral portuguesa prevê que a retribuição ao trabalhador não tenha de ser exclusivamente em dinheiro. Segundo o Artigo 258.º, n.º 1 do Código do Trabalho, “a retribuição do trabalhador compreende a prestação em dinheiro e as prestações em espécie que, nos termos do contrato, do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou do uso da empresa, forem devidas ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho.”
Na prática, isto significa que o montante final pode ser composto por diferentes formas de pagamento, desde que estejam previstas e acordadas, refere o Pplware.
Apenas metade pode ser em dinheiro
A lei determina que pelo menos metade da retribuição deve ser paga por via bancária ou outro meio que garanta prova documental. De acordo com o Artigo 276.º, n.º 3 do Código do Trabalho, “pelo menos 50 % da retribuição deve ser paga por meio que permita ao trabalhador provar o seu recebimento.”
Isto implica que, do salário mínimo atual de 870 euros, até 435 euros podem ser pagos em dinheiro (espécie), sendo obrigatória a transferência ou meio documental para o valor restante.
O que são prestações em espécie?
As prestações em espécie são bens ou serviços fornecidos pelo empregador em substituição parcial do pagamento em dinheiro. Segundo o Artigo 273.º, n.º 1 do Código do Trabalho, “a retribuição pode ser composta por uma parte em dinheiro e outra em espécie, desde que esta última seja apropriada ao uso pessoal do trabalhador e proporcional à importância da retribuição.”
Estas prestações podem incluir alimentação, alojamento ou habitação, e devem ser adequadas às necessidades do trabalhador.
Limites definidos por lei
A própria lei impõe limites máximos às prestações em espécie. Segundo o Artigo 273.º, n.º 2 do Código do Trabalho, “a retribuição em espécie não pode exceder o valor correspondente a uma parte do salário mínimo nacional.” Com base em regulamentos complementares e orientações da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), os limites de referência aplicáveis são:
- Alimentação completa: até 35% do SMN
- Alojamento: até 12% do SMN
- Habitação para trabalhador e família: até 27,36 € por assoalhada
Estes valores são considerados máximos e não podem ser ultrapassados na compensação do salário mínimo.
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Requisitos para validade das prestações
As prestações em espécie só são válidas para efeitos de retribuição quando são um benefício direto para o trabalhador e constam no contrato ou regulamento coletivo. Esta obrigação está implícita no Artigo 258.º, n.º 1 já referido, que exige que estejam previstas em contrato ou costume empresarial reconhecido. Se forem impostas unilateralmente ou não tiverem valor real, podem ser contestadas legalmente.
Obrigação de prova documental
Independentemente do meio de pagamento, o empregador é obrigado a fornecer documentação ao trabalhador. O Artigo 276.º, n.º 1 do Código do Trabalho estipula: “O empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual constem a identificação completa das partes, o número de dias de trabalho, as retribuições e respetivos descontos, bem como outras quantias pagas.”
Além disso, o n.º 2 do mesmo artigo reforça que o pagamento “deve ser efetuado por meio que permita ao trabalhador provar o recebimento, nomeadamente por depósito bancário ou cheque nominativo.” Estas obrigações garantem transparência e proteção contra abusos.
Possibilidade de aplicação noutros salários
A flexibilidade prevista pela lei não se aplica apenas ao salário mínimo, podendo ser usada noutras faixas salariais, desde que respeite os mesmos critérios legais. No entanto, a maioria dos esclarecimentos e fiscalizações incide sobre o SMN, por ser o patamar mínimo legal exigido.
O Artigo 273.º, n.º 3 do Código do Trabalho confirma esta exigência: “O valor global da retribuição do trabalhador não pode ser inferior ao valor do salário mínimo nacional.”
Fiscalização por parte da ACT
O cumprimento das regras sobre o pagamento do salário é fiscalizado pela Autoridade para as Condições do Trabalho. De acordo com os Artigos 552.º a 559.º do Código do Trabalho, o não cumprimento das obrigações salariais pode constituir uma contraordenação grave, sujeita a coima. As inspeções incidem tanto na forma de pagamento como na existência de prova documental adequada.
O enquadramento jurídico atual visa garantir proteção ao trabalhador, ao mesmo tempo que permite alguma flexibilidade no modo como é feita a compensação pelo trabalho. O sistema baseia-se na confiança, mas com mecanismos de prova e fiscalização que pretendem assegurar o cumprimento das obrigações legais.
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