Apesar da crescente adoção dos pagamentos digitais, o dinheiro físico continua a desempenhar um papel relevante na economia. No entanto, têm aumentado as queixas de consumidores sobre a recusa de pagamento em dinheiro em estabelecimentos comerciais e serviços públicos. O Ministério Público já recebeu várias denúncias sobre esta prática, que, segundo especialistas, não tem fundamento legal na maioria dos casos.
Queixas sobre recusa de pagamentos em dinheiro
A Denária Portugal, associação criada para defender o direito dos consumidores ao uso de dinheiro físico, alertou para o aumento das queixas relativas a esta situação.
Segundo o secretário-geral da associação, Paulo Padrão, em novembro de 2023 registaram-se cerca de 20 denúncias, um aumento de 50% face ao mês anterior. Estas recusas ocorrem maioritariamente em estabelecimentos de restauração e em serviços situados em centros comerciais, mas também em companhias aéreas e empresas de distribuição de energia.
Mário Frota, mandatário da associação, apontou que os estabelecimentos em rede, como padarias e cadeias de restauração, estão entre os principais infratores. Além disso, destacou casos preocupantes em serviços públicos essenciais, como a Carris, que em algumas linhas aceita apenas pagamentos digitais. “É um fator de exclusão. A moeda não pode ser recusada de forma alguma, a não ser em circunstâncias excecionais previstas por lei”, sublinhou.
Regulamentação europeia sobre pagamentos em numerário
A União Europeia tem vindo a reforçar o controlo sobre transações em numerário para combater crimes como o branqueamento de capitais, a fraude fiscal e o financiamento do terrorismo. O Regulamento (UE) 2024/1624 estabelece um limite máximo de 10 mil euros para pagamentos em dinheiro dentro do espaço comunitário, mas permite que cada Estado-membro imponha restrições mais apertadas.
Segundo a Diretiva (UE) 2015/849, os Estados-membros podem introduzir medidas adicionais para reduzir os riscos associados a pagamentos elevados em numerário. A legislação europeia também exige que viajantes que transportem mais de 10 mil euros em dinheiro dentro ou fora da UE declarem esse montante às autoridades.
Limites legais para pagamentos em dinheiro em Portugal
Em Portugal, a lei impõe restrições mais apertadas para pagamentos em numerário:
- É proibido pagar ou receber em dinheiro quantias iguais ou superiores a 3.000 euros (ou o equivalente em moeda estrangeira).
- Para pessoas singulares não residentes em Portugal, desde que não atuem como empresários ou comerciantes, o limite sobe para 10.000 euros.
- Para empresas e sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os pagamentos acima de 1.000 euros devem ser feitos por meio de pagamento que permita identificar o destinatário.
- O pagamento de impostos em dinheiro não pode ultrapassar 500 euros.
O que diz o Banco de Portugal?
O Banco de Portugal reconhece que tem recebido relatos sobre a recusa de pagamentos em dinheiro. No entanto, sublinha que, em regra, os estabelecimentos são obrigados a aceitar notas e moedas de euro como meio de pagamento.
A recusa só é admissível em situações excecionais, como um desfasamento entre o valor da nota apresentada e o montante a pagar ou quando ambas as partes acordam utilizar outro método de pagamento.
Embora o enquadramento legal seja claro, ainda não existe um quadro sancionatório específico para penalizar estas recusas. O Banco de Portugal reforça que qualquer limitação à aceitação de numerário deve ser justificada e não pode representar um obstáculo ao direito do consumidor de utilizar dinheiro físico.
Conclusão
O uso de dinheiro em Portugal continua a ser um direito garantido, e a recusa de pagamento em numerário por parte de empresas e serviços públicos pode ser contestada.
Com a regulamentação europeia a evoluir, é possível que os limites para pagamentos em dinheiro venham a ser ainda mais apertados nos próximos anos. No entanto, no atual quadro legal, os consumidores podem exigir o cumprimento do direito de pagar em dinheiro, exceto em situações legalmente previstas.
Leia também: Estes são os países mais seguros em caso de 3.ª guerra mundial (Portugal não é um deles)