Se vai às compras tem de estar preparado para pagar mais, do óleo aos cereais, sem esquecer o leite, os ovos ou o pão. A subida promete continuar e pode ser acompanhada por restrições nas vendas. “Nas farinhas, desde que rebentou a guerra na Ucrânia, há duas semanas, já recebemos novas tabelas dos fornecedores a anunciar aumentos de 30% a partir do próximo mês. O preço de venda ao público também vai ter de aumentar. É inevitável”. As palavras são de Manuel Augusto, dono de uma pequena rede de oito supermercados na zona de Coimbra que a par da pressão sobre os preços enfrenta, também, restrições no fornecimento.
“O nosso maior fornecedor fez saber que nesta altura só podemos comprar mais 5% do que a quantidade média dos últimos meses”, refere, saltando de imediato para o que diz ser “o problema do óleo”: “Se pedir um camião de óleo, o fornecedor só envia metade da quantidade e não dá prazo para concluir a entrega”, acrescenta.
Na pequena cadeia regional Pérola Mercado, Manuel Augusto ainda não impôs limites ao consumidor, mas nas vendas de óleo que também faz a retalhistas já estabeleceu como limite os 100 litros. O aumento do preço a que compra o óleo acompanha o da farinha (30%) e há indicações de que a subida pode atingir os 60% no curto prazo. Nas prateleiras dos seus supermercados, para já, uma garrafa de uma das marcas de óleo alimentar mais conhecidas em Portugal custa atualmente 2,79 euros e na próxima semana passa para os 3,79 euros.
“Estes são os dois produtos mais condicionados em termos de quantidade e preço pela guerra na Ucrânia”, adianta o empresário, sem esquecer que a escalada nos preços já vinha de trás, muito por força dos aumentos dos custos de matérias-primas, energia e transportes. Assim, por exemplo, uma embalagem com seis rolos de papel higiénico também já acumula um acréscimo de 30% no último mês, tendo passado dos 2,25 euros para os 3 euros.
E a lista de subidas continua. Nos ovos, um fornecedor já aumentou preços duas vezes em 15 dias. Ao todo, são mais 20%, o que significa que a dúzia vai passar de 2 euros para 2,4 euros na próxima semana. No leite, a tabela foi igualmente atualizada duas vezes este ano, em janeiro e março, a refletir o aumento dos custos de produção, da energia às rações, “com tendência para o agravamento”. Um litro custava 65 cêntimos e custa agora 77 cêntimos, precisa, admitindo que “o aumento do pão pode chegar facilmente aos 50%”.
“Estas subidas constantes das tabelas por parte dos fornecedores é algo a que não estávamos de todo habituados e com que temos de aprender a lidar nos próximos tempos”, comenta o empresário que integra com os seus supermercados a rede Aqui é Fresco, lançada em 2011 pela Unimark, que tem como diretor geral João Vieira Lopes, presidente da CCP – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal.
Enquanto as grandes cadeias de supermercados demoram a fazer contas e a disponibilizar dados sobre as subidas de preços, os lojistas mais pequenos vão ajudando a traçar o cenário que os portugueses enfrentam no dia a dia, admitindo que tudo depende muito do ritmo de renovação dos seus stocks, normalmente limitados.
“A subida é generalizada e nesta fase acumula o impacto da subida dos preços dos combustíveis, energia e matérias-primas que vem de trás, mas está a acentuar-se com a guerra”, comenta Fernando Marques, dono do Fernando´s Supermercado, em Aveiro.
Sabe que se comprasse óleo, agora, pagaria mais 30% do que na última encomenda e a curto prazo a subida será de 50%, “o que terá necessariamente tradução no preço de prateleira”, admite.
E, tal como o colega de Coimbra, elenca outras subidas recentes que vêm complicar o cenário: uma lata de feijão de conserva que vendia ao público por 90 cêntimos em janeiro está agora a 1,19 euros, enquanto a massa cortada de uma marca nacional deu um salto de 15% nos últimos dias, de 90 cêntimos para 1,05 euros, e o kg de farinha passou dos 75 cêntimos para os 85 cêntimos. Mais: “conseguir sacos de farinha de 5 kg já é quase missão impossível”.
No caso da carne, a combinação de todos os fatores que têm puxado pela inflação, a par da seca e da guerra, também se traduz em números: “o quilo da carcaça de vaca está mais caro um euro. Um quilo de bife de alcatra passou de 13,9 euros/kg para 15 euros, e o frango, que em fevereiro estava nos 2,49 euros, já passou para 2,98 euros”, relata.
O arroz agulha está mais caro 10 cêntimos, o queijo em barra já está a ser comprado 10% mais caro, mas o aumento ainda não chegou ao cliente, e o leite meio gordo neste supermercado passou de 49 cêntimos para 54 cêntimos esta semana.
As rações para animais acompanham a tendência. “Um saco de ração para gato de 2,50 euros está nos 2,99 euros”, acrescenta.
E os clientes reclamam? “A reação é mais de surpresa. Na verdade, na caixa, até nós nos surpreendemos quando fazemos as contas. A tendência é confirmar porque achamos que o valor é demasiado alto”, relata.
Quanto a mudanças de comportamento dos clientes, os dois empresários coincidem em apontar a mesma “tendência inevitável: comprar produtos nos segmentos mais baratos”.
Sobre mudanças no consumo nas últimas duas semanas, coincidem também em justificar as alterações no carrinho de compras pela onda de solidariedade para com a Ucrânia, exatamente como as duas cadeias de distribuição que responderam ao Expresso, os Mosqueteiros e Lidl. No entanto, no caso do óleo de girassol, Espanha já impôs restrições nas compras e a cadeia Mercadona, que tem supermercados em Portugal, trouxe a mesma regra para o mercado nacional.
No caso do grupo Jerónimo Martins, o presidente Pedro Soares dos Santos, afirmou esta quinta-feira que a “inflação é muito superior ao que se diz”, atingindo já valores de 60% no caso dos óleos e de 40% nos cereais. O grupo assumiu também ter chegado a acordo com os produtores para mais uma subida do preço do leite, admitindo que “se não houver produtores não há leite”.
Quanto aos maiores impactos em termos de preços nos tempos mais próximos, estarão nas massas, pão, óleo, rações, carne, leite e ovos, admitiu o empresário numa conferência de imprensa convocada na sequência da apresentação dos resultados, adiantando estar disposto a algum sacrifício nos lucros para mitigar a subida dos preços, mas ao mesmo tempo que pedia “bom senso “ nas negociações com a produção assumia: “Vai haver uma loucura em termos de tentativa de subida de preços e vamos ter uma grande luta para a travar”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL