Aqui deixamos o documento, que servirá para uma legislatura. O documento está AQUI.
Costa trocou geringonça por patrões e UGT com acordo de rendimentos a 4 anos
Depois de três semanas de negociações com os parceiros sociais, e na véspera da entrega do Orçamento do Estado na Assembleia da República, António Costa assinou este domingo um acordo de médio prazo para a valorização de rendimentos e melhoria da competitividade da economia com a concertação social.
O acordo, assinado de forma solene e algo inédita no Palácio Foz, em Lisboa, teve o carimbo da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, da Confederação do Turismo (CTP), da Confederação dos Agricultores (CAP), da UGT e da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), que assinou mas não marcou presença na cerimónia por não concordar com a rapidez com que o processo foi conduzido. Só a CGTP ficou de fora.
Na sala, e pouco antes de o Governo se reunir em Conselho de Ministros uma última vez antes da entrega do Orçamento do Estado, vários foram os membros do Governo que marcaram presença na cerimónia, incluindo o ministro das Finanças, a ministra da Agricultura, a ministra do Trabalho, e os secretários de Estado respetivos, bem como o ministro da Economia, que chegou a defender uma descida transversal do IRC e a encetar negociações nesse sentido, acabando desautorizado pelas Finanças.
Um a um, todos os parceiros sociais tomaram a palavra, depois de assinarem formalmente o documento. António Costa foi o último a falar, depois de todos os parceiros sociais presentes terem elogiado o passo dado, que marca “o início da caminhada” de quatro anos que se preparam para fazer ao lado do Governo. Com elogios à ministra do Trabalho e ao ministro das Finanças em particular, patrões e UGT deixaram apenas leves críticas à forma “apressada” com que o processo foi conduzido, com a pressão de haver acordo antes da entrega do Orçamento do Estado, e arriscaram dizer que queriam “mais ambição”. Ainda assim, notaram, há quatro orçamentos pela frente para espelhar essa ambição. Ainda há tempo.
Já António Costa, enumerou os principais avanços do documento mas deixou sobretudo uma nota política: é esta a maioria absoluta de diálogo de que falava. Sem geringonça, mas com patrões e sindicatos a caminhar no mesmo sentido – um ato de “coragem” numa altura de enorme “incerteza”.
COSTA E A PROMESSA DE DIÁLOGO. “NENHUMA MAIORIA, POR MUITO ABSOLUTA QUE SEJA, SE BASTA A SI PRÓPRIA”
“Este acordo é da máxima importância política”, começou por dizer o primeiro-ministro, referindo-se aos tempos adversos que todos estamos a viver. “O que é mais importante nestes tempos de incerteza é reforçar a confiança, e este acordo é um marco de confiança, porque dá aos portugueses e a todos os agentes económicos certeza quanto aos objetivos que temos pela frente; depois, dá previsibilidade sobre o contributo que cada um tem de dar para alcançarmos estes objetivos”, disse, notando que o acordo não é só de salários ou de competitividade, é um acordo abrangente que incide sobre a melhoria da competitividade e com uma trajetória de aumento dos salários.
“Este acordo não é o fim do caminho, é mesmo o princípio do caminho onde fica definida uma trajetória para a melhoria dos rendimentos e da competitividade”, acrescenta, sublinhando ainda a importância da criação de um mecanismo de acompanhamento dos trabalhos. O objetivo é chegar a 2026 com as metas alcançadas.
Mas mais do que os avanços conseguidos ao nível das medidas de apoio às empresas e aos trabalhadores, o que o primeiro-ministro mais realçou foi o ganho político conseguido com o acordo tripartido que voltou a pôr a concertação social num lugar de destaque: apesar de ter maioria absoluta, o Governo quis dar um sinal de diálogo para ter respaldo não só para o Orçamento do Estado que agora vai apresentar, como para os orçamentos dos anos seguintes até ao final da legislatura. Eis a “almofada” de que falava Marcelo Rebelo de Sousa. “Num contexto de maioria absoluta, é muito importante sublinhar a vontade de diálogo e a centralidade da concertação social, bem como o diálogo tripartido entre o Estado, os patrões e os sindicatos”, disse António Costa.
“Nenhuma maioria, por muito absoluta que seja, se basta a si própria, tem de respeitar os órgãos de soberania, mas tem sobretudo de dinamizar o diálogo. Por isso é que em junho assinámos com a ANMP os contornos do processo de descentralização; por isso é que em setembro acordamos com o principal partido da oposição a metodologia que nos permitirá tomar a decisão que há décadas se arrasta sobre o melhor caminho a seguir [no novo aeroporto de Lisboa]”, afirmou. E por isso é que foi agora assinado este acordo com patrões e sindicatos.
António Costa enumerou depois aqueles que disse serem os 4 pilares do acordo:
1- Reequilibrar a repartição de riqueza no todo nacional, ou seja, aumentar a justiça social. “Nas últimas décadas o peso dos salários foi diminuindo na economia nacional, e agora o objetivo é chegar a 2026 com o peso dos salários no conjunto da riqueza nacional idêntico ao da média da UE, subindo de 45 para 48%. Para alcançar esta trajetória, isso implica um esforço de atualização anual dos salários: começa nos 5,1% em 2023, até 4,6% em 2026. Nesta trajetória, há não só a recuperação do poder de compra perdido em 2022 como há um ganho efetivo do peso dos salários na riqueza nacional”, sublinha.
2 – Reforçar a competitividade das empresas. Daí que António Costa tenha dito que foi feito um grande esforço para apoiar o investimento e a autonomia financeira das empresas, como é o caso da eliminação das várias declarações que regularmente as empresas têm de prestar à Segurança Social e que são um passo importante no sentido de uma “grande desburocratização”. O primeiro-ministro realçou ainda que todas as medidas têm o objetivo de fazer com que Portugal tenha empresas mais fortes para aumentar a competitividade da economia nacional: por isso é que uma das medidas de âmbito fiscal é prever que as PME, que hoje beneficiam de taxa de IRC de 17%, em caso de fusão consigam conservar essa taxa de IRC mesmo que o volume de negócios derivado da fusão aumente. “É para dar um sinal claro de que precisamos de ajudar as empresas a ganhar escala, dimensão, para poderem pagar melhores salários”, nota.
3 – Medidas dirigidas aos jovens e à fixação do talento dos jovens qualificados, quer no ensino profissional quer nas universidades. Neste ponto encontram-se medidas em torno do IRS Jovem, mas também medidas no apoio à primeira infância e à habitação. Mas Costa, que deixa o detalhe das medidas para Fernando Medina, destaca o programa anual de contratação sem termo de jovens qualificados que no conjunto de 4 anos abrangerá o apoio à contratação de cerca de 25 mil jovens. Mais: a fixação em 1320 euros mensais a posição de entrada na carreira de técnico superior, o que constitui um referencial de atração para os que querem entrar na Administração Pública.
4 – Novo conjunto de medidas de apoio às famílias e empresas para fazer face à situação de inflação. “O acordo é de médio prazo mas não pode ignorar os problemas do imediato”, disse. A medida de maior impacto, afirmou, será a que o ministro do Ambiente apresentará na quarta-feira que passa por reforçar em mais 3 mil milhões de euros a dotação que o Estado dá ao sistema energético para mitigar a subida dos preços da eletricidade e do gás. “É um esforço grande que o Estado faz, mas que confirma que nestes tempos de incerteza é fundamental termos uma gestão prudente das nossas finanças públicas para apoiar as empresas e as famílias”, diz. “É preciso prudência” disse Costa, lembrando as medidas tomadas durante a pandemia da Covid-19. Outra medida de grande espectro, disse o primeiro-ministro, e que beneficia as PME, é a limitação em 50% do terceiro pagamento do Pagamento Especial por Conta, aliviando a pressão sobre a tesouraria das empresas. Outra medida é a majoração dos custos com fertilizantes para apoiar as empresas agrícolas e o apoio extraordinário ao gasóleo agrícola.
Costa terminou dizendo que estes são os grandes objetivos do acordo que tem o horizonte de uma legislatura. Dando os “parabéns” aos parceiros que, numa situação de incerteza, tiveram a “coragem” de assinar um acordo de médio prazo, Costa promete pôr “mãos à obra”.
PATRÕES E UGT QUERIAM MAIS “AMBIÇÃO”, MAS GARANTEM EMPENHO NOS PRÓXIMOS 4 ANOS. MEDINA E MENDES GODINHO ELOGIADOS
O primeiro a falar tinha sido Eduardo Oliveira e Sousa, da Confederação dos Agricultores Portugueses, que destacou o facto de o documento ser, não um ponto de chegada, mas um ponto de partida para construir soluções. “Quando achamos que devemos ser críticos, criticamos, mas quando é para construir nós estamos do lado da construção”, diz. “Subimos um degrau, o documento que acabamos de assinar é muito diferente do que o que assinámos no início deste processo”, diz ainda, lembrando que o setor agrícola quase não estava representado na versão inicial e agora está. “Queríamos melhor”, mas ”para isso era preciso termos tido mais tempo, que não tivemos”, critica. O presidente da CAP destaca ainda a “abertura” que foi sentido da parte do governo, em especia a intervenção direta do ministro das Finanças, que ajudou na construção das medidas específicas.
Ainda assim, nota, “estas medidas não chegam, são insuficientes, é um facto, mas a imprevisibilidade do conjunto obriga-nos a todos a dar um passo de cada vez”. “Este acordo não se esgota nem esgota o muito que há ainda para fazermos no sentido de recuperarmos a competitividade. Há muito trabalho ainda para fazermos. O caminho que temos adiante tem obstáculos e mau piso, mas é nesse caminho que temos de caminhar. Estamos disponíveis para ajudar, para contribuir e colaborar com o governo, de forma positiva para que sejam beneficiados desse trabalho todos os agricultores”, disse.
Seguiu-se António Saraiva, representante dos patrões, que queria “mais ambição” mas que nota que ainda há 4 Orçamentos do Estado para ir avançando mais nesse sentido. “Como todos os acordos, este é um aproximar de posições e queremos a partir daqui continuar a chegar mais longe”, começou por dizer, defendendo que, mais importante do que a recuperação da economia é a “transformação da economia” e é nesse sentido que se mostra empenhado em trabalhar com o Governo no horizonte da legislatura.
“É um ponto de partida, nao de chegada. Temos 4 orçamentos no horizonte deste acordo, temos 4 orçamentos para poder carrear aquilo onde fomos pouco ambiciosos, na minha opinião. Temos de conseguir, em cada orçamento, caminhar para a alteração da economia portuguesa. Os astros terão de se alinhar” diz, lembrando que há vários instrumentos que devem ser vistos como oportunidades. É o caso do PRR ou dos fundos comunitários do Portugal 2030. “Se os astros se alinharem, este acordo deve ser entendido como o início da chegada que queremos obter para, no final da legislatura, alterarmos a economia e termos melhores condições”, disse.
Também o Presidente da Confederação do Turismo, Francisco Calheiros, criticou a “forma” apressada como acordo foi conseguido, em contrarrelógio por causa do Orçamento do Estado, mas elogiou o “conteúdo”. Trata-se de um “ponto de partida” que dá “alguma esperança”, diz. “É extremamente salutar que o documento inicial e o documento final sejam tão diferentes”, diz, afirmando que desta vez “houve de facto concertação”. Mais uma vez, lembra que este é um princípio, um acordo para a legislatura, que não se esgota aqui.
Pela UGT, a única estrutura sindical que assina o acordo, Mário Mourão fala num esforço de não obstaculização que todos tiveram de fazer no sentido de garantir a máxima abrangência possível. “Este é o acordo possível, que temos de saudar, todavia, dada a imprevisibilidade que os próximos tempos antecipam, este acordo pode ser entendido no mínimo como uma baliza que não permita a continuação da espiral de perda de poder de compra”, diz. Mário Mourão fala ainda em fatores de previsibilidade e de esperança para que as pessoas programem o seu futuro. “É o início de uma caminhada, que pode ser algo acidentada, mas onde a UGT vai estar empenhada para garantir a recuperação do poder de compra dos trabalhadores e dos reformados”, diz, falando no reforço da concertação social.
“O papel da concertação social é preponderante e deve ser, neste acordo, valorizado”, diz ainda, enumerando depois alguns avanços conseguidos no acordo, não só no salário mínimo como nos escalões do IRS. “Não podemos ignorar a análise que o PR fez ao conteúdo deste documento, considerando uma almofada para os próximos anos”, nota, afirmando que esse é também um dos motivos para a UGT assinar o acordo.
A jornada não foi fácil, admite, fazendo uma referência especial à ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho: “Às vezes pôs-me a cabeça em água, mas se não tivesse sido essa resiliência, não estaríamos aqui”. Um elogio inédito, que pôs sindicatos, patrões e Governo de mãos dadas numa cerimónia formal no Palácio Foz, em Lisboa, num quadro de solenidade nunca antes visto.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL