O Estoril Praia foi a casa de partida de Paulo Mendes, mais conhecido por Paulinho, para uma carreira marcada por um contrato com o Benfica, onde praticamente não jogou. Serviu de trampolim para os dois clubes onde mais tempo esteve para mostrar os seus dotes: Estrela da Amadora e Salgueiros. Jogou ao lado de Fernando Santos e foi treinado pelo atual selecionador, com quem mantém “uma amizade de família”. Compadre de Carlos Manuel, terminou o percurso de jogador onde começou, no Estoril, antes de abraçar a profissão de treinador que hoje está a exercer na Costa do Marfim.
Nasceu em Angola?
É mentira [risos]. Quando eu estava no Benfica fizeram uma confusão qualquer, acho que com o Paulo Madeira que nasceu em Angola e a partir daí criou-se essa ideia, mas eu nasci no Estoril.
Filho de quem?
O meu pai, Emílio Feliz Mendes, tinha uma leitaria, onde vendia tudo menos leite [risos]. Há 55 anos era assim. A minha mãe é Maria Odete Ramos Mendes. Trabalhavam juntos. O meu pai nasceu no Alentejo, a minha mãe na Lourinhã, em Torres Vedras e conheceram-se no Estoril. Eu nasci numa casa que ainda hoje existe, no Vale Santa Rita. Dessa casa até à praia, a pé, eram dois ou três minutos e bastava saltar o muro e estava literalmente dentro do campo de futebol do Estoril Atlético Clube, onde comecei a jogar. Para se marcar um canto ali, quase que se tinha que saltar o muro [risos]. E sou filho único.
Gostava da escola?
Gostava mais de jogar à bola. Eu estudava nos Salesianos do Estoril, era um aluno médio. Com 11 anos talvez, comecei a jogar federado nos iniciados do Estoril Atlético Clube, o tal clube em que o campo fazia fronteira com a casa onde eu nasci. Aos 12 anos, o meu pai já tinha passado a leitaria e tinha uma mercearia com a minha mãe, e o senhor Aurélio Pereira foi ter com eles para eu ir para o Sporting. Os meus pais não deixaram porque eu era muito novo e até era mais ou menos bom estudante.
Sempre disse que queria ser jogador de futebol ou teve aquela fase de querer ser astronauta, polícia, professor, médico ou outra coisa?
Nada, foi sempre jogador de futebol. E aquela pergunta que costuma fazer, se não fosse jogador o que teria sido, respondo já, não sei. Não tinha um plano B [risos]. Eu nasci praticamente dentro de um campo de futebol.
Quem eram os seus ídolos?
Tive vários. O Venâncio, o central, pela atitude dele, pela perseverança, passou por muitas lesões e operações ao joelho e nunca desistia, era uma pessoa resiliente, era impressionante. Gostava muito dele por isso. Quando era mais novo tinha o Salif Keita, um maliano que jogava no Sporting. Ele morava perto da mercearia do meu pai e ia lá fazer compras. Nunca mais me esqueço que ele tinha um Mustang, um carro que não era muito visto em Portugal.
Lá em casa torcia-se pelo Sporting?
Sim. Mas tive vários ídolos. Mais tarde, por exemplo, gostava muito do Carlos Manuel no Benfica. Lembro-me do Jordão, do Oliveira, do Chalana, do Humberto Coelho pela sua liderança e pela sua maneira de jogar como central. Eu só fui central quando passei para os seniores.
Até lá jogava em que posição?
Sempre fui médio centro, extremo direito, só que eu sou apelidado de Paulinho, porque era o mais pequenino das equipas. Fui para o Estoril Praia, era pequeno, era rápido, muito bom tecnicamente, então jogava a médio centro, médio direito. Só que dos juvenis para os juniores, antigamente só havia um ano de júnior, e não havia equipas “B’s”, nem sub-23, era muito mais difícil conseguir impor-nos na passagem para sénior. E de juvenis para juniores, no verão cresci muito, mas perdi velocidade e os treinadores continuavam-me a meter-me a médio direito. Como a velocidade tinha-se perdido, comecei a recuar no terreno e acabei nos juniores como 6, como trinco. Nos seniores é que passei para central.
Fez os estudos até que ano?
Não acabei o 10.º ano. Chegou uma altura em que os Salesianos do Estoril ficaram muito caros. Antigamente era um colégio para pessoas de classe média, mas depois começou a ficar muito caro e o meu pai não tinha muitas possibilidades de manter-me lá. Optou-se pelo liceu de S. João, mas perdi-me um bocado, foi uma mudança muito drástica para quem vinha de um colégio. Tinha 14, 15 anos.
Quais as maiores diferenças?
Passei de um colégio só de rapazes, onde todas as semanas tinha de ir à missa, com regras bastante rígidas, para o oposto. Não foi porque me perdi para drogas ou coisas do género, nada disso, mas não consegui adaptar-me da melhor maneira. Ainda fui até ao 10.º ano, mas como nos juniores já tinha jogos com os seniores nas reservas, ainda tentei estudar à noite, estava até a fazer algum sacrifício para ir às aulas à noite e treinar, mas não deu. Lembro-me de uma situação numa aula, porque havia alturas em que não conseguia jantar, levava qualquer coisa para a sala de aula e a dada altura, já não me lembro em que disciplina, a professora embicou comigo por estar a comer e eu virei-me para ela e disse: “Estou a fazer um sacrifício para estar a ouvi-la” [risos]. Fui embora e nunca mais lá meti os pés. Mais tarde, vieram-me dizer que essa professora tinha vindo atrás de mim um bocado com a consciência pesada para pedir que eu repensasse a minha atitude, mas nunca mais lá pus os pés. Mas não era um adolescente que criava problemas.
Quando ganhou dinheiro pela primeira vez com o futebol?
Só nos seniores. E dizer que era ganhar dinheiro, quer dizer… Eram uns cinco contos [25€], no Estoril. Quando passei de júnior para sénior, o Estoril Praia não tinha as condições que tem agora. O campo era relvado, mas dos iniciados até aos juniores conta-se pelos dedos de uma mão, ou máximo das duas, as vezes que o pisamos. Treinávamos noutros campos, fora dali ou atrás de uma baliza, com um holofote à noite. Não havia condições. E nem se ligava muito, começaram a ligar mais aos juniores a partir do momento em que houve uma crise forte no Estoril e houve uma remodelação. Nesse ano, apostou-se na prata da casa. Quando me apresentei nos seniores não sabiam quem eu era [risos]. Tínhamos as inspeções médicas e o enfermeiro perguntou-me o nome e de onde é que eu vinha [risos].
Enquanto júnior, alguma vez foi chamado para treinar com a equipa sénior?
Uma vez. E recordo-me de uma vez ter sido convocado para um jogo em casa com o Portimonense, os seniores estava com cinco, seis meses de ordenados em atraso. Ainda o Vítor Damas era guarda-redes do Portimonense. Eu e mais alguns fomos convocados de prevenção, mas eles acabaram por jogar.
Quais eram as suas ambições, os seus sonhos?
Era jogar no Estoril Praia porque sempre foi o clube do meu coração. É o clube da terra onde nasci, de que ainda sou sócio. Mas como disse antes, eu jogava às quartas-feiras no campeonato das reservas, que servia muito mais para limpar cartões do que para outra coisa. Lembro-me que uma vez o Carlos Manuel levou cinco ou seis jogos de castigo e, nessa semana, o Benfica fez cinco jogos de reservas [risos]. E depois era assim, se começasses o jogo e o jogo acabasse passados 15 minutos, porque faltou a luz, por exemplo, e havia muitas maneiras de faltar a luz ou de acontecer outra coisa qualquer, contava logo uma partida [risos]. Mas esses campeonatos eram bons também para os juniores e para os que não jogavam tanto na equipa principal. Era um campeonato competitivo e duro.
Quando chegou a sénior, quem era o treinador da equipa principal do Estoril?
Fernando Peres. Já faleceu. Mas nesse ano, que fui ganhar cinco contos, eles nem sabiam o meu nome, queriam emprestar-me para uma equipa de Cascais, mas eu disse-lhes: “Epá, desculpem lá, mas então vou recomeçar a estudar, tenho uma equipa ao pé de casa — que era o Estoril Atlético Clube — e fico ali a jogar. Se se lembrarem de mim um dia, digam-me alguma coisa”. Foi mesmo assim.
E foi para casa?
Não. Entretanto, lembro-me de dizer ao meu pai que eles me davam cinco contos e o meu pai disse logo: “Deixa lá isso que eu dou-te cinco contos”. Mas eu: “Não não, se eles dizem que me dão cinco contos, são cinco contos que me vão pagar” [risos]. Isto é engraçado porque mais tarde, depois de eu já ter sido internacional A, pelo Estoril, numa renovação de contrato já na I Liga, quem faz a renovação é o mesmo diretor que queria emprestar-me e que me deu cinco contos para eu ficar no Estoril. Mas aí quem mandou na conversa fui eu: “Ai agora você lembra-se? Agora já sou jogador do clube, feito no clube? Vocês nem me conheciam na primeira época. Lembra-se do dinheiro que me deu e que queria mandar-me para o Cascais?” [risos].
Voltemos atrás, acabou por ficar nos seniores do Estoril Praia, não foi emprestado ao Cascais. O que os fez mudar de ideias?
Quem reverteu a situação foi o chefe de departamento de futebol e a grande alma do Estoril Praia, o senhor João Lachever. O diretor mais conhecido que o Estoril Praia alguma vez teve. Sofria muito com o clube e viveu grande parte da sua vida para o Estoril Praia, e a quem muitos jogadores têm de estar gratos, eu incluído. Foi uma pessoa que me ajudou, gostávamos muito um do outro. Partiu cedo demais.
Ficou no Estoril, que estava na II Divisão, com o Fernando Peres como treinador.
Epá, vou-lhe dizer uma coisa, joguei tanto que nem me lembro [risos]. Naquela altura o Estoril tinha um plantel enorme. O clube apostou mesmo para subir, eram jogadores de I Liga, jogadores já maduros como o Reinaldo, o Paris, o Alhinho, o Fernando Santos, o Isidro, era uma equipa muito forte, talvez das mais fortes da II Divisão. Lembro-me que começámos muito bem, fortíssimos, ganhámos os primeiro seis, sete jogos e depois começou a faltar dinheiro e aquilo foi uma carga de trabalhos. A partir daí é que o Estoril começou a apostar mais nos jogadores feitos no clube. Continuando sem condições de trabalho para a formação, aliás, para os seniores tinham poucas também. Depois houve uma evolução muito, muito grande em tudo, nas condições de trabalho, no treino, é impressionante.
Tem alguma história marcante dessa primeira época?
Nesse ano fez-se uma equipa para subir, faltavam seis ou sete jornadas e sabíamos que não tínhamos possibilidades nenhumas de subir. No primeiro treino a seguir a um jogo, uma terça-feira de manhã, íamos fazer oxigenação na serra e havia uma reunião entre os jogadores para saber o que é que se ia fazer em relação ao treinador. Isto nunca me tinha passado pela cabeça, vinha eu dos juniores. Houve essa reunião lá na serra. Só que o Barros não foi treinar de manhã, só foi ao treino da tarde. Nessa reunião ficou decidido que o treinador continuava porque faltavam seis ou sete jornadas. À tarde, há reunião antes do treino, no balneário, com a direção e equipa técnica, e já com o Barros. Cada um ia falando da situação e do treinador, se estávamos todos com o treinador ou não, eu estava a seguir ao Barros, miúdo, 19 aninhos, nem sabia bem o que havia de dizer, mas chegou a vez do Barros que não tinha estado na reunião da manhã, não sabia de nada, ele virou-se e disse: “O comboio prossegue, mas eu fico neste apeadeiro”. Ficou tudo incrédulo. Depois todos perceberam que ninguém o tinha avisado [risos].
Nesse período em que estava na equipa principal do Estoril, mas não era muito utilizado, foi trabalhar para algum lado para ganhar mais dinheiro?
Não, ajudava o meu pai na mercearia, isso era ponto assente. Preferia ajudar os meus pais na mercearia do que trabalhar para outras pessoas.
Namoros, saídas à noite quando começam?
Namorava, mas não pensando nunca que era um caso sério [risos]. Gostava de sair à noite, nas folgas. E continuo a gostar. Mas o que se fazia antigamente, hoje é impensável. A velocidade com que se joga o futebol, os espaços mais reduzidos e o profissionalismo, que não tem nada a ver. Em todos os aspetos, do jogador para consigo próprio, do clube para os jogadores, tudo.
Não havia a noção e o conhecimento que há hoje.
É verdade, mas também é verdade que Portugal sempre teve grandes jogadores, grandes equipas e grandes seleções. Nós falamos agora da seleção campeã europeia, a seleção do Ronaldo, mas recordo-me de termos seleções fortíssimas. Tivemos, por exemplo uma seleção que foi às meias-finais em França, uma seleção fortíssima, só que faltava organização, faltava rigor, o tal profissionalismo que há hoje
Nesses primeiros anos de sénior no Estoril Praia lidou com vários jogadores que depois foram treinadores…
Sim, o Fidalgo era jogador, o Fernando Santos era jogador, o Paris, o Alhinho, o Reinaldo, e depois quando houve a minirrevolução lá no Estoril Praia, ficou o Fidalgo como treinador, que falou com o Fernando Santos para ser adjunto. Ele não queria, queria jogar. Na altura, também trabalhava no Hotel Palácio, enquanto engenheiro, mas lá ficou como jogador e treinador adjunto a ajudar o Fidalgo. É a partir daí que se começa a apostar mais na formação no Estoril. Foi com o Fidalgo.
Tem alguma história que se recorde e possa contar desses tempos?
Tenho uma situação quando o Fidalgo já era meu treinador. Ele na altura abriu um bar em Lisboa, na Praça das Flores. Inaugurou o bar numa quarta-feira e perguntou-me se eu queria ir à inauguração do bar. Eu disse que sim, mas na quinta-feira havia treino. Fui à inauguração do bar, tinha música ao vivo, era um bar frequentado muito por artistas e estiquei-me mais um bocado, fui embora tarde. No dia a seguir o Fidalgo vai dar o treino que costumava ser naquele dia, de 11 contra 11 no campo todo e não me meteu a jogar. Nem numa equipa, nem noutra. Disse-me: “Queres ir para a noite? Então hoje só vais correr à volta do campo” [risos]. Eu só pensava, então este gajo convida-me para ir à inauguração do bar e agora mete-me a correr à volta do campo.
O Fernando Santos como jogador também chegava ao balneário mal disposto?
Ele de manhã é sempre um bocado mal disposto. O Fernando nunca abdicou da vida dele enquanto engenheiro no Hotel Palácio. Jogava e trabalhava. E era um bom colega, tivemos sempre uma empatia muito grande, somos amigos de família ainda hoje.
Era bom jogador?
Era, mas gostava pouco de trabalhar, gostava pouco do treino. Mas ele sempre foi uma pessoa equilibrada e inteligente, sabia que tinha uma profissão que lhe dava segurança e por isso é que também andou sempre a jogar no Estoril, foi um ano à Madeira, mas depois regressou logo ao Estoril porque lá podia fazer as duas coisas. Enquanto pessoa, enquanto líder, vejo nele coisas que são importantes.
Como por exemplo?
A liderança e o estratega que é enquanto treinador. Evoluiu muito. Acompanhei a carreira dele desde o início. Fiz dois estágios com ele, um quando ele estava na Grécia e outro quanto estava no Sporting e acompanhei muito a evolução dele. É uma das pessoas mais inteligentes que conheço.
Agora está sob alguma contestação, enquanto selecionador. Tem ideia de está a viver o momento?
Isto é mesmo assim. Já ninguém se lembra que foi Campeão da Europa e que ganhou a Liga das Nações. Ou pegam por uma coisa, ou por outra. Se ganhas e não jogas bem, ganhámos, mas não jogámos nada. Se jogas bem e não ganhas… Antigamente, Portugal jogava muito bem, mas diziam que os portugueses faziam os jogos sem balizas. Tínhamos uma equipa, dávamos espetáculo, jogávamos à português, mas não ganhávamos a ninguém. Agora que ganhamos o Campeonato da Europa e a Liga das Nações, ganhámos, mas não jogámos bem e a Liga das Nações é uma liga secundária. A França ganhou a Liga das Nações e foi um festival, até os próprios comentadores na televisão deram uma grande ênfase à Liga das Nações, que era uma liga importantíssima e a França fez um espetáculo por ganhar a Liga das Nações. É o povo que temos. Pela personalidade dele, pelo que conheço dele, e ele já o disse publicamente, se não conseguir o objetivo, ninguém o vai empurrar, ele sai pelo próprio pé.
Também tem sofrido críticas devido a Cristiano Ronaldo. Há quem defenda que lhe dá importância à mais. Concorda?
Epá, o certo é que o Cristiano é um jogador que num lance resolve o jogo, como já resolveu. Nós todos a falar de fora é tudo mais fácil. Mas isto não é só no futebol, é em todas as profissões. Quando tu tens de tomar decisões, nunca vais agradar a toda a gente e se quiseres agradar a gregos e troianos, já foste.
Voltando a si. Fez a tropa?
Fui à tropa e ganhei o torneio de futebol de salão da tropa. Fiz a tropa ao mesmo tempo que o Fernando Mendes, que jogou comigo no Benfica e que jogou no Sporting. Estive em Mafra ano e meio e foi nesse tempo em que estive na tropa que assinei pelo Benfica.
Como surgiu o convite? Tinha empresário?
Não, nunca tive empresário. Eu nem sabia que me estavam a ver. Havia um senhor no Benfica que já morreu, o Peres Bandeira, que ia ver jogos da II Divisão e nesse ano em que estou na tropa, temos um jogo para a Taça com o FC Porto que tinha sido “só” campeão europeu e campeão da Taça Intercontinental. E nós, uma equipa de miúdos — foi nessa altura que o Estoril apostou nas camadas jovens por falta de verbas, eu com 21 anos era para aí o quinto mais velho — fomos às Antas e toda a gente dizia que íamos fazer de cabeçudos, porque foi na altura do Carnaval. Chegamos lá, empatamos 0-0 e falhamos um golo, um miúdo da nossa equipa isolou-se, mas teve uma cãibra.
Um grande feito.
O FC Porto nesse jogo fez descansar alguns jogadores. Como empatámos 0-0, na altura havia o segundo jogo, que foi na Amoreira, uma quarta-feira. Perdemos 1-2. Aí o FC Porto apresentou-se com a melhor equipa. Nós éramos uma equipa de miúdos, da II Divisão, da zona sul, mas foi aí que começou o trajeto de muitos jovens, do Martins, do Peixe, do Zé Carlos. Nessa altura, devido a protocolos entre os clubes, recebíamos muitos jogadores dos juniores do Benfica e do Sporting. Eram tempos de grandes ambientes de balneário.
Mas afinal como vai parar ao Benfica?
Esses dois jogos deram-nos visibilidade e eu quase não tive nada a dizer em relação à transferência. Sei que havia o Sporting também interessado, acho que o V. Guimarães, o SC Braga, e o Estoril chegou acordo com o Benfica e eu fui depois ter uma reunião com o Gaspar Ramos do Benfica. Eu e o Martins. Chegámos a acordo e fomos para o Benfica. Não tivemos oportunidade de escolha [risos]
Já foi ganhar um bocadinho melhor?
Sim, já fui ganhar uns 350 contos [1.750€].
Continuava a viver em casa dos pais?
Sim, continuei a fazer a minha vida normal, porque assinámos pelo Benfica, mas com a condição de ficar ainda mais um ano no Estoril Praia. Acabou por ser bom porque foi mais um ano a jogar e a II Divisão era bastante competitiva, tinha boas equipas.
Assinou por quanto tempo?
Acho que por três ou quatro anos. Só joguei lá um ano com o Eriksson. Fomos à final da Liga dos Campeões com o AC Milan, em Viena, perdemos 1-0 e no ano seguinte fui para o Nacional da Madeira, de lá regressei ao Estoril, já na I Liga.
Como foi quando entrou no Benfica, onde jogavam figuras como o Veloso, o Mozer, Ricardo Gomes, Álvaro Magalhães e por aí fora?
Posso dizer que era tudo internacional menos eu [risos]. Eram internacionais do Brasil, da Suécia, de Portugal ou eram internacionais de esperanças. Mas não sou de me sentir intimidado com ambientes, para o bom e para o mal. Fui recebido muito bem.
Houve algum jogador com que tivesse sentido maior empatia?
Sim, com o Fonseca, agora somos compadres. Mas dei-me bem com todos, era um grupo forte. Nesse ano, por exemplo, subiram a primeiro ano de sénior o Paulo Sousa e o Paulo Madeira. Eu fiz, e já foi muito, uns seis jogos pelo Benfica, para o campeonato.
Lembra-se da estreia?
Foi logo na 1.ª jornada, em Guimarães. Como titular porque o Ricardo Gomes e o Aldair, que era a dupla sensação do Brasil, ainda não tinham chegado. Joguei eu e o Samuel, empatámos a um golo, com golo do Magnusson.
Costumavam estar muitas vezes juntos em almoços e jantares?
Sim.
Tem alguma história para contar desses tempos?
Nós tínhamos treinos bidiários e havia um jogador que não estava a jogar a titular, que não estava satisfeito. Normalmente era titular e não estava a ser. O Eriksson andava muito à frente, tinha umas ideias de treino e de jogo completamente diferentes e com um ritmo e uma intensidade maiores e lembro-me de, numa quarta-feira de manhã, fazermos um treino forte e à tarde era mais um retorno à calma do que outra coisa. Fazíamos umas finalizações e tal e depois acabávamos com um jogo. E o que é que o Eriksson fez? Mandou alguém filmar esse jogador no treino. O que acontecia é que esse jogador não se mexia. No final do treino o Eriksson chamou-o ao gabinete: “Tem aqui um vídeo para ver em casa, depois amanhã traga-me e diga-me qualquer coisa”. Ele chega ao balneário: “O homem deu-me uma cassete de vídeo. Vou ver, se calhar é algum filme”. Quando chegou a casa viu que era só ele no treino, parado, não se mexia… No outro dia, o Eriksson só perguntou: “Então o senhor já percebeu porque é que não joga?” [risos]
Depois foi para o Nacional porquê?
O Benfica quis emprestar-me. Havia interesse do Salgueiros e de mais umas três ou quatro equipas, andei em reuniões e, no fim, fui eu que decidi, nem foi o Benfica.
Porque escolheu ir para a Madeira?
Achei que era o melhor para mim. Ia sair de Lisboa, para um contexto completamente diferente, ia viver sozinho.
Gostou de lá viver?
Sim. Adapto-me bem às situações, aos sítios, às condições, aos ambientes, sou de adaptação fácil. Também crio amizades facilmente, não complico muito. Foi mais um crescimento e uma aprendizagem.
Não lhe custou estar sozinho?
Não. Como filho único habituei-me a estar sozinho e isso passou para a vida no futuro. Eu adoro estar sozinho, adoro a minha companhia [risos].
Fartou-se de jogar nesse ano.
Fiz os jogos e os minutos todos. Começamos muito bem o campeonato com o brasileiro Jair Picerni, depois houve muitas lesões, operações, situações que tu não consegues controlar e o treinador chateou-se com a direção, saiu, veio o Manuel de Oliveira, que entretanto também ficou só dois ou três meses. A seguir, quem fica a tomar conta da equipa é um jogador, o Rolão Preto, que já jogava pouco e aquilo descambou um bocado. Era um dos jogadores mais velhos, apanhou a batata quente. O ambiente não estava grande coisa.
Não tem nenhum episódio caricato que possa contar dessa passagem pelo Nacional?
Tinha lá um grande amigo, o Dinis, éramos os dois solteiros, ele vivia no condomínio Caracas onde viviam muitos jogadores, treinadores, dirigentes. Fui ter a casa dele, passámos lá a tarde e quando íamos a sair para irmos jantar à marina, senti cheiro a queimado. Disse-lhe e ele, nada. “Deve ser impressão tua”, dizia ele. Fomos para a marina, sentámo-nos numa esplanada para jantar, temos uma televisão à nossa frente na TV da Madeira e aparece “Notícia de última hora: Incêndio no Caracas”. O que aconteceu? Aquele cheiro que senti a queimado deu num incêndio enorme no prédio ao lado daquele onde ele morava. Arrancámos, preocupadíssimos, quando chegámos estavam as pessoas na rua. Acabou tudo bem, porque ninguém ficou ferido e depois é que fiquei a saber que o Dinis não tinha olfato, por isso é que não lhe cheirava a queimado [risos].
O seu empréstimo era só de um ano, mas não voltou ao Benfica. Porquê?
Porque com certeza acharam que eu não tinha capacidades para jogar no Benfica. Fui emprestado ao Estoril, que nesse ano sobe da Liga de Honra para a I Divisão. Subiram da II Divisão da zona sul para a Divisão de Honra e desta para a I, em dois anos, com o Fernando Santos, que ainda tinha o seu emprego no hotel [risos].
Como era ele como treinador?
Era muito rigoroso, trabalhava muito forte, ele sabia que tinha uma equipa jovem e o que podia tirar dali. Eu regressei ao Estoril com quase 25 anos e era talvez o quinto jogador mais velho. Havia o Rosário, o Pedro Rodrigues que era o capitão, os dois búlgaros, o Mladenov e o Voynov, Carlos Ferreira, o resto era praticamente tudo mais novo que eu. Nesse ano que vou para o Estoril sou internacional A, eu e o Hélder.
É chamado pelo Carlos Queiroz?
Sim, chamou-nos para um amigável em Faro, contra a Holanda, ganhámos 2-0.
Que tal o ambiente da seleção?
Gostei muito. Na altura, fiquei no quarto com o João Pinto, o lateral direito do FC Porto. Muito boa gente. A cultura que essa malta trazia do Porto, e que muitos não gostam, eu gostava. Eles fazem pela vida, têm um carácter e uma maneira de estar no jogo incrível. Eu estava no Estoril Praia, o João Pinto farto de ganhar troféus, e nessa convocatória o prémio de jogo eram 200 contos [1.000€], se não estou em erro. Só para ver o espírito do querer ganhar, ao intervalo, ele vira-se para mim: “Pá, isto é particular, mas olha que estão 200 continhos na mesa, a gente não pode facilitar”. Ele que já devia ter ganho só naquele ano em prémios mais do que eu. Mas eu também respondi logo: “Não te preocupes porque para ganhar 200 contos em prémios no Estoril, deve ser a época inteira” [risos]. Depois ainda fui a uns estágios na seleção, mas nunca mais fui internacional. No Benfica tinha ido à seleção de Esperanças, foi o Jesualdo Ferreira quem me chamou.
E histórias desses tempos com Fernando Santos a treinador?
Uma vez fomos jogar ao Algarve, penso que a Faro, e tínhamos uma carrinha que nós chamávamos de “Princesinha do Agreste”, alusivo à telenovela brasileira Tieta, que passava na altura. Jogámos e quando vínhamos para cima, ainda no Algarve, a Princesinha avariou, como já tinha acontecido várias vezes. A única hipótese era pedir outro autocarro. Era verão e o Fernando Santos adora caracóis, havia ali um descampado e do que ele se lembrou? Chamou toda a gente e pôs toda a gente a apanhar caracóis para ele [risos].
Mais alguma?
Na época 1992/93, julgo que em Santo Tirso, num jogo em que estávamos a ganhar 1-0, já perto do fim, estávamos a levar um grande massacre do Tirsense. O Rosário tinha sido substituído, estava no banco e eram três pontos importantes para nós. O Rosário no banco começou a gritar: “Ó marreco, ó marreco (que era o Zé Carlos, lateral direito)” sempre a chamar, para ele subir ou baixar. O árbitro tanto ouviu “Ó marreco, ó marreco” que chegou ao pé do Rosário e disse-lhe: “O senhor está expulso, vá chamar marreco a outro” e o Rosário: “Mas eu não estou a chamar marreco a si, marreco é o Zé Carlos”; “Eu não quero saber nada disso, está expulso” [risos].
Fez duas épocas no Estoril Praia com o Fernando Santos e vai para o Estrela da Amadora. Porquê?
Porque achei que tinha de mudar. Daquela vez que tinha saído para o Nacional, individualmente as coisas correram-me bem, fiz o jogos e os minutos todos, até ganhei o troféu de jogador mais regular da Madeira. Achei que devia apostar outra vez numa saída. Eu sentia-me muito bem no Estoril, os melhores amigos que tenho são do Estoril e o clube continuava a querer-me. Do 1.º para o 2.º ano eu estive para ir para o Marítimo e fiquei por causa do Fernando Santos e do diretor. O coração falou mais do que a razão e acabei por ficar.
Tinha voltado para casa dos pais quando veio da Madeira ou foi viver sozinho?
Quando saí da Madeira, casei. Já não é a minha mulher, foi bom enquanto durou, mas temos uma filha fantástica, com 26 anos, a Margarida. Ela dá aulas de cozinha numa escola no Parque das Nações, faz bolos para fora, vai a casa das pessoas fazer a dieta para a semana, é uma guerreira de quem tenho muito orgulho.
É a única filha?
Sim. No Estrela da Amadora morreu-me a primeira filha, à nascença. Foi a fase mais negra da minha vida. Estava tudo bem, as ecografias tudo excelente, deixei a minha mulher no hospital, disseram-me para ir para casa descansado que depois ligavam. Ligaram-me e quando cheguei ao hospital informam-me que a bebé tinha morrido. Tu achas que não consegues dar a volta, mas o ser humano vai buscar forças onde parece que não existem. Não fui treinar durante dois dias para dar apoio à minha mulher, mas depois fui e ajudou-me muito, o treino e os jogos. Lembro-me que o João Alves meteu-me a titular nesse jogo com o Salgueiros. O outro golpe duro, foi a morte da minha mãe, há 12 anos. São situações que temos de saber dar a volta, ser fortes.
Gostou do João Alves como treinador?
Muito. Foi ele que fez muita força para eu ir para o Estrela. Houve um jogo ainda no Estoril Praia em que estávamos a perder 0-1, em Guimarães, faltavam uns cinco minutos, há um canto contra o V. Guimarães, ele faz uma substituição e mete alguém para vir marcar-me individualmente e eu faço o golo do empate. Acho que esse jogador nunca mais jogou com ele [risos]. E no ano seguinte ele fez muita força para eu ir para o Estrela. Ele era um treinador excelente.
Tem histórias dele?
Uma vez, num estágio em Castelo de Vide, mais ou menos a meio do estágio, o mister João Alves deu-nos um dia de folga. Ele aproveitou também para tratar de assuntos particulares em Oeiras, onde vivia. O treino do dia seguinte de manhã eram os adjuntos que davam, ele só ia à tarde. Mas nesse dia de folga, os hábitos continuavam, às 23h tínhamos de estar todos nos quartos, havia aqueles horários para cumprir. O mister João Alves, muitos anos de futebol, ligou para o hotel e quis falar com alguém, um diretor, um treinador, para saber como estavam as coisas, se estávamos todos nos quartos, etc. Só lá estava um diretor, mais ninguém. Quando ele perguntou pelos outros elementos da equipa técnica, esse diretor disse que tinham ido passar o dia na casa de um deles e que não se encontravam ainda presentes. Chegaram passados 10 ou 15 minutos, atrasaram-se um pouco. No dia a seguir, treino de manhã, os dois adjuntos estavam a montar o treino e entra o João Alves de Porsche, pelo campo adentro. Saiu do carro. “O que é que vocês estão a fazer?”; “Estamos a montar o treino”; “Aqui ninguém monta treino nenhum, está tudo dispensado. Tudo para o hotel. Não saem do hotel nem dão treino até eu decidir”. E ficaram de castigo no quarto dois dias [risos]. No Estrela tenho algumas histórias engraçadas.
Força, conte mais uma.
Numa das idas ao norte, nessas viagens jogava-se às cartas, liam-se jornais e revistas e o José Albano ia a ler uma revista cor de rosa da altura onde vinha uma reportagem sobre o nascimento do Martim e a família do Rui Águas. Uma das fotos era o Rui Águas com o filho, o Martim e na legenda dizia, Rui Águas e o benjamim da família. O José Albano vira-se e diz: “Olha o nome que este gajo foi pôr ao filho, Benjamin. Não tinha mais nenhum nome para colocar ao filho” [risos].
O João Alves na época seguinte não ficou muito tempo, pois não?
Nesse ano que vou para o Estrela, vou eu o Mário Jorge, o Fernando Mendes, defesa esquerdo, e o Zé Carlos que está agora no Sindicato dos Jogadores. Éramos os quatro jogadores que ainda estávamos ligados ao Benfica. Porque o Estrela da Amadora tinha vendido o Abel Xavier para o Benfica e o Alves quis esses quatro jogadores. Fizemos uma grande época e, na seguinte, o Alves continua, mas houve umas complicações na pré-época e ele acabou por sair.
Que complicações?
Acho que foi porque nessa altura o Estrela da Amadora deixou sair o Fernando Mendes para o Boavista e julgo que ele tinha a garantia da direção que não saia ninguém que ele achasse importante para a equipa. Ele tinha uma personalidade muito forte. Penso que foi por causa disso. Ficou o Acácio Casimiro, as coisas não correram bem, o Fernando Santos tinha saído do Estoril e foram buscá-lo. Foi nessa altura que o Fernando começou a olhar para a profissão de treinador com outros olhos e meteu a licença sem vencimento, no hotel. Depois acabou por fazer três ou quatro épocas no Estrela.
Antes de passarmos ao Salgueiros, recorda-se de mais algum episódio caricato nesses anos do Estrela?
No Estrela da Amadora, penso que o treinador era o Fernando Santos, fomos jogar ao Salgueiros e perdemos o jogo. Correu-nos mesmo muito mal. Na terça-feira seguinte, houve reunião de balneário, o Fernando perguntou individualmente aos jogadores o que tinham achado do jogo, queria saber uma opinião. Todos ou a maior parte deram a sua opinião. E acabou com o João Peixe a falar e a dizer: “O mister, nós perdemos é verdade, mas eu estive bem. Ainda agora vi no Record, eu tive nota 3”. Epá, desatou tudo a rir, e a equipa técnica com uma grande azia.
Ficou duas épocas com ele lá e depois vai para o Salgueiros. Zangaram-se?
Fiz quatro anos no Estrela e houve um ano em que era para ter saído para o Belenenses. Naqueles tempos, quando o contrato acabava, o clube enviava uma carta a dizer que queria continuar com os mesmos serviços e a partir desse momento era obrigado a dar-me mais 10% do que eu ganhava. Nessa altura podia ter assinado pelo Belenenses, onde estava o João Alves, só que recebi a carta, aquilo tinha um prazo, fiquei ali um bocado na dúvida, depois o Fernando Santos falou comigo e acabei por assinar mais dois anos pelo Estrela. No último ano, fui operado a um tendão peroneal no pé e estive seis meses parado, acabava o contrato nesse ano, eles queriam renovar, mas eu tinha 30 ou 31 anos e naquela altura um jogador com 30 anos já era velho. Tinha jogado pouco e eles agarraram-se um bocado a isso, disseram que renovavam, mas que baixavam o ordenado em 50% se não estou em erro, era assim uma coisa parva.
O que lhes respondeu?
Está feito, vou-me embora. Entretanto, o treinador no Salgueiros é o Carlos Manuel, que é meu compadre, é padrinho da minha filha. Jogou comigo no Estoril. Ligou-me, perguntou como é que estava a minha situação, contei-lhe o que se passava. Fizeram-me uma proposta de dois anos e aí vou eu para o norte. Onde encontrei um clube ímpar, também com um grande ambiente, tinham vindo de uma época em que não foram à Europa por um penálti, em Faro, se não me engano. Só que o Carlos Manuel está lá só seis meses porque foi para o Sporting. Nós jogávamos muito bem, toda a gente dizia que era das equipas que jogava melhor futebol em Portugal.
Foi viver sozinho para o norte ou levou a família?
Sozinho. A minha mulher trabalhava num consultório dentista e a minha filha estava na escola. Estive os quatro anos no Porto sozinho, embora ela fosse lá com a minha filha ocasionalmente. E todos os fins de semana eu ia a Lisboa.
No segundo ano de Salgueiro, apanhou o Deco. Já era o jogador que veio a revelar-se no FC Porto?
O primeiro treino que ele fez comigo no Salgueiros eu perguntei-lhe o que é que ele estava ali a fazer. Aquilo foi uma passagem para o FC Porto. Na altura, o Nandinho foi para o Benfica, o Deco tinha sido o melhor jogador da Liga de Honra, no Alverca. Eu não conhecia bem o Deco e quando ele apareceu ali… Ele nunca jogou no Benfica, estava emprestado ao Alverca. Ele vai para o Salgueiros como moeda de troca pelo Nandinho. O Benfica deu dinheiro e mais o Deco [risos].
Pinto da Costa mais uma vez teve olho.
É o maior. Os jogadores gostam todos do Pinto da Costa, ele é um dos melhores amigos dos jogadores, defende a dama dele; quem é que não gostava de ter um presidente como o Pinto da Costa? Errou algumas vezes, mas faz parte. O Vale e Azevedo nem conhecia o Deco, por exemplo. O Deco esteve seis meses no Salgueiros.
Depois do Carlos Manuel veio o Dito.
Grande homem, grande amigo, uma liderança muito sui generis, muito calmo. Tinha uma maneira de estar no treino e no jogo, de liberdade e responsabilidade. Passava muito por aí. Às vezes havia um jogador ou outro que não percebia bem. A amizade e a confiança é uma linha muito ténue, basta passares um bocadinho aquela linha e estragas tudo. A liderança dele era por aí, às vezes se calhar faltava-lhe aquele grito, tinha uns métodos de treino já espetaculares para a altura. Os jogadores tinham de compreender que se ele dava liberdade tinham de ter responsabilidade.
E o Vítor Manuel?
Ficou um grande amigo meu. É um treinador com uma grande experiência e foi bem acompanhado para o Salgueiros, com o André Seabra. O Vítor Manuel era o oposto do Dito, muito intenso, vivia muito o jogo, o treino, ele acabava um jogo e nem se mexia por causa das hérnias dele, saltavam todos [risos]. Era muito pragmático, muito amigo do jogador, do abraço mesmo, das histórias. Ficou uma amizade para a vida.
Na última época de Salgueiros já não jogou muito. Era a idade a pesar?
Tive algumas lesões também. A minha primeira rutura foi no Salgueiros, com 34 ou 35 anos. Devido a uma rutura muscular mal curada, ao querer ir rápido demais acabei por jogar menos nessa época. Aí também andei aflito por causa de uma hérnia cervical. Umas dores horríveis. Agora já são duas. Mesmo assim, ainda fiz 18 jogos.
O regresso ao Estoril aconteceu porque quis terminar ali a carreira ou foi coincidência?
Foi um pouco por isso, mas não devia ter ido. Não fui eu que fui ao encontro do Estoril, foram eles que vieram falar comigo. Aquilo virou SAD, ia para perto de casa, voltar às origens e deram-me dois anos de contrato com um de opção. A opção era minha de fazer mais um ano se pensasse estar em condições ou então de entrar para a equipa técnica.
- Texto: Tribuna do Expresso, jornal parceiro do POSTAL