Naquela altura, o pequeno Cristiano juntava-se a três primos mais velhos que já jogavam pela equipa, nos infantis. Partilhavam a mesma paixão pelo Futebol, a mesma liberdade das ruas e vinham, quase todos, do mesmo berço social.
A carreira galática de CR7 está sob escrutínio há duas décadas e, nos dias que se seguem, vai ter cada movimento dissecado pela comunicação social e comentadores desportivos, enquanto estiver ao serviço da Seleção Portuguesa de Futebol, no Qatar.
Na semana de arranque do Mundial, a Grande Reportagem “O 11 Inicial” foi à procura dos primeiros companheiros de equipa de Cristiano Ronaldo, no Clube de Futebol Andorinha, e à descoberta do futuro que lhes estava reservado.
Há quase 30 anos não era óbvio que Cristiano Ronaldo viesse a ser jogador profissional, detentor de um rol de prémios e recordes que seria fastidioso elencar.
Na formação dos infantis do Andorinha, em 1993, os colegas fascinavam-se com a destreza de dois primos mais velhos do jogador. Nuno Viveiros, filho de um irmão de Dolores Aveiro, a mãe de Cristiano, e Adriano Aveiro, sobrinho do pai, Dinis. Aliás, Nuno foi o primeiro capitão de Cristiano, vestindo a camisola 10 e, segundo relatos dos antigos companheiros do Andorinha, era também a voz que o primo respeitava quando os treinadores não conseguiam dominar a rebeldia do pequeno jogador.
Essa influência viria a ser determinante quando, em 2003, Cristiano Ronaldo, então com 18 anos, saiu do Sporting para o Manchester United e convidou o primo Nuno para lhe fazer companhia, em Inglaterra.
“Eu, no princípio, não queria ir porque também queria apostar no Andorinha, que estava para subir de divisão. Estava com aquela fome de bola”.
O antigo capitão recorda que foram os pais que o convenceram a deixar a Madeira, aos 21 anos, para embarcar na aventura do primo mais novo. Foi o ponto final na carreira futebolística que já tinha conhecido um sobressalto quando, aos 12 anos, o pai imigrou para França com a mulher e filhos.
“Havia um senhor que me queria levar para o Benfica e nesse espaço, o meu pai vai para França e em seis meses a nossa vida vira toda. Seis meses depois já eu estava em França, com a minha mãe e irmã. E o futebol ficou para trás”, relembra Nuno sem ressentimento pela decisão paterna.
Em França, ainda jogou pela equipa juvenil do Bordéus, a cidade francesa onde a família Viveiros vivia, mas a competição assumiu definitivamente um papel secundário na vida do jogador quando o primo foi para Manchester. Durante cinco anos – entre 2003 e 2009 – Nuno Viveiros foi a sombra de Cristiano Ronaldo na cidade inglesa.
Na mansão de Alderley Edge, a 20 quilómetros do estádio, o primo mais velho previa e provia as necessidades do jogador do United. Era ele quem o transportava, muitas vezes quem lhe escolhia a roupa e, mais importante, quem o aconselhava.
“Ele tirava a roupa, ia para o ginásio e eu dava-lhe massagens nos pés, que ele estava todo partido”, traz Nuno à memória.
Quando, em 2009, Cristiano assinou pelo Real Madrid, Nuno entendeu que era hora de regressar à ilha, onde já tinha uma filha de uma primeira relação.
“Já estou farto de estrangeiro, 15 anos de estrangeiro já chega para mim, Cristiano”, recorda a conversa que então teve com o primo.
No regresso ao Funchal, apenas com o nono ano de escolaridade, Nuno Viveiros agarrou-se ao balde e à trincha como operário da construção civil numa empresa familiar. Reconhece que era desconcertante ter um trabalho nas obras e, chegando o Verão, embarcar num iate de luxo com o primo e a restante família para férias no estrangeiro.
O antigo capitão de CR7 tem 40 anos, três filhas, duas delas gémeas nascidas da atual companheira, e é a cara mais conhecida do Museu CR7, situado na marginal do Funchal, a seguir à estrela internacional. É ele quem, pela manhã, abre as portas do museu aos grupos de turistas portugueses e estrangeiros que aguardam para ver os prémios individuais e coletivos de Cristiano Ronaldo.
No andar subterrâneo do edifício, o responsável de vendas do museu aponta para uma prateleira com o primeiro troféu conquistado pelo primo, nos infantis do Andorinha. Nesse torneio, de 1993, Cristiano ganhou o troféu de jogador mais jovem e Nuno Viveiros o de melhor jogador.
O outro Ronaldo da Madeira
Durante o dia Adriano Aveiro é gestor comercial numa empresa de telecomunicações e, a partir das 19:00, é jogador do Santacruzense e treinador dos juvenis do mesmo clube madeirense. O ponta de lança é uma estrela regional do Futebol e da imprensa local, como confirmam as várias notícias em que já saiu, no Diário de Notícias da Madeira. Já foi melhor marcador, melhor jogador, tem mais de 300 golos e uma bola de ouro, em 2015, ao serviço do Câmara de Lobos no campeonato regional, o equivalente ilhéu aos distritais.
Aos 39 anos, Adriano é mais conhecido como o primo do outro, Cristiano Ronaldo.
“O primo do outro, o primo do outro. Já me incomodou mais. Houve um jogo em que eu fiz seis golos e o jornalista teimava em perguntar-me pelo Ronaldo. Não me importo de responder sobre o Ronaldo mas aquele momento era o meu momento”, desabafa Adriano, antes de um treino preparatório para o encontro com o Porto da Cruz, no fim de semana seguinte à entrevista.
Os Viveiros e os Aveiro (ramos materno e paterno de Cristiano Ronaldo) têm o Futebol no ADN e o berço na freguesia de Santo António, a maior do Funchal. Os pais, sempre ligados ao associativismo no Andorinha, viviam nos prédios de habitação social da Ribeira Grande (casos das famílias de Nuno e Adriano) e na Quinta do Falcão, onde habitava Cristiano com os três irmãos.
O quotidiano dos rapazes, com diferenças de dois e três anos de idade, decorria na rua e atrás da bola, independentemente da hora e local. A maioria dos lugares onde jogavam já não existe; o sítio das Madalenas é um jardim público, a Quinta das Freiras é um amontoado de entulho e as ruas adjacentes à casa de Ronaldo estão cheias de carros. A própria casa onde cresceu veio abaixo e o lugar foi transformado num parque de estacionamento.
Há quase três décadas o Futebol das ruas de Santo António migrava para o Andorinha, levando irreverência e individualismo para dentro das quatro linhas. Um fluxo muito distinto do atual, em que os jogadores se formam nas academias e clubes desportivos, moldados à forma do treinador.
“Nas academias, o treinador está com um comando e diz: joga para a direita, joga para a esquerda, e não deixa a criança libertar-se”.
Ricardo Santos, um dos únicos ex-colegas de Ronaldo que vive profissionalmente do Futebol, afiança que, como treinador, tenta fazer diferente; dar aos rapazes o último terço dos 90 minutos para resolverem a partida sem barreiras, com fintas, remates e os golos bonitos. O treino matemático não moldou a geração de Cristiano Ronaldo e dos amigos. Que espécie de jogador seria ele com os atuais espartilhos do Futebol?
A Grande Reportagem apresenta “O 11 Inicial” esta quarta-feira no Jornal da Noite.
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