Adaptação de um musical brasileiro assinado por Chico Buarque de Holanda, o espetáculo “Gota D’Água Preta” chega aos palcos de Portugal na Mostra São Palco 2022, numa nova versão que exalta o protagonismo negro e a tragédia racial no Brasil.
O espetáculo, assinado pelo diretor e ator Jé Oliveira, é uma adaptação de “Gota D’Água”, musical de Chico Buarque e Paulo Pontes originalmente escrito em 1975, e estreia-se no próximo sábado em Loulé, antes de seguir para Coimbra, Porto e Aveiro.
Numa conversa com a agência Lusa, Oliveira considerou que apresentar a peça pela primeira vez em Portugal cumpre uma função reflexiva sobre o momento atual do Brasil, que comemorou o bicentenário da Independência por refletir sobre o passado e o futuro e, portanto, sobre “as consequências da própria colonização e da escravidão.”
“A ideia de montar [o espetáculo] com esse viés racial foi justamente para exaltar que a tragédia brasileira tem cor”, explicou à Lusa.
“Gota D’Água” foi inspirado na peça grega “Medeia”, de Eurípides
Originalmente, “Gota D’Água” foi inspirado na peça grega “Medeia”, de Eurípides, e conta a história de Jasão, jovem e vigoroso sambista, e Joana, uma mulher madura, sofrida, moradora num conjunto habitacional, que está prestes a ser despejada com os dois filhos, expondo a tragédia urbana e social nas favelas do Rio de Janeiro.
Oliveira contou que sua montagem une a tragédia que a peça propõe, ou seja, uma traição conjugal que é retratada como uma traição de classe, incluindo também a questão da raça e dos problemas que permeiam a população negra no Brasil.
O diretor também destacou que o musical original tem uma musicalidade mais clássica, com violinos e instrumentos melódicos fazendo um diálogo entre a música popular brasileira e a música erudita, característica que foi alterada em sua montagem para acentuar as marcações de samba e ritmos dos tambores usados em rituais de religiões de matriz africana no Brasil.
“Nossos arranjos [musicais] são mais enegrecidos nesse sentido. A gente tira essa camada erudita e coloca uma camada popular de terreiro, onde ocorrem rituais das religiões de matrizes africanas”, frisou Oliveira.
“Temos em cena um alabê, que é a pessoa que toca tambor no ritual de Candomblé. Ele traz essa experiência dele para dentro dos arranjos, com a presença dos tambores. Então a gente deixou mais evidente a relação afro do samba com os terreiros”, acrescentou, em entrevista à Lusa.
Falando das expectativas sobre a recepção da peça em Portugal, Oliveira considerou que “gostaria que a obra pudesse contribuir para que essa reflexão fosse feita de um modo um pouco mais amplo, de responsabilização, não no sentido de vingança, mas possibilidade de reflexão das consequências que o colonialismo provocou nos trópicos.”
Em Portugal, o espetáculo estreia-se no dia 15 de outubro, em Loulé, seguindo, no dia 19, para Coimbra. No dia 20, chega ao Porto e, em 23, desembarca em Aveiro.
No Brasil, “Gota D’Água Preta”, que conta com o apoio do Itaú Cultural, já foi visto por mais de 25 mil pessoas.