Participa esta semana na 60ª edição do Festival Internacional de Cinema de Guijón, mas não é somente por isso que o nome de Pedro Costa está a ter tanto eco no país vizinho. Em Barcelona, o La Virreina — Centro de Imagen, a exposição “Canción de Pedro Costa” dá a conhecer obras do realizador português, com curadoria do também cineasta Javier Codesal. Momentos que celebram um cinema cru como poucos, levado a cabo com o mínimo dos meios e com pessoas reais que “podem ser tão impressionantes como Robert de Niro e Meryl Streep”.
Numa entrevista que faz a capa do suplemento Babelia deste sábado, no jornal espanhol “El País”, Pedro Costa explica a ideia que norteia o seu olhar: “A câmara serve para procurar e não para fingir coisas.”
O realizador conta como, após longas metragens como “Casa de Lava” (1994) e “Ossos” (1997), decidiu mudar de rumo. “Não me apetecia continuar a trabalhar da forma convencional como até então o tinha feito. Truffaut dizia que para fazer cinema corrente era preciso ser-se um pouco estúpido e ingénuo (naive), senão, não se aguenta. Quando vou pela rua e vejo uma filmagem, tenho de virar a cara para não morrer de riso por assistir a uma atividade patética. Eu faço um trabalho profundo com estas pessoas que necessita de tempo e de paciência, talvez um pouco de resistência no sentido de não desistir”, diz Pedro Costa notando que, o que o salva, é “não acreditar noutro tipo de cinema”.
Em 2000, ao instalar-se no bairro das Fontaínhas, quis um “fazer trabalho de investigação”. “Consegui um quarto e pensei que seria positivo estar ali, naquele momento não tinha laços nem obrigações, tinha cortado com tudo, estava sozinho, e pensava que não precisava de ninguém. Depois cheguei à conclusão de que precisava de três ou quatro pessoas, para fazer um filme, e hoje sabemos que somos quatro e que nunca seremos quarenta”, recorda. Ele, que estudou História e aprendeu a lidar com fontes e arquivos, “nas Fontaínhas era como se pudesse pôr em prática algumas coisas [desse curso], ir ao fundo das coisas e trazer à superfície. Pegar na vida completa de um imigrante como a pessoa que ele é e não só com os problemas da imigração. Finalmente o que gostava de fazer e o cinema se encontraram, um trabalho próximo da investigação que se faça de forma económica, consequente, adaptado ao que tenho à minha frente. Não posso filmar em locais como as Fontaínhas com a maquinaria poderosa e capitalista do cinema, que são camiões, maquilhadoras, caterings e croquetes, que muitos consideram indispensáveis mas não o são.”
Pedro Costa sabe que o “sonho dos ministros da Cultura, dos institutos e dos festivais de cinema” é que os autores filmem para um público de massas: “Não é o meu mundo, é um ambiente subjugado ao poder, muito dependente do dinheiro e ignorante em matéria de cinema. A colonização americana está consumada, e também os intelectuais portugueses fazem cambalhotas perante as séries da moda e se gabam de nunca ter visto um filme do Manoel de Oliveira.”
A culpa é de plataformas como Netflix, Amazon ou Disney, “os grandes magnatas que vão controlar tudo, influenciar o gosto e inflacionar os salários. Oferecem 1.500 euros por semana a um jovem como primeiro assistente de câmara, que não come e trabalha mais de 16 horas diárias. É algo inumano, uma exploração contra a qual lutaram milhões de pessoas com armas e palavras”, afirma Pedro Costa. Em Portugal, explica ao “El País”, “não é raro que os chamados filmes comerciais portugueses tenham entre 7 mil e 10 mil espectadores em 50 ou 60 salas do país. A mim, quando muito, dão-me três ou quatro salas em Lisboa, Porto e pouco mais. Os meus filmes rondam os 5 mil espectadores. No meio desta esquizofrenia, não me posso queixar”.
O bairro das Fontaínhas foi demolido, os seus habitantes realojados. Mas, aos 63 anos, o realizador não voltará a filmar em Lisboa, que considera “uma cidade destruída, rendida ao despropósito e vítima do capitalismo mais selvagem”. Prefere manter a simplicidade: “Quando mostro os meus filmes em Los Angeles, ficam intrigados pelo modo como estão feitos. Digo-lhes sempre que não há segredos, que há uma racionalidade que tem a ver com o que o mundo é e com a eliminação de outras mentiras, como que o cinema é muito caro e que só algumas pessoas com muito talento o podem fazer.” O cineasta, diz Costa, não é um filósofo: “Tem décadas de sedimentação esta ideia de que Takovski, Fellini ou Bergman não são apenas realizadores, mas também mestres de filosofia, política, sociologia, que conseguem ver tudo antes do que os outros. O curioso é que, do meu ponto de vista, estes cineastas filósofos são os menos subversivos e revolucionários. Godard, que morreu há pouco tempo, era um investigador, mas não tinha uma ideia do mundo. Considerava a câmara como um telescópio e um microscópio ao mesmo tempo. Via coisas pequenas que mais ninguém tem paciência para ver.”
“As nossas vidas tornaram-se numa loucura absoluta que nos faz até esquecer os mortos. Mas nós precisamos disso e esse é um trabalho que pode ser feito pelo cinema, o teatro, a música ou a pintura”, conclui Pedro Costa.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL