É provavelmente, a maior caravana mototuristica do mundo. Portugal de Lés-a-Lés é um acontecimento anual que, desde 1999, concilia a resistência e aventura à vertente turística com o objectivo de cruzar Portugal de extremo a extremo contemplando paisagens e lugares de enorme esplendor. Um desafio capaz de entusiasmar qualquer motociclista.
A partida da primeira etapa iniciou-se cedo em Faro, eram 6:30 de sexta-feira [veja aqui o vídeo]:
Quanto ao texto e às fotos que se seguem, foram publicados ontem à noite na página oficial de Facebook do Lés-a-Lés, e são uma excelente descrição deste primeiro grande dia de aventura que aqui partilhamos com os nossos leitores:
Uma aventura no Alentejo escaldante
Já se adivinhava calor! Muito calor mesmo, tinham prometido os técnicos da meteorologia e as previsões só pecaram por defeito. É que o dia em que partiu a caravana do Portugal de Lés-a-Lés da veraneante região algarvia rumo à infernal zona alentejana, foi mesmo o mais quente do ano, com temperaturas que ultrapassaram os 40º centígrados. Para trás ficaram as praias e piscinas dos hotéis e complexos turísticos de Faro e, pela frente, os mais de 2000 motociclistas que aceitaram o desafio da Federação de Motociclismo de Portugal, tiveram 440 quilómetros até Castelo de Vide. Manhã bem cedo, mal o sol tinha espreitado no horizonte e já os termómetros marcavam 27º, e ainda antes das 9 horas, em Alcoutim, já ultrapassavam os 30º. E foi subindo até chegar a valores que ainda ninguém por cá tinha experimentado este ano.
Saída serena do Algarve, deixando para trás a serrania que separa o Alentejo e com Espanha sempre no horizonte para, junto ao Guadiana, aproveitar todas as curvas da bela estrada M507 rebatizada de Rita Guerra. Bela, de tons morenos e aroma mediterrânico, encantou pelas curvas e pela brisa que movia veleiros rio acima. Barreira fluvial que foi acompanhando os aventureiros rumo a Alcoutim onde contrabandistas, a portuguesa GNR e a espanhola Guardia Civil juntaram-se aos animados elementos do Moto Clube de Albufeira num divertido posto de controlo. Foi a primeira de muitas tropelias que animaram a caravana e ajudaram a combater a canícula, com muita água para beber e para molhar os pés na praia fluvial na margem da Ribeira de Cadavais.
Proibido era ficar demasiado tempo parado porque, com o relógio a avançar, também a temperatura ia subindo. Entrou-se no Alentejo o que, mesmo sem a já tradicional travessia a vau do Vascão, foi bem percetível pelas estradas menos curvilíneas ainda que sem as intermináveis retas que haveriam de surgir mais tarde. Antes disso, passagem pela islâmica Mértola e o seu altaneiro castelo onde o moto clube Falcões das Muralhas, assumiu a defesa do seu território. Não fossem os muitos espanhóis que conferem um toque internacional à longa caravana ter ideias…
Road-book em castelhano… não fosse algum espanhol perder-se
Espanhóis que foram brindados, logo de seguida, com uma estreia no Portugal de Lés-a-Lés. Se é verdade que, em várias ocasiões, foi a trupe até ao lado de lá da fronteira, não menos verdade é que nunca antes houve notas do road-book escritas em castelhano. Saltos para lá e para cá quase sem dar conta das linhas que outrora eram momento de tensão ibérica. Agora, sem grande espaço nas malas das motos para caramelos, bacalhau ou outro contrabando, a passagem só era notória porque havia avisos… no road-book. De resto, apenas pequenos marcos em pedra, um posto fronteiriço em ruínas ou uma Ponte Internacional (do Marco ou El Marco) em madeira e onde cabe apenas uma moto de cada vez. E automóveis, nem pensar!
Sempre com uma canícula que quase derreteu até os mais veteranos, a aldeia de Safara, bem no coração do concelho de Moura, permitiu saborear os deliciosos enchidos da região. E se pensam que foi uma má opção, lembrem-se que o sal ajuda a minorar os efeitos da desidratação causados pelas altas temperaturas e pelo vento quente que ia secando os corpos. Que o diga o ator Vítor Norte, experiente de muitas Lés-a-Lés sempre com a sua inseparável Gina, a não menos experiente Yamaha Virago 535 que há muito o acompanha. “Foi um dia duro, muito duro, ao nível das mais exigentes jornadas de gravação de um filme ou de uma telenovela”, contou em castelo de Vide o taxista Manel Martins da novela ‘Festa é Festa’.
Sem festa, a passagem pela Amareleja proporcionou o que era esperado! No ponto continental onde são registadas as maiores temperaturas, lá estavam os termómetros para cima dos 40º, abrindo o apetite para a muita água que o Moto Livres Club e a autarquia local disponibilizaram no castelo de Mourão. Com uma vista fabulosa, tempo para apreciar o grande lago do Alqueva que represa o Guadiana e seus afluentes, antes de mais descobertas de um Alentejo que não para de surpreender. Seja no fotogénico monumento de Homenagem ao Cante Alentejano, como nos diversos menires, antes e cromeleques que atestam a existência de civilizações bem antigas na região.
Ainda assim, nada que preparasse os participantes no maior evento mototurístico da Europa para descoberta da Aldeia Gaulesa do Ocidente, bem perto do menir do Outeiro que, com 5,6 metros de altura é o segundo mais imponente de Portugal. Cenário perfeito para um Obélix carregador de menires, o Astérix, o Panoramix, o Ordemalfabétix, a Sr.ª Decanonix e até a bela Falbala, personagens interpretados na perfeição pelos elementos dos Motards do Ocidente. Tempo também para o primeiro troço de terra batida (estas aldeias são mesmo muito antigas…) onde a Jawa 250 de 1952, conduzida por Hélder Alves, ou as muitas Honda PCX 125 não tiveram qualquer problema. Afinal o Portugal de Lés-a-Lés é uma aventura para todas as motos, que não para todos os motociclistas…
O peso da História no Dia de Portugal
No Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, tempo para recordar mais alguns pontos de grande peso histórico na afirmação da independência lusitana, incluindo os castelos de Terena (à distância) ou de Vila Viçosa (por dentro) antes de nova paragem em Borba junto à Fonte das Bicas eu desde 1781 mata a sede a quem por ali passa. Barbacena e Arronches foram pontos do mapa visitados antes de nova entrada em Espanha, que deixou italianos, franceses, suíços, neerlandeses, polacos, romenos, alemães, luxemburgueses, croatas, belgas, estado-unidenses e húngaros mais baralhados. O arrevesado espanholês ou o lírico portunhol utilizado nas notas de navegação aumentou a dificuldade de perceção na mesma medida que exponenciou a diversão para os ibéricos. Que, cansados, mas bem-dispostos, chegaram, todos, a Castelo de Vide, final de uma etapa de 440 quilómetros que será recordada como uma das mais exigentes dos 24 anos de história do Portugal de Lés-a-Lés.
Tal como deverá ficar recordada a ligação entre a Sintra do Alentejo e a Covilhã, com 360 quilómetros de descobertas e emoções, de sabores e paisagens. E muito calor!…