2022 vem sendo um ano de sentimentos mistos, quando ao mesmo tempo se pode celebrar a descoberta e aplicação da vacina que vem ajudando a combater a pandemia Covid-19, é também o ano onde mais uma terrível guerra eclodiu, desta vez, muito mais próxima de nós, entre a Rússia e a Ucrânia, sem conseguirmos saber ainda que consequências trará às nossas vidas a médio e longo prazo, com a certeza de que serão más. Mas como humanos, vamos empurrando os nossos sonhos à volta de portas fechadas, sempre à procura de uma que se abra… e assim vamos sobrevivendo enquanto espécie neste mundo mutável.
Continuamos com a FESTA DOS ANOS DE ÁLVARO DE CAMPOS, e o Postal do Algarve Online como nosso parceiro, dá espaço para a publicação das escolhas poéticas do projeto UM MÊS DE POESIA. Desta vez, serão os utentes e os trabalhadores que se dedicam à Fundação Irene Rolo, os responsáveis pelas escolhas, e assim a FIR participa da Festa dos Anos de Álvaro de Campos 2022
FIR, uma sigla muito conhecida na cidade de Tavira, significa Fundação Irene Rolo. Foi criada a 15 de Abril de 1982, por doação da Irene Dulce da Palma Arez Rolo, com a missão de apoiar pessoas com deficiência e incapacidades e as suas famílias, bem como outros públicos vulneráveis, no âmbito da prevenção, acolhimento, reabilitação, formação profissional e inserção social, com vista à promoção da qualidade de vida.
A Partilha Alternativa faz uma primeira recolha de poemas de Fernando Pessoa, seus heterónimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro, e, este ano, um dos seus melhores amigos: Mário de Sá-Carneiro.
Para essa primeira recolha, fomos buscar inspiração nas próprias atividades da Fundação. A partir dela, foram os formandos, utentes, funcionários, equipas técnica e pedagógica, assistência social, equipa médica e administrativa, a fazer a escolha dos 30 poemas ou excertos para UM MÊS DE POESIA.
Algumas escolhas contam com desenhos dos próprios utentes. Outras são ilustradas com a colaboração dos fotógrafos Ana Gouveia, Belarmino Pereira, Jane Gibbin, Jina Nebe, Lucia Medeiros e Mário Ruicorreia Gouveia.
Tela Leão
(Presidente da Associação Partilha Alternativa)
Dobrada à moda do Porto
Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo…
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
s.d
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
Escolha poética de Ana Maria Guerreiro, assistente Social do Centro de Atividades Ocupacionais