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Investigadora na área da Sociologia
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Há cerca de 15 dias conheci pessoalmente a pintora Graça Morais, em Bragança, no Centro de Arte Contemporânea que tem o seu nome. Com uma exposição em Paris, na delegação francesa da Fundação Calouste Gulbenkian, que decorre até 27 de Agosto, regressou a Bragança propositadamente para a inauguração da exposição no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais. A inauguração, que decorreu no passado dia 15 de Junho, tem como título “A Coragem e o Medo”, e estará patente até 31 de Dezembro de 2017.
Uma magnífica exposição, que não deixa ninguém indiferente, porque representa uma actualidade que nos chega diariamente pelos jornais, televisão e redes sociais. Nesta exposição os protagonistas das suas telas são, como referiu Graça Morais: “as vítimas mais visíveis desta convulsão global, são os milhares de migrantes a caminho do exílio, são os indignados da miséria urbana, são os refugiados coagidos por forças que não têm como controlar, empurrados para o abismo, fugindo da pobreza, da repressão das guerras, da violência e da morte; homens, mulheres e crianças que tudo arriscam, inclusive a própria vida, na utopia de um destino melhor, mesmo que incerto”.
A arte como gesto cívico e de inquietação pela tragédia e pelo caos, mas ao mesmo tempo com imagens cheias de esperança e alento, daí certamente este binómio “A Coragem e o Medo”.
É muito interessante ver que desde a sua primeira exposição individual, em 1980, na Sociedade Nacional de Belas-Artes (Lisboa), existem binómios. Essa exposição foi intitulada “O Rosto e os Frutos”, ainda nos anos 80 apresentou outras exposições, nomeadamente “Erotismo e Morte”, “Evocações e Êxtases”. Esta dualidade aparece também na obra “Sagrado e Profano” e ainda na obra editada em 2001 com pinturas de Graça Morais e poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen intitulada Orpheu e Eurydice.
Tenho acompanhado o trabalho desta pintora, que me cativa não só pela forma como retrata o elemento humano e as paisagens, com cores da Terra-Mãe, no esplendor e na essência da energia telúrica, mas também pelo forte sentido de lugar, pela pertença a uma região que representa com orgulho.
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Reparei, concretamente, nesse orgulho, ao ouvir Graça Morais referir que o Centro de Arte Contemporânea é visitado por pessoas de diferentes locais do país e de fora do país e senti a dedicação que tem ao Centro de Arte Contemporânea Graça Morais. A atribuição do seu nome foi decidida, por unanimidade, em Assembleia Municipal da Câmara Municipal de Bragança em 2007 e inaugurado em Junho de 2008.
O Centro de Arte Contemporânea Graça Morais situa-se em pleno centro histórico de Bragança e o projecto foi concebido pelo arquitecto Souto Moura, que aproveitou um antigo solar do Séc. XVII, acrescentando-lhe uma nova parte em perfeita sintonia com a existente. Impressionou-me pela dimensão total do edifício, pela estrutura, organização e naturalmente pelas exposições. Todo o espaço é dedicado a promover o conhecimento da arte contemporânea, nacional e internacional, em geral, e a obra da pintora Graça Morais, em particular.
Nordeste Transmontano e Nordeste Algarvio
Gostei imenso da forma de estar e da forma como Graça Morais olhou nos meus olhos. Gosto de pessoas que olham nos olhos. Foi um encontro singelo em que junto das suas obras partilhamos a ligação ao mundo rural e a atenção às suas transformações. Falamos das pertenças aos lugares e como essas pertenças condicionam a forma de expressão e de ver o mundo.
Redescubro a cada dia o sentido de lugar: o Algarve, uma região pela qual sou apaixonada, que procuro conhecer cada vez mais pelo estudo e investigação, mas também pelo coração e pelo gosto de ser algarvia.
Partilhei que foi a minha primeira ida ao Nordeste Transmontano e que algumas das suas obras, por vezes, me remetem para imagens que tenho bem presentes do Nordeste Algarvio: por exemplo os corpos e rostos de mulheres com os traços de quem viveu as agruras de uma vida de sol a sol, o lenço à cabeça, as tarefas do quotidiano rural. Desde o Nordeste Algarvio, passando por toda a Serra Algarvia até Aljezur, encontramos mulheres como a que é retratada na obra, pintada em 1994, da série As Escolhidas.
A pintura de Graça Morais está cheia de evocações de uma ruralidade vivida, de um conjunto de memórias que retratam a sua infância, os seus medos e as suas alegrias, a religiosidade e os rituais, o sentido do sobrenatural, as lendas e a valorização do que lhe vai chegando pela tradição oral. Há uma série de desenhos de 1984 em que a autora escolheu um título bem elucidativo: “Na Cabeça de uma mulher está a história de uma aldeia”.
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Esta mulher, que se tornou um nome incontornável na pintura em Portugal, com toda a simplicidade, pediu que divulgasse o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais no Algarve. Aqui fica a divulgação para a visita ao Centro e à exposição patente até 31 de Dezembro.
Ficou ainda apalavrada a vinda de Graça Morais ao Algarve para uma actividade/exposição. Espero que o Algarve venha a ter um Centro de Arte Contemporânea, porque é um equipamento cultural que faz falta na região, e a exemplo do Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, possa ser equacionada a recuperação de um edifício histórico para esse fim.
Reencontro com a memória judaico-sefardita
Não poderia deixar de referir o “Congresso Internacional Identidade e Memória Sefardita: História e Actualidade”, que decorreu em Bragança de 15 a 18 de Junho e no qual participei. Este congresso, que contou com participantes de vários países, foi considerado um reencontro com a memória, um trabalho de busca e de redescoberta de uma identidade colectiva.
O direito à liberdade religiosa foi negado aos judeus portugueses, que apenas tinham como marca distintiva o facto de terem outra religião. E como referiu o presidente da comissão executiva do Congresso, Paulo Mendes Pinto, “apenas porque eram os mais cultos, os mais alfabetizados, os mais conhecedores nos campos das várias ciências da época. Foram estes, os nossos melhores, que perseguimos, definindo uma mediania, que é uma mediocridade, que ainda hoje nos persegue nas taxas de sucesso escolar e nos níveis culturais. Conseguir, após estes séculos, regressar à temática sefardita, numa das cidades mais emblemáticas para este tema, é imagem de uma imensa coragem e de uma ainda maior visão da autarquia de Bragança”.
Hoje, praticamente não existem judeus em Bragança, mas nos dias do Congresso foi possível estar com judeus, ouvir as suas comunicações, participar nas suas celebrações e assistir à inauguração do Memorial e Centro de Documentação – Bragança Sefardita.
Por fim, uma breve referência a três cidades do Algarve com ligação histórica aos judeus: Lagos, que atraiu mercadores judeus; Faro, que teve uma judiaria que se destacou por ter sido o berço da imprensa em Portugal e onde existe um cemitério judaico e Tavira onde existiu uma judiaria na antiga cerca do Convento da Graça e onde existiu uma Sinagoga, transformada em 1542 na Igreja de Nossa Senhora da Graça.
(Artigo publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul)