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Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora;
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Recentemente parece ter sido finalmente revelada a identidade de um dos maiores artistas da atualidade, Banksy.
Banksy é o pseudónimo de um artista de rua, que pinta desde os anos 90, sobretudo em graffiti, e cujos trabalhos podem ser encontrados em ruas, pontes e muros de cidades de todo o mundo, embora predominantemente em Inglaterra. As mensagens visuais que produz são sobretudo de crítica política e social, expressando uma aversão aos conceitos de capitalismo, autoridade e poder.
Ainda este ano, Banksy havia aberto o Hotel Walled-Off, considerado aquele com “pior vista do mundo”, pois situa-se em frente ao muro de Israel na Cisjordânia, que constitui uma das materializações mais emblemáticas do conflito entre israelenses e palestinos. E este muro é a vista que os nove quartos têm. Além disso, a decoração destes alerta para este conflito, havendo, por exemplo, por cima de uma das camas, um graffiti de uma guerra de travesseiros entre um soldado israelense e um manifestante palestino.
Recentemente visitámos uma exposição sua no Museu Moco, em Amesterdão, e é realmente surpreendente a capacidade crítica que Banksy expressa através das imagens que cria.
Algumas das suas imagens têm sido vendidas em leiloeiras, mas têm que ser os compradores a tratar da remoção desses graffitis das paredes. Em fevereiro deste ano, uma imagem de reformados a jogar bowling com bombas foi vendida por quase 200 mil euros.
Não obstante todo este sucesso, a identidade de Banksy tem conseguido ser mantida em segredo.
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No entanto, há umas semanas, numa entrevista, o DJ inglês Goldie referiu o seguinte numa entrevista: “Se pegarem numa camisola e escreverem “Banksy”, está feito, vai vender de certeza! Sem ofensa ao Robert, acho-o um artista brilhante, que virou a arte de pernas para o ar”. No momento em que disse o nome Robert, Goldie calou-se, apercebendo-se do próprio erro, mas já não havia nada a fazer. Ficou revelado que Banksy é mesmo Robert Del Naja, dos Massive Attack.
Já se suspeitava disto, sobretudo porque as obras de Banksy têm aparecido em diversos locais do mundo, após concertos dos Massive Attack. Isto embora anteriormente Robert tenha desmentido que seria Banksy, dizendo que apenas são bons amigos, tendo até escrito o prefácio do livro “3D and the Art of Massive Attack”, publicado por Robert o ano passado.
Realmente Banksy (ou Robert) valorizam a discrição, encontrando-se em contra corrente com aquilo que se passa com a maioria das pessoas na atualidade, em que toda a sua vida é exposta através das redes sociais. Aliás, para além das imagens, também os pensamentos de Banski são de bastante profundidade. Por exemplo, nessa exposição em que estivemos em Amesterdão, um dos pensamentos que se encontrava exposto era o seguinte: “I don’t know why people are so keen to put the details of their private life in public; they forget that invisibility is a superpower” (“não sei porque é que as pessoas estão tão interessadas em tornar públicos detalhes da sua vida privada; esquecem-se que o anonimato é um superpoder”).
Curiosamente, o anonimato era o que acontecia com a maioria dos autores das obras de há uns séculos atrás, pois os artistas não as assinavam. Muitas vezes limitavam-se a produzir aquilo que quem pagava, fosse da nobreza ou do clero, queria que fosse feito. Uma estratégia que alguns artistas utilizavam para poderem “assinar” os seus trabalhos era aparecerem desenhados na própria pintura, quase como um auto-retrato, num local discreto da mesma.
Entretanto, algumas pinturas começaram a ser assinadas e datadas, primeiro sobretudo atrás da própria tela, expressando que o principal é o trabalho produzido, pouco interessando quem o produziu. Só mais recentemente, a partir do século XIX, começou a ser prática comum os artistas assinarem de forma explicita os seus trabalhos. A assinatura começou a ter cada vez mais “peso” na valorização, nomeadamente financeira, de um trabalho artístico. O preço das obras começou a estar cada vez mais condicionado pela assinatura, havendo colecionadores que investem sobretudo nos nomes, procurando adquirir obras assinadas.
Assim, é claramente verdade o que afirmou Goldie quando revelou que Robert Del Naja era Banksy (“Se pegarem numa camisola e escreverem “Banksy”, está feito, vai vender de certeza!”).
Já em artigos anteriores havíamos salientado a importância do percurso do artista, permitindo identificar o seu estilo e valorizar cada trabalho produzido nesse enquadramento histórico duma identidade expressa em arte.
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É totalmente diferente alguém produzir um trabalho artístico, nunca tendo feito nada antes, nem indo fazer a seguir, do que um artista conhecido produzir um trabalho idêntico do ponto de vista visual, permitindo compreender e situar esse trabalho num percurso de construção artística. É a história ou o percurso de cada artista, a persistência e a consistência do seu trabalho, a sua identidade, que pode permitir inferir a dimensão artística do mesmo.
A obra “A fonte”, de Duchamp, à qual já fizemos referência em artigos anteriores, é um exemplo disso mesmo, pois foi um trabalho inserido numa originalidade e identidade que, de forma persistente, Duchamp desenvolveu, entrando para a história das artes visuais.
No entanto, quando este trabalho foi apresentado, em 1917, para uma Exposição da Sociedade para Artistas Independentes de Nova Iorque, o presidente da direção desta sociedade afirmou à imprensa que esta “não era uma obra de arte, sob qualquer definição”. Duchamp, que até fazia parte deste júri, havia assinado este trabalho com o pseudónimo R. Mutt, pelo que este anonimato não permitia inserir esta obra no seu percurso artístico. Talvez se Duchamp passasse a trabalhar sempre com o pseudónimo Mutt, tal como Robert tem trabalho com o pseudónimo Banksy, tivesse sido o nome Mutt a ficar na história de arte em vez de Duchamp.
Já agora, a propósito da identificação do artista, talvez no futuro a melhor solução seja mesmo o autor colocar a sua impressão digital na obra produzida. A esse propósito, aproveito para vos mostrar um dos meus últimos trabalhos, intitulado “Identificação do artista: A fisionomia e a assinatura mudam, mas a impressão digital mantém-se”.
(Artigo publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul)