O Postal do Algarve assinala, mais uma vez, o “aniversário” de Álvaro de Campos, o mais famoso dos heterónimos do poeta Fernando Pessoa, com a publicação de poemas a partir de 31 de outubro e até 30 de novembro.
Este ano a Partilha Alternativa pediu aos participantes da FESTA DOS ANOS DE ÁLVARO DE CAMPOS que escolhessem poemas para publicar na rubrica UM MÊS DE POESIA do Postal do Algarve. Esta é a escolha do: Espaço A – Tavira
Pecado Original Álvaro de Campos
Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.
O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.
Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.
Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito à mesa de depois?
Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.
Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?
Quantos Césares fui!
Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
7-12-1933
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
NOTA: A FESTA DOS ANOS DE ÁLVARO DE CAMPOS 2020 decorre até ao próximo dia 30 de novembro, em Tavira, com performances, exposições, concertos e conferências, cuja programação pode ser consultada em:
https://festadosanosdealvarodecampos.com/
https://www.facebook.com/festadosanosdealvarodecampos/?ref=br_rs